terça-feira, 30 de setembro de 2008

Tudo É Albino Menos Rebeca

Não tenho Ferrari. Não tenho casa em Maresias. Comida japonesa só uma vez por mês (e olhe lá). Não tenho discos do Natiruts. Não tenho discos do Men At Work. Não tenho discos do Zeca Baleiro. Não tenho discos do Cordel do Fogo Encantado. Não tenho frases do calibre de “Marginal Alado”, “Só Deus Salva”, “Vida Loka”, “Livin La Vida Loka”, “Para sempre Renata”, “Amor de Mãe” e “Suelen É Uma Vagabunda” tatuadas no meu braço. Não uso sunga. Não tenho piercing no umbigo. Não consigo assistir a filmes pornográficos por mais de dois minutos. Não tenho roupas da Osklen. Nunca trombei com as pessoas que aparecem invariavelmente estampadas nas páginas da revista Trip sempre sorrindo e bebendo de graça em alguma festa bacana. Também não entendo por que a Família Lima se permite a existir no cenário musical. Não entendo por que ainda não deserdaram a cantora (44) Ana Carolina à Ilha de Lost na companhia de um Tiranossauro Rex. Não tenho vergonha em admitir que já gostei de Vanilla Ice. Se eu fosse o meu amigo Marcelo teria vergonha de dizer que “fui ao show da Corona e fiquei suado de tanto agitar”. Se eu fosse o meu amigo Guilherme, vulgo Calafrango, não teria orgulho de ter tido a minha primeira experiência sexual com uma mendiga (sem camisinha) e ainda ter sido obrigado a pagar cinco reais por ter gozado na boca dela. Se eu fosse o meu tio Constanzo teria vergonha de agradecer à minha tia Eleonor por ter me dado no Dia dos Pais o livro de crônicas do José Sarney. Se eu fosse a minha tia Eleonor teria vergonha de dar ao meu marido e pai dos meus filhos de presente de Dia dos Pais o livro de crônicas do José Sarney. Se eu fosse o meu amigo Paulo teria vergonha de ter sido flagrado requebrando fervorosamente no quarto ao som da Banda Carrapicho. Se eu fosse o meu amigo Gavião teria vergonha em afirmar que Paris é a capital da Itália. Se eu fosse a minha prima Priscila teria vergonha de espernear para a minha tia Bianca (mãe dela) para contratar o DJ Zé Pedro para tocar na minha (dela) festa de 15 anos. Se eu fosse o meu primo Márcio teria vergonha de sair por aí com uma camisa na qual se sobressai a frase: “Sou Indie.” Se eu fosse o meu amigo (até quando?) Alessandro teria vergonha de ficar falando na mesa do bar sobre o fabuloso cinema iraniano enquanto todo mundo quer falar de futebol e de qualquer merda muito mais edificante que a porra do cinema pé no saco iraniano. Se eu fosse o meu inimigo Maurício teria vergonha em me autodenominar “um hippie Beat Generation” enquanto peço dinheiro emprestado ao meu pai promotor para ir ao Sirena. Se eu fosse o Tiago Gey ou o Lúcio Ribeiro teria me matado há vinte anos atrás. Se eu fosse o Álvaro Pereira Júnior teria me matado há 60 anos atrás. Se eu fosse o Elliott Smith não teria me esfaqueado pois continuaria a compor belas músicas que com toda a certeza deixariam a nossa existência menos sofrível. Se eu fosse o Mark Chapman teria matado o Kurt Cobain. Se eu fosse Deus (se é que ele se importa mesmo conosco) elegeria Ian Mackaye para presidente do Brasil. Se eu fosse Deus (será que Deus é mulher?, será que Deus é gangsta?) elegeria Hunter Thompson para presidente dos Estados Unidos. Se eu fosse o Tico Santa Cruz pararia de me levar tão a sério. Se eu fizesse parte do séqüito que leva o Tico Santa Cruz a sério reveria seriamente os meus conceitos. Se eu fosse Deus (se é que ele existe mesmo) deceparia a língua, não o dedo, do presidente Lula. Se eu fosse o Supla eu não seria o Supla. Se eu fosse o pai de Marvin Gaye teria matado a Madonna. Se eu fosse a Madonna teria vergonha de ser uma puta sem talento. Alguns idiotas dizem que, se a Madonna falou que é bom, então é ótimo. Madonna gosta da literatura do Paulo Coelho. Eu tenho idade para ser o seu irmão. Eu tenho idade para ser o seu namorado. Amante. Noivo. Marido. Tio. Confidente. Amigo. Inimigo. Não tenho idade para ser o seu avô. Tudo É Albino Menos Rebeca. O meu nome não é Rebeca porque eu sou homem. Muito menos Rebeco porque os meus pais têm o mínimo de bom gosto. Não sou albino. Não conheço nenhuma Rebeca. Não conheço nenhum albino. Talvez alguma Rebeca me conheça de vista. Quem sabe eu já tenho conversado com alguma Rebeca. Talvez eu tenha abordado, bêbado, alguma Rebeca e ela tenha me mandado pra casa do caralho. A vida é assim. Mesmo sem conhecer Rebecas e tudo que é albino a gente se aproveita de tudo que a gente desconhece para criar algo que talvez no futuro seja reconhecido. Peace.