quarta-feira, 24 de junho de 2009

Mais um texto grande – para horror dos impacientes, míopes e sensíveis – sobre um motivo estúpido



Algumas pessoas me pediram (meus amigos imaginários) para escrever um texto sobre a derrocada acadêmica do jornalismo. Como vocês (ou não) sabem, eu sou jornalista. Formado e não deformado pelo corpo docente que, agora, deve estar doente de raiva.
Fui coagido, há cinco anos, não pela força, mas sentimentalmente, por um “ser” chamado “mãe”, a arranjar um diploma. A minha carreira estudantil é dividida em três etapas: do pré à quarta-série fui o melhor aluno da classe; da quinta à sétima-série fui o pior aluno do Brasil - reprovei três vezes em todas as matérias (inclusive em Educação Artística), exceto em Educação Física, graças ao santo atestado médico escrito, sem brincadeira, pelo pai de um amigo que é ginecologista, gaúcho e ardoroso fã de Eros Ramazzotti e Andrea Bocelli; e da oitava ao terceiro colegial só passei porque a escola na qual estudava à época exigia o máximo da insignificância intelectual dos seus pupilos de classe-média inadimplente.
Após quatrocentos anos de estudo, inúmeros cochilos, incontáveis zeros, compassivos meios, milhares de erros ortográficos, divisões absurdas, tabuadas insolúveis, gafes geográficas, colas equivocadas, colas milagrosas, colas deslavadas e comemoradas como a esperada morte de todo o clã Sarney, ocasionais beijinhos, constantes foras, um batalhão de espinhas, falsos diagnósticos, duas evacuações fisiológicas pegas no flagra, eternos verbos to be, falaciosa acusação de ter cuspido na cabeça de uma menina da oitava-série que só não me levou ao linchamento graças à minha velha amizade com o simpático pior valentão do colégio, dezessete advertências em um ano, fugas mal-sucedidas, uniformes justos devido a momentâneas dificuldades financeiras, duas suspensões, nenhuma briga, campeão de 100 metros rasos, campeão de ping-pong sem mandar uma bola à mesa adversária (é sério, em outra ocasião conto com mais calma), ausências dissimuladas, voltas sem idas, nenhum sexo, o papel de árvore na peça “A Volta da Chapeuzinho Vermelho”, sheik na Festa das Nações de 1997, dançarino de tango na Festa das Nações de 1998, desabrigado bósnio na Festa das Nações de 1999, sultão quase-virgem na Festa das Nações de 2000 (a Festa das Nações dava dois pontos na média em História e Educação Artística, mesmo assim eu sempre me fudia), uma estranha obsessão púbere de mostrar a bunda em público, alvo de paixão de uma vizinha que escreveu uma carta a mim que terminava com a estranha saudação: “Miu, beijos”; três namoros, um chifre desvendado, outros chifres que devem estar incógnitos, a chegada do vigésimo aniversário, eu supus que a minha disponibilidade para ouvir alguém mais velho falar um monte de merda desinteressante já havia se esgotado.
Mas não.
Desconhecia, hercúlea era a minha alienação, A Trilogia Elementar do Fracasso Travestida de Sucesso: Faculdade + Emprego + Morte = Fez sua parte.
Os meus pais, ainda em êxtase por seu filho possivelmente retardado ter conseguido concluir arduamente o segundo grau, me deram um ano de férias para pensar na vida - nas afamadas e quase sempre inalcançáveis possibilidades que dariam o tom ensolarado ao meu futuro.
Assim, eu passei um ano tocando bateria na minha banda – a mítica, indolente e instrumental Cadillac Drama. Eu passei um ano batendo punheta imaginando surubas no Leste Europeu, sexo com empregadas domésticas suadas que esfregavam com a língua as minhas cuecas no tanque, orgasmos sinfônicos com Monica Bellucci (um amigo teve o “dom” de se masturbar na cena do estupro de Irreversível), sexo casual com a atriz Flávia Alessandra, sexo casualmente para sempre e pós-morte com Dani Bananinha, sexo casual com a apresentadora Lorena Calábria (apesar do sobrenome de marca de laticínios, não sei por quê, nutria uma tara por esta mulher), sexo casual com Letícia Spiller, sexo casual com jogadoras de tênis, sexo casual com jogadoras de vôlei, sexo casual com jogadoras de dardo, sexo casual com jogadoras de rugby, sexo casual com jogadoras de qualquer coisa, com arremessadoras de peso, com mães gostosas, com mães magras, com mães gordas, com bisavós, com engenheiras, com funcionárias da Cosipa, com ciganas, com mendigas, com qualquer mulher viva, com qualquer mulher morta, com qualquer mulher apodrecida. Eu passei um ano escrevendo merda no ICQ. Eu passei um ano baixando música no Napster. Eu passei um ano alugando filmes de terror. Eu passei um ano indo a cinemas sozinho. Eu passei um ano me embriagando em baladas e provocando anões. Eu passei um ano me embriagando em baladas e passando em branco. Eu passei um ano me embriagando em baladas e voltando de ônibus. Eu passei um ano vomitando em baladas e me embriagando em neuras. Eu passei um ano pensando no amor. Será que é aquela ali? Será que é você? Será que é aquela outra? Será que é a Jennifer Connelly? Será que é a Daniela Sarahyba? Será que é a Chan Marshall vulgo Cat Power? Será que é a Marlene Mattos? Será que não é ninguém? Eu passei um ano me empanturrando em rodízios de pizza. Eu passei um ano freqüentando shows de hardcore alimentando o vazio da existência que era tão vazia que ignorava o próprio vazio. Eu passei um ano assistindo a meus amigos empinarem pipa. Eu passei um ano jogando War. Eu passei um ano jogando Winning Eleven. Eu passei um ano sofrendo com o meu Corinthians. Eu passei um ano falando mal de alguma garota ou das garotas em geral junto a meus amigos. Eu passei um ano jogando futebol e fazendo inimigos. Eu passei um ano recusando convites para ir à praia de dia. Eu passei um ano recusando convites para renovar o guarda-roupa. Eu passei um ano ignorando que um dia um ano passaria mais depressa.
Então o prazo se esgotou e encontrei a melhor saída para sanar os meus problemas: “Decidi, vou fazer inglês!”. (Imagine a cena: eu, um homem de 21 anos, sentado em um banco sem encosto para as costas e com os braços apoiados sobre um balcão de bar – bem comédia romântica norte-americana. De repente, uma mulher chega ao meu lado e diz, “Oi”. Eu respondo, “Oi”. Ela pergunta, “Qual é o seu nome?”. Eu respondo, “Leonardo”, e prontamente pergunto, “E o seu?”. Ela diz, “Juliana”, e em seguida pergunta, “Qual a sua idade?”. Eu digo, “21 anos”, e pergunto, “e a sua?”. Ela diz, “Também 21”, e pergunta, “o que você faz da vida?”. Então eu digo, “Bem, faço inglês”.)
O inglês durou um ano. Não aprendi nada. Só me apaixonei pela professora. Também não deu em nada. Eu era um nada. Nada dava certo. Nadava, nadava, nadava, nadava e nada. Sem troféus. Sem medalhas falsas. Sem emprego. Sem dinheiro. Sem amor. Sem sexo. Sem perspectiva. Com amigos sem as mesmas coisas. Sem carteira de motorista – reprovei no primeiro exame prático. Com carteira de motorista – passei no segundo exame prático por ter o mesmo nome, Leonardo, e fazer aniversário na mesma data, 9 de maio, que o delegado que estava julgando a minha performance.
De qualquer maneira, até mesmo da pior maneira possível, adentrei no cinzento prédio da Faculdade de Comunicação e Artes - a FACOS - da Universidade Católica de Santos, a Unisantos, em meados do mês de fevereiro de 2004 para iniciar a minha aventura acadêmica. Ou melhor, satisfazer as incessantes e fatigantes súplicas de minha mãe. Escolhi como primeira opção no vestibular o curso de Psicologia. Escolhi como segunda opção no vestibular o curso de Psicologia. Escolhi como terceira opção no vestibular o curso de Jornalismo. Um dia depois do vestibular (chutei quase tudo, o que não chutei, errei), vi que havia me equivocado nas minhas preferências, portanto, decidi que queria fazer Jornalismo. De todo modo, e para a surpresa de ninguém, tamanha é a facilidade para entrar na maioria das faculdades particulares do país, basta deixar cair a carteira de identidade na porta, fui aprovado em todos os cursos. Pague e Pesque. Até então, nunca havia lido um livro na vida. Nunca havia escrito nem uma mísera palavra – exceto quando recitei, a plenos pulmões e só de cueca sob uma tempestade de verão, uma poesia de minha autoria à minha vizinha nissei pela qual estava apaixonado, a voluptuosa, para a idade de 11 anos, Camila Shimi, poesia essa intitulada “Adorável filha de Bruce Lee” – não sabia que o Bruce Lee era chinês, nem ela. Ignorava escritores de qualquer espécie. Arte pra mim se limitava à música e a cinema. Ouvia desde Fugazi até John Zorn. Assistia de Kevin Smith a Larry Clark. Não era tão estúpido quanto aparentava. Era muito mais. Muito mais estúpido e muito mais feliz. A obtusidade age como um campo de força que nos protege da compreensão da dura realidade que nos cerca, portanto poucos têm a capacidade de enxergar. Fui cabeludo e voltei para casa como se tivesse sido vítima de uma arrasadora fusão de sarna com radiação de alta potência. Se com cabelo já era difícil, a careca pós-trote no carnaval não fez nenhum sucesso. Levei um susto quando vi que a maior parte dos meus companheiros de classe estava lendo jornal na sala de aula, me senti em um workshop que apresentava materiais para futuras moradias para mendigos. Não demorou muito para que a minha falta de conhecimento se anunciasse: 0,5 no primeiro teste de Português e “Fraco”, o que equivalia a um 3,0, no primeiro trabalho de História do Jornalismo. A motivação de desistência que me retirou do Karatê, do futebol, dos fins de semanas de escoteiro, do Kumon, do namoro com a Natalha, do Inglês, voltou à tona. Comuniquei aos meus pais que queria desistir, havia tomado uma resolução: “Quero ser músico profissional e acabar como o Benito de Paula”. Minha mãe ficou preocupada e perguntou: “Como o Benito de Paula?”. “Tá bom, mãe, esquece a ‘viagem’ do Benito de Paula, quero acabar como o Kiko Zambianchi” - e esta resposta doeu mais em mim do que nela.
Ficou acordado que eu teria que concluir, pelo menos, o primeiro semestre. E as coisas mudaram. Para sempre. Fiz um texto para a disciplina de Psicologia sobre a falta de inocência que há nas crianças de hoje em dia, tirei nota máxima, li na classe, todo mundo aplaudiu e fiquei com uma sensação boa. Botei na cabeça que já era hora de começar a ler alguma coisa. Li Charles Bukowski e chapei. Li Jack Keouac e chapei. A partir daí, não parei mais, fiquei doente, viciado em livros, receoso até o último segundo da minha vida. Allen Ginsberg. William Burroughs. J.D.Salinger. John Fante. Paulo Leminski. Céline. Norman Mailer. Chuck Palahniuk. Millôr Fernandes. Kurt Vonnegut. Nick Hornby. Somerset Maugham. Jeffrey Eugenides. José Agripino de Paula. Fiódor Dostoiévski. Kafka. Robert Crumb. Henry Miller. Lourenço Mutarelli. Hunter Thompson. Tarso de Castro. Raymond Chandler. Raymond Carver. Haruki Murakami. Alexandre Frota etc.
No meu caso, a faculdade foi importante por evidenciar que havia um rumo pelo qual eu podia seguir. Duvido que teria conhecido estas mentes maravilhosas citadas acima se tivesse optado, por exemplo, pela música. Mas não foi só a faculdade que fez isso, muito menos os professores. O proveito que se tira do conhecimento parte única e exclusivamente de si próprio. 90% de um curso acadêmico depende do interessado. Se dependesse dos ensinamentos dos professores, eu estava exercitando os “profundos” ditames do Lead até hoje. Depois do segundo semestre, a faculdade perdeu o valor. As técnicas jornalísticas supracitadas como vantagem após a queda do mito do diploma funcionam somente como uma forma de uniformizar os ratos de laboratório também conhecidos como alunos e, futuramente, como jornalistas autômatos. O fim da obrigatoriedade do diploma já existia desde que Pedro Álvares Cabral errou o caminho e ancorou aqui. No Brasil, sempre foi lei burlar a lei. Não vejo por que houve tanta comoção com o fim da suposta ditadura do canudo decorativo. Há um policial que tem um programa de variedades em uma emissora em Santos. Há um professor de física que também tem um programa de variedades na mesma emissora. Ana Hickman dá pitacos sobre o cotidiano no programa do qual faz parte na rede Record. Neto, ex-jogador de futebol, tem uma coluna no Estadão, analisa futebol e entrevista atletas há mais de dez anos. Se vivemos em uma democracia, e a classe jornalística foi uma das principais, senão a principal, fomentadora da liberdade de expressão no país, não consigo atinar para os deméritos que envolvem a opinião de qualquer pessoa que não tenha a merda de um diploma que muitos imbecis acéfalos possuem devidamente enquadrados em suas respectivas salas de jantar. A imprensa se caracteriza como um mundo de interesses. Altos-salários para poucos e baixos-salários para quase todos. A síntese do que é o Brasil. Caro empresário, anuncie para sair incólume de eventuais escândalos. Pergunte para quinze jornalistas se eles estão satisfeitos com a profissão. Pergunte se o veículo pelo qual eles trabalham, isso se ele forem sortudos por ter um lugar para trabalhar, cumpri com as leis trabalhistas. Nepotismo é vergonha para político mas não é vergonha para a família Beting? Mauro Beting diz: “Beting e Beting, o programa mais nepotista da T.V brasileira”, e depois ri. Essa é a nossa imprensa diplomada? As revistas estão “enganosamente” quebradas mas aceitam colaborações desde que elas sejam gratuitas. José Luiz Datena alimenta até hoje um ódio pelo jogador Ronaldo pelo fato de ele ter atravancado uma entrevista que o jornalista quis fazer com ele, há anos atrás, a qual foi realizada, inclusive na casa do entrevistado, à época em Madri, mas não pôde reservar dois minutos da sua agenda, durante um ano de intermitentes tentativas, para dar uma declaração a um grupo de alunos da minha classe que tentou, sem sucesso, fazer uma entrevista com ele sobre a violência da polícia brasileira que servia como tema para o trabalho de conclusão de curso.
O que funciona à imprensa tupiniquim, não funciona a mim. O que funciona a mim, não funciona a eles. Os maiores e mais inventivos jornalistas de nossa história, mortos ou vivos, nunca tiveram diploma de jornalista – ex: Millôr Fernandes, Tarso de Castro, João do Rio, Nelson Rodrigues, entre outros. A tecnologia, contrariando detratores que a acusam de minar o segmento “impresso” da imprensa, só serviu para enriquecer os cofres de grandes editoras e escravizar “recém-formandos” sedentos por um lugar sob um teto translúcido que apóiam o seu sedentário alívio uniforme sobre uma mesa de acrílico decorada com fotos de familiares. Para quem discorda, observe a variedade de publicações na banca mais próxima. Convivemos com uma tendenciosa e enxugada seleção de estágios. Áreas de recursos-humanos que só servem como fachada. Aos tristes e decepcionados por tanto dinheiro gasto e absorção de técnicas jornalísticas inócuas, por favor, não sejam hipócritas. Se só bastasse piscar os olhos para ter diploma nas mãos, não hesitariam. Ao fim do segundo semestre, as conversas de bar eram mais produtivas que os solilóquios saudosistas cuspidos por professores sexagenários que faziam de tudo para mostrar à nossa “péssima” geração que “no tempo deles as coisas eram mais difíceis e emocionantes”. Pagar o diploma em 48X e beber no bar. Quem é aluno brilhante e não paga a mensalidade, não recebe o diploma. Quem é talentoso mas não tem contatos porque é incapaz de se aproximar de um desconhecido por interesse, e com certeza dez décimos da população intergalática desaprovam este tipo de comportamento diagnosticando-o como covardia, vai ficar desempregado pelo resto da vida. Foda-se o diploma!

O MUNDO CÃO É PITBULL MALTRATADO PELO DONO PRONTO PARA MATAR AQUELE QUE É CONTRA A GUERRA QUE LEVA À MORTE.


terça-feira, 19 de maio de 2009

Nomadismo Comportamental


Dedico a todos os velhos amigos inesquecíveis que hoje me fazem fingir, reciprocamente, que não os conheço.


Desde pequeno eu sempre senti que o meu espírito era indubitavelmente contrário à manifestação mais propalada e executada entre os supostos sabichões que dizem “que fazem bico porque pensam”, mas que na verdade fazem bico porque o bico talvez seja o único antídoto, certamente é o mais acessível, para atenuar a triste constatação que a fotogenia é um privilégio daqueles que não precisam pensar em nada para atrair toda a atenção: Bem-Vindos ao tenebroso universo do Nomadismo Comportamental.
Alex gostava de New Kids On The Block e morava em São Paulo. Eu morava em Guarujá e superestimava quem morava em São Paulo porque isso é o mínimo que se espera de uma pessoa que vive em Guarujá. Viver em Guarujá é uma merda. Ponto. New Kids On The Block também era uma merda mas eu só tinha dez anos. Não venha me dizer que com dez anos você já tava ligado nas ideias do Jello Biafra, escutava Brahms só de cueca ao mesmo tempo em que sorvia uísque escocês com idade para ter Mal de Alzheimer, fazia duas sessões por dia, de 20 minutos cada, de meditação transcendental, usava a sua irmã como interlocutora enquanto incorporava a onisciência de Platão envolvido por um lençol com a estampa do Super Mouse, ignorava astronautas, idolatrava Calígula e sabia que o Sid Vicious havia cagado na boca de uma mina no Chelsea Hotel. Alex tinha doze anos e era uma espécie de guru comportamental para o povinho caiçara. O povinho caiçara era composto por Cadu, Zé Tó, Jussara Gosta de Mulher e Tem Peito de Homem, Fabiano, Nicolas, Eu, Cláudio, Rodrigo, Maurício, Piolhinho e Sydney. Nós todos amávamos New Kids On The Block porque Alex falou que era bom, e porque ele era de São Paulo, e porque nós éramos do Guarujá, e Guarujá é uma merda, assim como Lorena, Peruíbe, Mongaguá, Itapema, São Vicente, Fernando Bonassi, Pet Shop Boys, Cachorro Grande, arte conceitual, filme chinês, brasileiro que gosta de filme iraniano, Largo do Arouche, Bolívia, Márcia Tiburi, A Tribuna, Brito Júnior, Poço de Caldas, Caldas Novas é legal, mas Luis Caldas, não! Exclamação. Ah, o Douglas também fazia parte do povinho. Alex era ruivo, tinha um relógio Casio calculadora para o qual, quando nos mostrou pela primeira vez, fizemos “UAU!”. Douglas morreu de catapora e, por respeito à sua alma, não farei nenhuma crítica à sua conduta “sovina”. Foi mal. “Uau” é uma reação falada totalmente surrupiada dos garotinhos loiros de classe média norte-americana que eram protagonistas de filmes hollywoodianos da metade da década de 80 e do começo dos anos 90 - estereótipo resumido na personalidade de outro cara que vivenciou aquele período: Christopher, loiro carioca filho de uma mulher esguia de cabelo curto nascida no Recife e de um cara com barba grisalha e cabelo à escovinha, tipo o Ray Conniff, nascido na Inglaterra. Christopher chamava a mãe de “mom”; o pai de “dad”; a gente de “filho de “pescador”, de “vassalo”, de “sobrinho de faxineira”, de “figurante da novela Escrava Isaura”, de “stupid”, de “asshole”, de “son of a maid bitch”, mas nós gostávamos dele. Christopher tinha uma puta coleção de Playmobil. Christopher tinha uma puta coleção de Comandos em Ação. Christopher tinha um puta apartamento na cobertura do prédio. O puta apartamento do Christopher tinha também uma puta piscina. Christopher tinha um puta Master System. Master System é um videogame que até puta viciada em crack desdenha hoje em dia. Christopher tinha uma prima chamada Jennifer, que não era puta. Jennifer era galesa, parecia uma girafa desengonçada, ninguém entendia porra nenhuma que ela dizia, tinha uma risada de síndrome de down, mas eu a amava. Aos 10 anos, Jeniffer tinha um metro e setenta. Aos 10 anos, eu tinha um metro e cinqüenta. Aos 55, minha mãe tem um metro e quarenta e nove. O meu pai nasceu em 1949, chama-se João, tem 1,77 e vive do balé. Digamos que Jennifer era um jogador búlgaro de vôlei e eu era o anão que cantava com o Kid Rock. Digamos que eu era a Nicete Bruno e ela era o Paulo Goulart. Dizer “Uau”, quando criança, é fofo. Depois dos 20, é gay. Jussara Gosta de Mulher e Tem Peito de Homem também era (é) gay mas nós não sabíamos que menina que gosta de menina também podia ser denominada gay. Por isso a chamava-mos de “esquisita”. “E feia.” “Não chama ela pra brincar com a gente.” “Qual o seu nome, cara?” “Tu também tem pinto?” “Ontem eu vi um filme e me lembrei de você: Minha Vida de Cachorro.” 1990 e as corridas com palitos de picolé da Kibon (sem premiação) que eram realizadas nos pequenos córregos que se formavam quando a nossa rua de terra era castigada pela chuva; de segunda a sábado às 19:00 era hora de Vamp com pipoca de panela na casa do Fabiano; na casa do Fabiano vi sua irmã mais nova cagando, na cozinha, sobre um balde de plástico aquilo que eu ainda insisto em acreditar ser uma almôndega generosa com o sangue fazendo as vezes do molho de tomate; 1990 e a minha prima roubando, depois da escola, balas na loja de conveniência da Texaco; no campinho de terra que ficava em um terreno no final da rua, o jovem Ismael arrancou, aos socos, o aparelho fixo de um gordinho turista folgado chamado Marcos, que achou, sem sombra de dúvida, que iria morrer no momento em que o aparelho, ornado por borrachinhas tricolores paulistanas, incrustou-se sobre suas gengivas saudáveis; jogo de taco com taco profissional da Topper de propriedade dos irmãos RodrigoCláudioMaurício; Rafael Camarão disse que o seu pai espirrava “Atchô!”; 1990 e a propaganda do novo micro-system da Gradiente com a trilha sonora do C&C Music Factory (para quem desconhece, pense no pior dos anos 80 que se sai melhor no século XXI), grupo que cunhou o nefasto termo “Poperô”; 2001 e a mesma prima que roubava balas na loja de conveniência da Texaco foi presa no aeroporto de Zurique, na Suíça, por carregar no corpo, tal como uma “mula”, uma quantidade astronômica de drogas pesadas. Uma famosa atriz brasileira da atualidade disse que “a vida começa aos 45”. Eu digo a ela que a vida começa quando a alegria acaba. Ser jovem nos anos 90 é odiar os anos 80. Depois do Hollywood Rock, Alex parou de gostar de New Kids On The Block e passou a idolatrar o Guns N’ Roses. Nós questionamos, em uníssono, “Já?”. Ser jovem nos tempos atuais é amar os anos 80. Nicolas era o único brasileiro de uma família argentina que torcia para a seleção da Argentina e era obrigado pela mãe a tocar piano e a se vestir como uma criança argentina no período da ditadura. Nicolas, o brechó ambulante. 1990 e todos pendurados no caminhão de lixo. Fabiano caiu do caminhão de lixo sobre uma poça de lama e pediu calça de moletom emprestada para todo mundo no intuído de atenuar a dor que viria à tona no inevitável espancamento perpetrado pela sua mãe. Alice, irmã de Nicolas, loira argentina peitudíssima de pele lívida, uma vez perguntou pra mim, depois de perceber que eu estava olhando avidamente para os seus peitos: “Te impressiona? Quer tocá-los?”. A primeira vez que gozei sem precisar tocar a primeira vez no corpo de uma mulher. Ser jovem descolado nos anos 80 é odiar os anos 80. Deus criou a beleza. Deus criou a natureza, o verde, o vermelho, o arco-íris, o calor, a sombra, o perfume, as águas claras, azuis, os cães saudáveis, os gatos ronronantes, a lama terapêutica, o olhar, os olhos claros, o sorriso, as cutículas, as unhas, a chuva redentora, o fim de tarde, a água que sai da mangueira, as ilhas longínquas, a neve e as estrelas. Deus criou a berinjela, a catapora, a conjuntivite, os vesgos, os cegos, o câncer e os irmãos siameses. Nos anos 70, no Brasil, ser jovem é ser americano ou inglês nos anos 60. Alex parou de gostar de Guns N’ Roses e assumiu peremptoriamente: “O que vira é Red Hot Chili Peppers!”. “Já?” Uma semana depois, Jussara Gosta de Mulher e Tem Peito de Homem quebrou todos as fitas K7 que tinha do Guns N’ Roses. Cadu e o seu pai viviam para matar porcos para viver, pelo menos, até os 60. Minha mãe de um metro e quarenta e nove e o meu pai de um metro e setenta e sete organizaram para mim, de um metro e cinqüenta, uma festa de onze anos com temática dos anos 50 – eu ganhei uma fita do Vanilla Ice. Alex esqueceu Chili Peppers, Danzig, Faith No More, Cypress Hill, Rage Against The Machine, Primus, Sepultura, Slayer e assumiu de vez: “O que vira é dar o cu.” Jussara Gosta de Mulher e Tem Peito de Homem não curtiu e disse: “Ih, malandro, o cara é gay, sai fora!”. Douglas morreu de catapora e me lembro do seu pequeno caixão sendo vedado após duas pazadas de terra e da respiração do seu cachorro dormindo no meu colo. A mãe de Douglas me perguntou “Por que ele?”. Eu pensei, “Por que não?”. Os familiares jogaram flores sobre o caixão, os vizinhos jogaram flores sobre o caixão, a mãe tentou se jogar sobre o caixão, duas semanas depois ela se jogou do terceiro andar do prédio, quebrou os dois tornozelos, não perdeu a vida, mas perdeu o marido. Eu joguei algum dinheiro que devia para ele. Um dia antes de morrer, ele me cobrou: “Até amanhã, caralho!”. “O amanhã acabou hoje”, pensei. Foi mal. Ser jovem nos anos 80 é imaginar que, depois do surgimento do Atari, o ano 2000 terá carros voadores. Deus inventou o amor. Deus inventou o ser humano. Deu nessa merda!

terça-feira, 28 de abril de 2009

Houve uma época na vida de todos nós na qual acreditávamos que éramos a maior invenção do homem

Através da janela da sala 102 do curso de Jornalismo Cultural na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC, há imagens cotidianas que os meus olhos, em um jogo estúpido, invasivo e viciante, tentam transformar em peças fotográficas das quais a imensa maioria (não me recordo de nenhuma no momento, talvez todas) queima. Eu viro o meu pescoço para o lado direito. Eu viro o meu pescoço para o lado esquerdo. Eu solto o peso da cabeça para tocar os ombros com a orelha em busca de ângulos. Novos ângulos. Uns atrás dos outros e todos atrás do irrevogável anonimato. Coloco a palma da minha mão direita sobre o meu olho direito - que se mantém aberto -, e fecho o olho esquerdo, descortinando em seguida, lentamente, os dedos da minha mão direita, como frestas, para sentir uma espécie de renascimento - a força indomável que a luz proporciona quando, segundos antes, nada se via além do eterno breu. Esfrego sofregamente ambos os olhos para que a turvação provocada pela fricção manual conceba uma visão inesquecível que não será vista nem lembrada por ninguém. Nem por mim. Tampo os ouvidos com força para ouvir as funções do meu corpo que retumbam silenciosamente enquanto faço sons com a boca. Roçando a língua no céu da boca. Estalando os lábios. Batendo os dentes. Bum! Pá! Bum! Pá! De modo que, automaticamente, tamborilo os meus dedos sobre mesas de madeira, de fórmica, de plástico, sobre embalagens de acrílico, em cima de bolsas de couro, nos bancos do metrô, em caixas de pastilha, em garrafas de cervejas importadas de um litro, na lataria de carros alheios, nas próprias nádegas, nos maxilares, no rosto, em caixas de fósforo envelhecidas pelo o abandono do recém assumido ex-fumante que, como todos à minha volta, bate os seus pés no intuito de marcar o ritmo de uma música que trava batalha, nesse momento, ontem, daqui a duas horas, cinco anos, antes da morte, contra a manutenção contínua e sacal que a sanidade estabelecida infligi à liberdade inerente que prega que todo e qualquer ser humano tem o direito de ser um artista não profissional.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

... Há dois anos atrás. Longe de casa. Perto de quem ama.

Já andou sobre as nuvens? Não? Nem eu. E nem posso dizer que esse sentimento atual é parecido. Me sinto feliz. Feliz pra caralho!
- Se você tiver que falar com algum escritor importante, um escritor do qual gosta bastante, como você se apresentaria? – questiona a minha namorada, ambos estamos sentados na mesa de um bar, tomando um chope, vendo três crianças se matarem de porrada, mas só de brincadeirinha, o nariz de uma tá sangrando, mas nada disso importa, as três podem até morrer, não vou perder o meu sorriso de jeito nenhum.
- Ah, sei lá, talvez como jornalista e escritor frustrado, ou aspirante a jornalista frustrado por saber que serei um jornalista frustrado por ser um escritor frustrado, ou quase formado em jornalismo e pronto para montar um bar que vende cerveja barata de garrafa, porção de amendoim, que passa jogo do Corinthians que não é transmitido para a T.V aberta e que a cada gol do Corinthians todas as mulheres que estiverem no meu recinto, ou seja, no meu bar, terão que tirar uma peça de roupa...
Minha namorada foi dormir, ela está com dor de cabeça e cólica. TPM. Eu resolvi dar um rolê pela cidade até o início da palestra do Jim Dodge. Entrei em um sebo e comprei um livro do Millôr Fernandes. Entrei em uma sorveteria e pedi um sorvete de chocolate e o sorvete derreteu um pouco e fodeu com a minha camiseta. São 16:15 e daqui a pouco serão cinco horas. Eu acabei de me perder e me encontrei no espelho. Engordei uns dois quilos, é visível, a barriga já está saliente. Não tenho convite para a Tenda dos Autores e nem a bilheteria tem convite para quem quer ir à Tenda dos Autores. O ingresso custa vinte reais.
Decido ficar na Praça da Matriz e assistir à palestra no telão. Tradução simultânea. Muitas pessoas agem da mesma forma, o que esperar de um bando de neo-hippies? Opulência? Jamais. À minha volta dezenas e dezenas de casais se abraçam e se refestelam com a cabeça apoiada sobre as coxas dos seus parceiros. Eles me olham como um solitário, um trovador em busca de inspiração, um coitado. O sol está forte e à noite é hora do frio. As crianças correm em busca do nada. Você perde energia e já era a infância. Algumas pessoas se conhecem e mutuamente se atraem. Outras pessoas se conheceram há alguns minutos e mutuamente se atracam.
Jim Dodge é apresentado no telão. Jim Dodge diz “Hi”. O tradutor diz “Oi”. O público responde “Oi”, alguns idiotas dizem “Hi”. As pessoas acham que estão no cinema. Os casais apaixonados. Por que ela não vem? Por que ela não está aqui? Você faz de tudo para ser diferente dos outros mas no fim tudo o que você quer é ser igual a todo mundo. Não se sentir sozinho. O escritor inglês Will Self diz “Hello”. “Olá.” “Hello.”
Este momento, aqui e agora, agora e aqui, tinha tudo para ser inesquecível. É a mesma coisa quando você encontra o cenário perfeito para tirar uma foto, mas a droga do passarinho acabou voando. A mulher de blusa vermelha piscou. O gordo atrapalhou. Não tem memória.
- Nossa, eu vim correndo, pensei que fosse perder.
- E aí, melhorou?
- Ainda tá doendo um pouquinho. Vem, coloca a cabeça aqui no meu colo.
- Não vai machucar você?
- Não.
- Estava com saudades.
- Eu sabia, por isso que eu vim.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Cloaca PO(bre ou dre) #7


Dissidência Yanni

“Certas bandas deveriam ter morrido nos anos 90. Por exemplo, o Weezer. O Weezer é tão anos 90”, diz um paspalho que está sentado à mesa ao lado da minha, num bar meio indie, meio garotas de classe-média adeptas do visual e das atitudes da Tropicália, meio garotinhos barulhentos de mochilinhas nas costas pincelados pelo rímel da mamãe, meio gordinhos solitários de camiseta pólo listrada que não comem nada vivo e que geme de voz fina, meio scream emo’s, meio gritinhos agudos, meio gritinhos graves, um grita, outro canta, a guitarra oitava, eu peido e silencio, o garotinho oferece uma rosa por um real, “que cheiro podre é esse?, será que é da cozinha?”, um cara oferece um ursinho perfumado, “já conhece o trabalho?”, “já!”, ele vai embora, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, o ambulante anuncia, a sirene de uma ambulância ressoa, alguém assoa o nariz e catarra o x-salada, a crentaiada ri, “Calypsooollll” ribomba a 120 por hora num filmadão com farol xenon, a hora passa, Altas Horas começa, “A Xuxa na T.V!”, exclama o passado da garota neo-hippie que, segundos atrás, discutia (tava mais para um seminário) a atuação do Benício Del Toro no filme “Che”. “Atchim.” A descarga quebra. A merda bóia. O espirro cospe o verde a meio metro do meu pé e o idiota acrescenta: “Tão anos 90, cara”. Projeto mentalmente o que seria a opinião dele sobre os Sex Pistols: “Muito 70, meu, muita tachinha, casaco de couro, coturno, coleira, muito Londres, muita Anarquia, punk demais pra mim”. Projeto por meio do meu intelecto o que ele diria sobre Bob Dylan: “Tão 60, América, Guerra do Vietnã, rancho e cidade, chapéu de coro amassado, capim demais, feno rolando, boi, muuu, gaita de boca, poesia beat, sexo livre, maconha no talo, revolta, paz, ai, so out, tô fora”. Chego à conclusão que é por essas e outras como muitas outras pessoas como essa que um tipo como Babe, Terror consegue fazer shows em Berlim e ser respeitado mesmo com o rótulo (quem rotula, anula, diria o sábio (eu) que jura que de fruta só come buceta) ‘No age’ ou ‘Temperature’.
“O que será que deve ser, hein? Tipo uma Enya que diz não?”
“Pode ser, mas não deve ser um não peremptório, tipo NÃÃÃO!, tá ligado. Provavelmente é um não mais lombradão, sonolento, um não que o Dalai Lama daria: ‘Nãããããããããããããoooooouuuuuuuuuuuuuuummmmmmm’, ‘nããããããooooooooouuuuuuummmmmmm’, sacou?”
“Um Nãããããããoooooooouuuuuuuuuummmmmmm Wave?”
“Por aí, acho que sim.”
“1x1 igual a uuuuuuuuuummmmmmmmm...”
“Hahahahahaha, captou o espírito da coisa.”
“E esse tal de Temperature?”
“Deve ter algo a ver com o clima.”
“O som que rola na sauna.”
“Rola som na sauna?”
“Sei lá, brother, nunca fui.”
“Ele deve fazer parte da dissidência new age.”
“Saquei, uma espécie de fusão de Noah Chomsky com Yanni.”
“Por aí, Yanni Chomsky.”
“O new age defende o quê?”
“Uma nova era, hippies saudáveis que não se drogam e ainda fomentam o espírito natalino em cada cidadão que convive consigo.”
“Era uma vez um pato cego...”
“Não esse tipo de era, caralho! Mas se fosse esse tipo de ‘era’, seria algo como ‘Não era uma vez um pato broxa...’ Pescou?"
“O quê, peixe?”
“Quê?”
Pés sujos adensam a sujeira da superfície imunda do bar que pela manhã é padaria, à tarde é pedraria e jogo do bicho, à noite um arremedo de calvário, clube magic, o filme que você curte eu não curto, ele fode melhor ligado na anfeta, semana que vem tem rave em Caruara não chama aquele cara de pau grande porque ele me machucou muito na outra vez, cê viu o Brito Júnior dançando na Record ontem?, montei uma banda sem guitarra sem baixo sem bateria sem integrantes (sem vírgula) quer embarcar comigo nessa jornada?, “Spinal Tap é muito anos 80 querendo parecer anos 70, muito cabelos grandes com franjas curtas, muita roupa colorida, muito humor inglês, muito sarcasmo, muita ironia, nonsense, que tédio mais anacrônico”. A loira peituda espraia sua protuberância por meio do decote escancarado e recebe o desagrado já deliberado por ela, por isso ela faz teatro, ignora Bertolt Brecht, “quem é Beckett?”, e se inscreveu, lamentavelmente dessa vez não aconteceu, “faltou um boquete documentado em digital oriunda das férias de Miami em que dei o calote?”, do Big Brother Brasil:
“Nossa, que peitão”.
“Mas o que é isso, seu grosso, que jeito idiota de tratar uma mulher!”
“Por que tu anda com esses peitão levantado neste puta (apontando com o mesmo indicador que serve de talher para a degustação nasal) arromba decote?”
“Para me sentir bonita, para me sentir bem, eu não me visto para os outros, eu me visto para mim mesma!”
“Então por que não fica em casa vestida deste jeito? Não sai, fica olhando para o espelho, olhe para o seu decote, olhe para os seus peitos, e diga: ‘Nossa, como eu me sinto bem comigo mesma, eu não preciso sair por aí para que ninguém fique me elogiando, já decidi, próxima vez que eu for para a balada, vou de túnica!’”
“The Clash é muito segunda metade da década de 70, muito rock militante, boininha, uniforme camuflado, revolução, amálgama sonoro, união de raças, branco tocando reggae, futebol, cerveja de pub, grito de guerra, início da década de 80, disco, invasão em Nova York, ahhhh, que coisa horrível!” A crítica exige que os artistas se renovem continuamente. Os artistas subjugados pela crítica desconhecem que a inovação, impreterivelmente, jamais será deliberada, portanto, por essa falta de sensibilidade, ou melhor, de vergonha na cara e auto-suficiência, imergem em iniciativas que até crianças mongolóides seriam capazes de fazer melhor. Por que a crítica não se renova? Crítica em forma de arte. (Nas próximas semanas mergulharei a fundo – até onde os meus pés podem alcançar – nesse assunto.)
O tempo escoa enquanto o balconista côa o leite do bêbado descarnado do futuro idílico. Barriga cheia, quem sobrou no lugar só pode ser alcoólatra, momento propício pra pulverizar a vontade de “ficar só mais um pouco, a saideira, vai, mais uminha, caralho, amanhã é domingo, ninguém trabalha, todo mundo pode acordar tarde”. Alguém diz ouvir, ao longe, a canção do galo que serve de arauto para a chegada de mais um amanhecer: “Deixe eu anotar aqui no meu caderno – vinte e cinco anos, dois meses e três dias de existência, vivo, vivo igual a uma ameba perdida incrustada num corpo de elefante”. “Nossa, esse negócio de galo é muito cidade do interior, muito criação de galinha, muito ovos frescos, muito leite tirado da vaca, muito sexo com cabra, sô, porrrrta, merrrrda, vó alegre, o melhor céu estrelado da minha vida, solta os labradores porque aqui não há estorvos, dormir às 23:00, acordar às 6:00, com a canção do arauto da chegada de mais um dia, o galo filho da puta, mas que merda!”

segunda-feira, 2 de março de 2009

Cut (Love) Up

Homenagem aos homens de verdade. Aos homens que não são retratados pelas revistas “ditas” masculinas. Aos homens que muitas vezes esquecem de passar o “bendito” desodorante e são repelidos pelas garotas sem nem ao menos presumir que a sorte abomina descuidos. Aos homens sem vaidade, que atravessam uma boa fase sexual com a mesma freqüência que o cometa Halley atravessa o Planeta Terra. Aos homens que se perguntam no Dia Internacional da Mulher:“Por que não tem Dia Internacional do Homem?”. Aos homens que assistiram ao filme Procura-se Amy e concordaram com a constatação que Deus, no oitavo dia, criou a cerveja.


O ser humano (médio de rosto) só aprende o quão maravilhosa e inebriante pode ser a vida quando se apaixona perdidamente por alguém. Pode ser do sexo oposto ou do mesmo sexo. Sem validade a animais irracionais.
O ser humano (médio de rosto e sem barriga e que já leu no máximo uns dez gibis da Marvel Comics e foi coagido pelos pais a se fantasiar de baiana em sua primeira festa à fantasia no Ilha Porchat Clube) só aprende o quão filha da puta e desprezível e dolorosa e injusta e pútrida e sufocante e tenebrosa e lúgubre (mesmo não sabendo o significado da maioria dessas palavras) pode ser a vida quando se apaixona perdidamente por alguém e esse mesmo alguém o fode com o fim daquilo que ele (o ser humano médio de rosto com uma ligeira barriguinha provocada pela fusão aprazível de cevada com álcool e que já escutou, durante um ano, pelo menos três vezes por dia, toda a discografia do Beastie Boys, mais especificamente de Licenced To Ill a Ill Comunication - 1986 a 1994 -, e que chorou na pré-adolescência ao assistir, no cinema, acompanhado pelos pais, o clássico do mela cueca e da umidade involuntária de camisetas brancas da Jinglers adquiridas na CeA, tamanho M, ou seja, O Meu Primeiro Amor, muito antes do chapado Macauly Culkin ser chapado, muito antes da protagonista sumir do epicentro ilusório hollywoodiano, e um pouco antes de Jamie Lee Curtis se entregar à condescendente máxima que a idade transforma boazudas em figuras análogas a cinzentos postes de concreto e pedras de jardins ocultas pelo antes cremoso agora duro excremento de labrador de 9 meses de existência) acreditava piamente que seria o seu eterno porto-seguro protegido pelas generalizadas (“toda mulher é vagabunda, menos a minha”) desgraças que acontecem a todo instante com todas as pessoas que, por intervalos (males?) necessários, tentam porém não conseguem dissecar a sua (minha, nossa, de todos nós) vida, principalmente na altura em que a indagação: “Como vai a “porra” da sua vida amorosa?” é levantada e instantaneamente deixada à lei da gravidade tal como o baque estrondoso da queda de uma bola de boliche preta sobre a calçada atulhada de restos de bexigas coloridas devido ao pós-bem aventurado aniversário de 15 anos da igualmente média e divertida menina que, em um passe mágica, escureceu o céu de verão.


Milton. Homem de 25 anos. Barba por fazer e camisetas sem estampas. Não lhe agrada o tamanho do próprio pênis. Não vê demérito algum pagar para comer alguém. Nunca chupou uma buceta porque até então nunca teve uma namorada. Quando lhe perguntam se quer transar: “Só com camisinha.” Se arrepende por desperdiçar sábados, que poderiam ter desfechos mais significativos que uma simples ejaculada na própria mão, por assistir loiras norte-americanas chantilizadas refestelando-se em rôlas caribenhas em compilações pornográficas destinadas a esquecidos jovens insatisfeitos com o ritmo da própria respiração. Não anda de montanha-russa porque já sonhou que estava morrendo na mesma. Sim, pensou em se matar. Enforcar-se nu. Mas teme se tornar motivo de chacota mesmo depois de morto.


Rocambole é o cara. Gordo e peludo. Reza a lenda que, nos primeiros cinco tenros anos de vida, já ostentava cavanhaque à la Rasputin e um carbonizado matagal de pêlos psicodelicamente emaranhados na região da bunda. Primeiro colocado no IV Campeonato Interno de Flatulência Matutina do Colégio Coração de Maria, hoje relega a segundo plano os prazeres libertinos do fim de semana para assistir à maratona de um milhão de episódios puxados da internet do desenho nipônico Dragon Ball. Veste cuecas box por prazer. Ouve Napalm Death e Shai Hulud para relaxar, embora tenha feito parte, tacitamente, porém com desmesurada paixão, do fã-clube do cantor de pagode Salgadinho. Foi vegetariano durante dois longos dias, depois sucumbiu à salsicha e até hoje participa, sorridente, munido de um sanduíche de carne moída com muito molho sempre à mão, de rinhas de galo, embate entre cães e festejos em churrascarias (9,90 o rodízio completo) abalando no vídeoke ao cantar, sempre de boca cheia e ébrio, a canção Magic, do Pilot.

Rick. Insignificância em altura. Hercúleo em estima. Ou alienado a respeito do surgimento da autocrítica. Nasceu no nordeste mas acha que é carioca. Tentou xavecar Débora Falabela. A atriz. Não pegou. Lógico. “Tente outra vez” é um lema que ele persegue, “não basta só vestir a camisa”, munido de profunda obsessão. “Tente não tentar outra vez” é o lema que os seus amigos insistem para ele adotar de uma vez por todas. Ele sempre entende tudo como “pegar todas”. Todas as velhas com mais de 67 anos de idade.

Maneco não é filho de português. Não sabe nem de quem é filho. O pai sumiu e a mãe não o convence. “Ela me ama, eu sei. Mas eu sou moreno bombom e ele é ruiva, porra, ela não tem como ser a minha verdadeira mãe.” Talvez pela ausência de carinho materno (ou pela inexistência de carinho filial) deixa o seu melhor amigo, Espiga, depilar o seu cu. “Mãe, não é isso que a senhora está pensando.” As fontes pesquisadas afirmam que sua cama de dormir é sustentada por dezenas de fitas de vídeo de hardcore. De sexo hardcore. “Não vai pegar todas, senão a cama vai ficar torta, eu odeio quando acontece isso.” (Entre elas está o blockbuster “É Grande!”.) Outras fontes pesquisadas juram que ele costuma encher bexigas até a metade, de preferência da cor vermelha (“verde parece E.T”), deixando proeminente o bico que se forma na parte superior da bexiga a ponto de se assemelhar com um peitinho para depois chupá-lo e, ao mesmo tempo, socar uma imaginando sorver a teta esquerda da Márcia Emperatori. “É, aquela que urra.”


Cut (Love) Up #2


Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, ofereço com todo o amor do mundo, às garotas que passaram pelas minhas mãos, as minhas impressões melífluas e imparciais.



Angélica: tinha 20 anos de idade, tinha buço, só ficávamos no selinho, em vez de ela sentar no meu colo eu sentava no colo dela. Os motivos cruciais dessa inversão de posição se devia ao fato de na época eu ter somente nove anos de idade e ela ser gorda pra cacete. O fim do relacionamento partiu dela (antes de partir o relacionamento ela partiu duas mesas de mogno, cinco pias de mármore e um tablado de madeira sobre o qual me entretia com danças eróticas), isso porque me traiu com o meu tio “ainda mais gordo” chamado Júlio, depois casou-se com um micro traficante que acabou morrendo de aids anos depois. Ela não foi infectada.


Flávia: peitudinha, a menina mais assediada do bairro, a menina mais assanhada do bairro, a menina mais rodada do bairro - um verdadeiro rodízio de um só sabor. Namoramos por três meses até o momento que ela esqueceu que era minha namorada e começou a namorar mais três caras ao mesmo tempo. Eu tinha 13 anos na época. Hoje, Flávia é mãe de dois filhos feios e mais parece a Daniele Hypólito do que qualquer outra coisa. (Qualquer outra coisa seria bem melhor para ela.)

Luana: deusa da volúpia, principal motivo da insurgência hormonal púbere que culmina em um esquadrão de espinhas e a probabilidade nada improvável de dar um tiro na cabeça aos 15 anos de idade. Nunca existiu mais bela e gostosa moçoila. (Ou potranca, na linguagem intelectual.) Lia de tudo, sobretudo o que não prestava: figuras, Fatos e Fotos e O Livro de Letras do Boy’s II Men. Injustamente, era chamada de cachorra pelas rivais. Meses depois, reconheci, era uma tremenda vaca.


Renata: O meu primeiro amor. Dois anos de paixão, um ano de sexo e nada de sexo oral. Quando acabou, colei uma foto dela atrás da porta do meu quarto. Comecei arremessando dardos coloridos. Passei para uma flecha de madeira do tamanho do membro sexual do Kid Bengala. Terminei jogando pedras no mar, chutando poças d’ água, tomando banho de chuva pelado e adotando um filhote de labrador.



Denise: professora de inglês com a voz mais sexy do mundo. Nunca faltei enquanto ela me deu aula. Pena que a única coisa que ela me deu foi aula - e de inglês. (Ah, claro, e um biscoito de maisena estragado.)


Cat Power ou Chan Marshall: um amor impossível de ser concretizado. Além do mais agora que ela parou de beber.

Pietra: a mulher da minha vida, o amor em proporções interplanetárias. Sem ela, a minha sensação de alegria seria a mesma que ganhar de presente no natal um par de meias finas e um DVD do acústico do Maná.



Mãe: perdão por todos os infortúnios que lhe fiz passar. Perdão por repetir a quinta série. Perdão por repetir a sexta série. Perdão por repetir a sétima série. Perdão por repetir o mesmo modelito em vários festejos familiares. Perdão por usar a camiseta do “Fun People” no enterro de sua amiga Cíntia Nunez. Perdão por ir de chinelo, bêbado, seminu, com um lacre de alumínio de cerveja fazendo as vezes de um piercing mamilal, nas bodas de ouro da vovó Leonor. Perdão por quase obrigá-la a assistir ao meu lado ao filme Irreversível (o filme é bom, mas com a mãe não dá). Eu lhe perdôo por me vestir de travequinho mirim no meu primeiro baile de carnaval. Eu lhe perdôo por me obrigar a usar aquela vergonhosa boininha da Bad Boy durante considerável período da minha pré-adolescência. Eu lhe perdôo por não ter nem uma mísera foto da época em que eu era um porcalhão bebê (mãe, seja sincera, eu sou adotado?). Contudo, com nada, ou só com alguma coisa, agradeço a você e ao papai por não terem cogitado a possibilidade de me batizarem com o nome de Telmo.



Maria Fernanda Lossavora Marques da Roz (1915 – 2009): minha segunda mãe, minha eterna avó. Adeus.












segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

8 de junho de 2007, 23:53


Ao lado do Perequê Praia Show tem um bar. O Perequê Praia Show fica no mesmo lugar onde antes era o Avelinos. Eu, na minha juventude, fui muito ao Avelinos. Já beijei muitas garotas no Avelinos. Algumas bonitas, outras feias e outras terríveis. Também já caguei no banheiro do Avelinos. Vomitei no banheiro do Avelinos. Já rolei pela escadaria do Avelinos. Já arrumei briga no Avelinos, mas nunca apanhei. Nem bati. Muito menos uma punheta. Entro no bar e peço uma cerveja. O bar tem cheiro de mijo de gato misturado com o cheiro da bosta fresca do meu pai. No som do bar tá rolando uma música que diz “baila, baila comigo, baila, baila, meu amor, rebola, mexe o umbigo, mostra todo o seu calor”, eu fico com calor, não por culpa da música, mas por culpa do próprio calor, que, infelizmente, existe. Eu quero ficar bêbado e já viro o primeiro copo que, evidentemente, não vai alterar bosta nenhuma no meu estado sóbrio, isso porque eu verti mais da metade do conteúdo sobre a minha camiseta. Umas meninas super-gostosas que estão sentadas em uma das mesas de plástico do bar começam a rir da minha cara. Eu começo a rir de mim mesmo e depois percebo que nada fará mudar o meu semblante de trouxa. Uma delas se levanta e vai até o balcão e pede uma pinga pura e, com a maior discrição e classe possível, externa um pequeno arroto que dá vontade de abrir boca e engolir esse eflúvio fedorento composto de torrada de alho e álcool puro expelido por essa deusa da volúpia...

Menina do arroto: “Oi.”
Eu, surpreso, claro: “Olá.” (Olá? Quem eu penso que sou? O Gene Kelly dançando na chuva? Ou um hippie colecionador de borboletas?)
Menina do arroto com um baita de um peitão: “Então, qual é o seu nome?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro: “Francesco, é italiano.” (Italiano?)
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas maravilhosas que tanto amo: “Nossa, italiano, sabe falar alguma palavra bonita em italiano?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade de cagar característica em ocasiões como essa: “Je taime.” (É, acho que mandei bem.)
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas que tanto amo e com uma cara de contrariada: “Je taime não é francês?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade cagar característica em ocasiões como essa e me sentindo burro e reconhecendo, pelo menos internamente, o meu equívoco: “É? Ah, é verdade, é que eu falo tantas línguas... Francês, italiano, português, inglês e arranho mais algumas.” (Poliglota? Tu não sabe nem falar português. Aliás, quando era jovem, com vinte e um anos, ao invés de difamar, você falava diflamar. Pelo menos você não é igual ao seu primo Leleco, que acha que Lisboa é a capital da França, que escreve de repente junto e com dois erres, que pensou que Portugal ficava dentro dos Estados Unidos, que foi buscar o seguro-desemprego e ficou espantado “com o número de ‘anafabetos’ que existe no Guarujá, que acha que heterossexual é a mesma coisa que homossexual etc.)
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas que tanto amo e com uma cara de contrariada e que tem o lábio mais carnudo que eu vi na minha, por enquanto, tortuosa existência com pitadas de alegria efêmera e satisfação fugaz, mas eu tenho o meu amor, eu te amo, meu amor, não amo esta garota gostosa que está na minha frente virando uma cachaça pura e pedindo a porra de um canudo e começando a chupar a porra do canudo e olhando com os seus olhos verdes que te quero verdes que é a escola em que o meu priminho estuda e eu não sei mais sobre o que estou pensando... isso deve ser alguma pegadinha ou algum quadro daquele programa do Ashton Kucher, que é aquele afortunado que come a Demi Moore: “Você deve ser um cara muito viajado, ou melhor, vivido. Tipo um andarilho, né, você deve ter passado por muitas loucuras, hein, gatinho?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade de cagar característica em ocasiões como essa e me sentindo burro e reconhecendo, pelo menos internamente, o meu equívoco e não sabendo o que dizer para a gostosíssima que acabou de me nomear o novo gatinho do pedaço. Então pensa o seu filho da puta miserável, não deixa a peteca cair, e lembre-se para nunca falar em voz alta não deixa a peteca cair, e nunca conte pra ninguém que o seu avô te chama de fanchona, e tente evitar essas digressões e chegue logo a uma conclusão sobre o que vai dizer para essa gostosa, porque agora você é um personagem mais vivido, mais viajado, mais cheio de si, mais roludo, mais sexy... Jamais mencione que o lugar mais longínquo que você viajou foi até o Paraguai, na época em que o ministro da economia era o Rubens Ricupero e que o dólar era um por um e foi uma época muito feliz na sua vida, claro, tirando aquele episódio do dia em que você perdeu a virgindade no meio do mato e foi atacado por uma gangue de saúvas e saiu correndo no mesmo estado de histeria e pânico dos atores, que são só atores, nada mais do que isso... eu sempre falo para a minha mina não sentir medo ao assistir filmes de terror, é tudo Ketchup e atuação, menos os filmes com o Daniel Day-Lewis, eu li em algum lugar que ele, de fato, encarna o personagem, até mesmo no seu dia-a-dia, dentro de casa, com a mulher e as filhas ou os filhos ou a filha ou só o filho ou só a mulher, que eu sei que ele tem e que eu conheço, não pessoalmente, mas através dos ótimos filmes que ela realiza, o nome dela é Rebecca Miller, filha do escritor e dramaturgo Arthur Miller, que fez A Morte do Caixeiro Viajante, Focus etc, inclusive, dizem que o Daniel, não o meu amigo, o Daniel Faísca, que é gordo e não é famoso, mas o Day- Lewis, assumia no seu dia-a-dia - tipo ir para a padaria, para o supermercado, tomar uma com os camaradas -, até mesmo aquele personagem que tinha uma puta força no pé esquerdo, eu não teria coragem, nem fudendo, de fazer aquilo que ele fazia no filme, por exemplo, dentro da escola, onde eu já era zuado mesmo sendo aparentemente normal. A não ser naquele período em que eu tinha o corte de cabelo do Xororó e as garotas riam da minha cara e, lógico, o tratamento não poderia ser diferente para uma pessoa que usava um cabelo daquela espécie e... Pára, pára, pára, agora só falta eu gritar ui!, agora é sério, no more digressiones, vamos ao que interessa: “Costumo dizer para as pessoas que eu não vivo, que eu me aventuro, sou louco por adrenalina. Não gosto de ficar em casa, tenho que curtir a minha vida, viver intensamente. Só estou aqui no Guarujá porque prometi visitar os meus pais. Mas, na semana que vem, estou embarcando para Londres com uns amigos, e depois vou dar uma passada em Amsterdã e ficar muito chapado, e depois eu vou para o Chile curtir um inverno sozinho, sem ninguém, alone in the dark, desculpe, às vezes misturo os idiomas, culpa das viagens ao redor do mundo...”
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas que tanto amo e com uma cara de contrariada e que tem o lábio mais carnudo que eu vi na minha, por enquanto, tortuosa existência com pitadas de alegria efêmera e satisfação fugaz, mas eu tenho o meu amor, eu te amo, meu amor, não amo esta garota gostosa que está na minha frente virando uma cachaça pura e pedindo a porra de um canudo e começando a chupar a porra do canudo e olhando com os seus olhos verdes que te quero verdes que é a escola em que o meu priminho estuda e eu não sei mais sobre o que estou pensando, isso deve ser alguma pegadinha ou algum quadro daquele programa do Ashton Kucher, que é aquele afortunado que come a Demi Moore e ela agora solto um sorrisinho, nossa, que dentinhos lindos, branquinhos... Ah, não, já sei: deve ser uma prostituta. Meu Deus, eu sou o protótipo do cliente mais que perfeito. Lindo – tá, nem tanto -, bem sucedido eu não sou, mas o meu personagem aventureiro é. Ou seja, ela quer a minha pica e mais alguma grana e essas minas já transaram com todo mundo, com homens com as picas maiores que a do dramaturgo grego Micariontes Palaskprapanos, o fanfarrão, que habitava os sonhos de prazer da donzela Sócrates, e eu, com a minha humilde rôla - cuja inutilidade passada quase me obrigou a transformá-la em um excêntrico pingente -, com certeza irei praticar o mesmo tipo de sexo que, há uma década atrás, servia de consolo para o meu tédio eminente e cheio de espinhas que se chamava adolescência e que provavelmente deve ter sido um inferno muito maior do que a benga do Micariontes Palaskprapanos, o dramaturgo grego e fanfarrão e muso inspirador do filósofo inventor da pederastia, Sócrates: “Nossa, aventureiro, gostei. Olha, eu vou entrar na balada, mais tarde a gente se encontra, certo?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade de cagar característica em ocasiões como essa e me sentindo burro e reconhecendo, pelo menos internamente, o meu equívoco e não sabendo o que dizer para a gostosíssima que acabou de me nomear o novo gatinho do pedaço. Então pensa o seu filho da puta miserável, não deixa a peteca cair, e lembre-se para nunca falar em voz alta não deixa a peteca cair, e nunca conte pra ninguém que o seu avô te chama de fanchona, e tente evitar essas digressões e chegue logo a uma conclusão sobre o que vai dizer para essa gostosa, porque agora você é um personagem mais vivido, mais viajado, mais cheio de si, mais roludo, mais sexy... Jamais mencione que o lugar mais longínquo que você viajou foi até o Paraguai, na época em que o ministro da economia era o Rubens Ricupero e que o dólar era um por um e foi uma época muito feliz na sua vida, claro, tirando aquele episódio do dia em que você perdeu a virgindade no meio do mato e foi atacado por uma gangue de saúvas e saiu correndo no mesmo estado de histeria e pânico dos atores, que são só atores, nada mais do que isso, eu sempre falo para a minha mina não sentir medo ao assistir filmes de terror, é tudo Ketchup e atuação, menos os filmes com o Daniel Day-Lewis, eu li em algum lugar que ele, de fato, encarna o personagem, até mesmo no seu dia-a-dia, dentro de casa, com a mulher e as filhas ou os filhos ou a filha ou só o filho ou só a mulher, que eu sei que ele tem e que eu conheço, não pessoalmente, mas através dos ótimos filmes que ela realiza, o nome dela é Rebecca Miller, filha do escritor e dramaturgo Arthur Miller, que fez A Morte do Caixeiro Viajante, Focus etc, inclusive, dizem que o Daniel, não o meu amigo, o Daniel Faísca, que é gordo e não é famoso, mas o Day- Lewis, assumia no seu dia-a-dia - tipo ir para a padaria, para o supermercado, tomar uma com os camaradas -, até mesmo aquele personagem que tinha uma puta força no pé esquerdo, eu não teria coragem, nem fudendo, de fazer aquilo que ele fazia no filme, por exemplo, na escola, onde eu já era zuado mesmo sendo aparentemente normal. A não ser naquele período em que eu tinha o corte de cabelo do Xororó e as garotas riam da minha cara e, lógico, o tratamento não poderia ser diferente para uma pessoa que usava um cabelo daquela espécie e... Pára, pára, pára, agora só falta eu gritar ui!, agora é sério, no more digressiones, vamos ao que interessa. Eu sou um homem compromissado. Sempre busquei o amor. Eu chorei muito quando vi o filme Meu Primeiro Amor, no qual o Macaulay Culkin - não o Macaulay Crack, que é um conhecido meu e que tem este nome porque eu não preciso explicar e dá pra entender o porquê -, morre ao ser atacado por um enxame de abelhas assassinas e depois tem um enterro e a menina que o Macaulay tava começando a pegar e que tinha trocado o sangue com ele lá no começinho do filme e que não aceitava a antiga gostosa Jamie Lee Curtis como madrasta e que se divertia com o Macaulay andando de bike e zuando a velharada no bingo e que morava dentro de uma funerária com uma velha louca que era a sua avó e agora nem imagino aonde quero chegar com essa ladainha filha-da-puta.... ah, sei, a menininha que deu um selinho muito inocente no Macaulay, que é o mesmo muleke que fez o adorável menininho do Esqueceram de Mim e que conquistou o mundo e que estrelou, também, só que mais velho, e casado e mais drogado e com a carreira em baixa – não com a carreira da poeira, essa tava em alta -, o clipe do Sonic Youth, da música Sunday, que é música de bom gosto – bom gosto é o gosto de quem gosta de alguma coisa -, e que é dirigido pelo multifacetado artista chamado Harmony Korine, que é o mesmo cara que escreveu o roteiro do filme Kids, que é aquele filme polêmico que conta a história de um grupo de jovens skatistas e meninas vadias e loucas da cidade de Nova Iorque que ficam se drogando, andando de skate, transando sem camisinha, sem envolvendo em treta, dirigido pelo fotógrafo e velhote descolado chamado Larry Clark, que é o cara que, em 1971, lançou um livro de fotografias chamado Tulsa , que retratava o cotidiano dos viciados em heroína da cidade Tulsa e que influenciou o Martin Scorcese a fazer Táxi Driver e que influenciou o Francis Ford Coppola a fazer O Selvagem da Motocicleta e que influenciou o mundo da moda nos anos 80 com a tendência Heroin Chic, que quer dizer Heroína Chique, e a heroína é uma droga que te deixa alucinado e que serviu como tema do filme Transpotting, que é um filme escocês e que foi lançado um ano depois de Kids e foi considerado a resposta européia para Kids, e que, na verdade, é uma adaptação do livro Transpotting, do escritor escocês Irvine Welsh, que aparece no filme vendendo dois supositórios para o personagem principal que é o também escocês Ewan Mcgregor, que é o mesmo rapazote que estrelou Moulin Rouge com a Nicole Kidman, e que antes do Trainspotting havia feito Cova Rasa, que é um filme muito legal e que foi dirigido pelo mesmo diretor de Trainspotting, que é o Danny Boyle, que dirigiu também o Extermínio, que é um filme que mostra a cidade de Londres sendo tomada por zumbis e os zumbis saem perseguindo as pessoas que ainda não se tornaram zumbis e as pessoas que ainda não se tornaram zumbis saem correndo pelas ruas de Londres da mesma forma que eu corri da gangue de saúvas no triste episódio da perda da minha virgindade: “Certo.”

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

IIIIIIIIIII exemplos desvairados do comportamento do cidadão empanturrado de ilusões perniciosas nas salas de cinema


U1M - A falta de ingenuidade é o modo mais preciso para se manter intacta a covardia que sintetiza o presunçoso sábio estabelecido.
DO2IS - Os asquerosos com asco de ingenuidade estão se preparando na fila da pipoca para desgraçar mais uma sessão de cinema que diz muito pra você e tão pouco pra eles.
TR3ÊS - Sentar na frente tornou-se regra circunstancial enquanto ser o primeiro da fila no ginásio pré-canto do hino nacional era o fim da carreira Pop sob os olhares daqueles que sempre foram os últimos da fila e, quinze anos depois, os primeiros mais bem remunerados em empregos onde a criatividade era o último requisito.
QUA4TRO - Leituras à parte, a deles não é e nem será a sua.
CI5NCO - Os responsáveis por monitorar a classificação indicativa (DEZE16SSEIS) são tão 171 e racionais que compreendem que os de QUAT14ORZE não verão sobretudo no verão longos longas reservados aos péssimos exemplares adultos que mesmo plastificados por súditos de Pitanguy tentam de todos os modos se igualar à frenética instabilidade púbere que arrotará de olhos fechados semicerrando de cólera os olhos interessadamente descortinados de emoção dos ingênuos sem meia-entrada.
SE6IS - “Legenda que cansa” é a legenda dos sem legenda que se pudessem dublariam a própria voz.
SE7TE - Os raros vaga-lumes existem aos montes em qualquer sala escura repleta de gente que se sente tão em casa que esquece que não está em casa – muito menos com razão em razão dos guinchos emitidos pelos vaga-lumes pré-pagos, sem crédito, sem limite, no limite...
OI8TO - O anti-cinéfilo esbelto com barriga de cerveja aconselha ao cinéfilo profissional travestido de homem e desconfortavelmente vestido em um sutil estrangulamento de gola olímpica: Criticar é o talento de reconhecer a si mesmo muito além do espelho.
NO9VE - A antipatia movida pela insuportável presunção telepática convertida em comentário em voz alta pelo tropel que assume o papel do ubíquo retarda(do)tário armado pelo esganiçado tom temperado com manteiga cremosa que por meio da prosa prosaica julga-se capaz de alterar o destino fatal do personagem principal.
D10EZ - Disparos mal empregados na carne de meia dúzia de mal educados incrédulos quanto à possibilidade de fomentarem a fúria alheia que agora jazem lacrados sem uma centelha de luz porém revigorados ao serem considerados pelos comuns como tristes vítimas da barbárie social perpetrada, excepcionalmente neste caso, pela mente impaciente do incipiente estudante de medicina que contrariou a sina do médico de somente fazer renascer da morte a chama dos afogados costumeiramente inadimplentes que não perdem a pose ao posarem frente a seus veículos importados que alimentam a sapiência do quão ridículas são as suas atitudes ao pousarem na superfície desnivelada das prestações que se acumulam, nas orgias arrivistas que os envolvem desde os tempos em que já se imaginavam adultos e livres dos sonhos tão característicos no cotidiano dos ingênuos sonhadores que tateiam muita vezes o vazio no vórtice a que chamamos de vida.
ON11ZE - Minha avó morreu, meu time perdeu, mas eu não chorei. Meu nome é Leonardo Marques, não pago de moderno, não uso Nextel, e esse é um pedaço da minha vida, não posso dizer que é um pedaço do meu mundo, porque se Deus acha que estou satisfeito com esse mundo, ele só pode estar chapado de ácido. Entretanto, se ele estivesse chapado de ácido, o mundo não seria essa bosta insignificante.

Gomorra – parte 2

O filme Gomorra, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e baseado no livro homônimo do escritor italiano Roberto Saviano, utilizou no Brasil a seguinte “frase para atrair otário”, ou seja, o slogan: “O Cidade de Deus italiano”. Contrariando a política do slogan, baseada na falácia criada por gente demente, a comparação, involuntariamente induzindo ao erro o escriba subjugado pelo dinheiro, resume com maestria o que é o filme - permita-me o contra-slogan: “O Cidade de Deus brasileiro é muito melhor”. Os especialistas tupiniquins em cinema, gente que cheira vinho antes de tomar e toma no cu sem nem sequer perguntar, aprovou o longa impalpável com os característicos adjetivos compostos por mensagens subliminares encimadas pelas tão temidas estrelinhas que antes atribuíam mérito e demérito ao comportamento das sempre borradas crianças no jardim de infância. Sérgio Rizo, da Folha de S.Paulo, escreveu: “Crime e suas convicções em estado bruto”. Tradução quase próxima da exatidão temporal: “Crime e suas convicções em estado tão bruto quanto um show do Tihuana”. Pedro Butcher, da Folha de S.Paulo, escreveu: “Máfia nua e crua”. Tradução quase simultânea: “Máfia nua e crua. Nua como a Martha, ex jogadora da seleção brasileira de basquete, em uma edição da Playboy na década de 90; saborosamente crua tal como um macarrão cru”. Inácio Araújo, também da Folha de S.Paulo, escreveu: “A Itália ressurge com força!”. Tecla Sap: “A Itália ressurge com força, tão forte que às vezes até dói”. Faço aqui o meu julgamento, e quem lê aqui o que escrevo espero que confie em mim, se não nada.
Quem já leu o livro (indicado neste blog como um ótimo presente de natal) e não viu o filme, esqueça o filme.
Quem viu o filme e ainda não leu o livro, leia o livro.
Quem já leu o livro e viu o filme, sabe bem do que estou falando.
Quem já leu o livro e viu o filme e não “sabe bem do que estou falando”, não leu o livro.

Shake Bong, Bong, Shake Bong, Bong

Coitado do Michael. Phelps. Foi traído pelo inimigo, porque aquilo não é amigo, amigo bafora junto, que filmou o “campeão” fumando da planta que assaltante de banco não faz usufruto na hora do expediente. Cagou geral. A hipocrisia é tanta que até jornalista deu pra criticar a atitude do cara, como se jornalista fosse exemplo máximo de comportamento politicamente correto. E politicamente correto não fosse exemplo máximo de comportamento de político. E político não fosse símbolo máximo de hipocrisia. E hipocrisia não fosse a característica máxima de jornalista cocainômano.

Déjà vu bumerangue

Há dez anos atrás, ou mais, o meu vizinho Marcelo, o popular Teo, antes de ficar louco, e depois de pegar a Carolzinha, fato que causou incredulidade e fúria por parte dos outros punheteiros da rua, emprestou uma VHS do Show do Bob Marley para um cara chamado Brodey – desconfio que lá na terra onde fora criado, na Paraíba, pensaram em chamá-lo de brother, mas não sabiam que brodey não é brother. Meses depois, faminto pela saudade que a falta da voz de Bob Marley provoca enquanto transcorre o ritual da chapação, Marcelo foi buscar sua VHS, com um visível traço de impaciência revelado pelo punho esquerdo cerrado tal como um cofre de uma eminente família judia, na casa de Brodey (será que não pensaram na Broadway?). Chegando lá, tocou a campainha, ou não tinha campainha?, que seja, bateu palmas, gritou o nome de Brodey, até que ele apareceu, como, eu não sei, eu não estava lá, só me contaram a história, aí Marcelo disse, Fala, Brodey, beleza? Brothey respondeu, Fala, Marcelo, beleza? Marcelo prosseguiu, Fala, Brodey, beleza? Brodey abraçou a causa, Fala, Marcelo, beleza? E depois de meia hora nessa troca de gentilezas estúpida, Marcelo finalmente fez o seu pedido, Brodey, tu pode devolver a minha fita do Bob? Ao que Brodey respondeu, Claro, cara, peraí. Depois de cinco minutos, Brodey voltou e disse, Taí, cara, entregue. Marcelo agradeceu, Pô, cara, valeu, estava com saudades desta fita, e emendou, E aí, curtiu a fita? Então Brodey continuou o diálogo, Porra, cara, Bob Marley é foda, né, o cara é o mestre. Para dar um fim na conversa, longe de imaginar o que viria a seguir, Marcelo disse, Pode crer, Brodey, pena que ele morreu. Brodey, branco com o comentário, branco como o Abedi Pelé, soltou essa: Bob Marley Morreu?
Usei essa história babaca apenas para fazer uma analogia de uma situação que ocorreu no último sábado, dia 7 de fevereiro. Estava deliciosamente refestelado na minha cadeira de praia reclinável, sob um sol de quarenta graus, lendo a Folha de S.Paulo, costumeiramente contrariado com o universo e com as pessoas que escrevem sobre o universo, prestes a jogar todas aquelas folhas que sujam os dedos pro alto, quando me deparei com uma informação que me deixou tão espantado, ou mais, ou menos, sei lá, quanto o desafortunado Brodey: David Foster Wallace morreu, e no ano passado, e eu nem sabia - todo mundo tem o dia de Brodey que merece.





segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Futebol em família


(João Marques: da esquerda para a direita, o terceiro no grupo dos agachados.)
(Xaxá: da esquerda para a direita, o primeiro da patota dos acocorados – perceba que Freddie Mercury está acariciando as rechonchudas coxas de Xaxá.)

João Marques nasceu em São Paulo, ama a cidade de Santos, torcia para o Corinthians na época do “faz me rir” – período em que o Timão ficou onze anos sem ganhar do time da Vila, culpa do Edson -, porém, quarenta e três anos depois, estranhamente, na era Telê, começou a torcer pelo São Paulo. “O São Paulo é time de primeiro mundo, que estrutura, que organização”, diz João, meu pai, que, após 10 anos carregando no peito a alma alvinegra maloqueira, quatorze anos sentindo a morte do seu joelho direito ao desfilar pelos campos enlameados como profissional da bola na década de 70, resolveu, juntamente com a esposa, também conhecida aqui em casa como mamãe, montar uma academia de ballet e fazer da arte, não da bola, mas da sapatilha, a principal fonte de sustento da família. (Talvez seja por esse motivo que tenha se tornado são paulino.)
Maximiliano Rodrigues Lopes, apesar do nome, não é argentino, longe disso, é brasileiro da cidade de Guarujá. Antes de ser gordo assumido, e ser chamado de tio por mim, foi um grande, mesmo tendo cerca de 1,68 (nem ele sabe exatamente quanto tem de altura), jogador de soccer brasileiro. Santista de coração, com problemas de coração por culpa do excesso de comida e apreciador inveterado de coração de frango servido nas churrascarias de todo o Brasil, Xaxá, vulgo que serve como uma piorada e engraçada camuflagem para esconder o ridículo nome, atualmente dá aulas de futebol brasileiro para crianças americanas em Redondo Beach, Califórnia, Tio Sam, Planeta Terra.
Os dois se encontraram pela primeira vez em 1971, quando jogavam juntos pela Portuguesa Santista. João na posição de centroavante matador. De torcida. E Xaxá atuando pela ponta direita - embora até hoje ainda sinta dificuldades para saber qual dos lados é o direito e o esquerdo. Um ano depois, João conheceu a irmã de Xaxá, Eliana, e no dia sete do sete de 1977 às sete horas da noite o casal resolveu trocar alianças (não o meu pai e o meu tio, eles são hetero, mas a minha mãe e o meu pai).
Por mais que o destino de ambos tenha convergido para o mesmo caminho diversas vezes, a carreira futebolística dos dois possui uma notória discrepância quando o assunto entra no âmbito das conquistas. O auge da carreira de João Marques foi a conquista do Campeonato Paranaense de 1977 pelo Grêmio de Maringá – time que troca mais de nome que o rapper Puffy Dady. A final dramática foi contra o Coritiba, no Couto Pereira, e a lembrança mais vívida e dolorosa que João tem desta partida aconteceu aos dez minutos do primeiro tempo, quando tomou um chute bem no meio do saco, o que não intimidou João, que resistiu até o término do jogo de forma heróica e com uma avaria irreversível e risível no testículo esquerdo: amassou o coitado. Além de ficar de molho durante quinze dias sem poder levantar da cama tamanho inchaço inclemente que pulsava nas partes baixas, João conviveu com uma dúvida terrível durante os 1.460 dias que sucederam o fato: esse incidente o tornaria um ser infecundo?
Contudo, em 1981, eu nasci. Ou será que fui adotado?
Em contrapartida, Xaxá foi um dos personagens da fatídica e histórica disputa de pênaltis que acabou com a divisão do caneco entre a Portuguesa – título até hoje comemorado euforicamente pela comunidade lusitana, do mesmo modo que Roberto Leal ainda canta euforicamente o seu único sucesso composto no século 19 – e o Santos, devido a um erro crasso de contagem do árbitro Armando Marques.
Xaxá não prestou serviços futebolísticos somente no Brasil, teve sim uma passagem pelo futebol europeu, defendendo o Espinho (quem?) de Portugal. O mais próximo que João chegou de jogar fora do país foi quando fez embaixadinhas na frente de uma loja de bugigangas eletrônicas na Ciudad Del Este, no Paraguai. Na ocasião, participava – quase sempre bêbado - de uma excursão com um grupo de amigos e familiares consumistas no ano de 1994 - período em que o Real valia a mesma coisa que o Dólar.
Nos papos que tenho regularmente com essas figuras sobre futebol, os encho quase sempre com as mesmas perguntas de comparação que põe frente a frente os craques do passado com os pseudo-craques do presente.
João diz que o seu estilo de jogar futebol era muito parecido com o do sempre rápido e frágil Nilmar. Já Xaxá se compara a David Beckham, não pelo futebol, mas sim pela beleza.
Estes dois tiozinhos fustigados pelo tempo me viram crescer da mesma forma que a paixão avassaladora pelo futebol cresceu dentro de mim: graças a eles. Meu pai não colecionou muitas glórias como o meu tio, mas está inundado até o nariz de histórias inusitadas que só o universo do futebol e ele conseguem proporcionar. (Por exemplo, conseguiu ser expulso antes de começar uma partida, e deve ser o único ex-jogador de futebol do mundo proprietário de uma academia de ballet.)
Enfim, poucas pessoas têm a chance de ter um familiar boleiro. Eu não tenho um, mas dois familiares boleiros. O que faz de mim um ser mais feliz e cheio de histórias para dividir com quem quer que seja. Até mesmo com vocês.






segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A fúria da solidão pela arte


Transformar a dor em alívio. Nem sempre o negrume se dissipa a ponto de avistarmos a nuança mais recôndita e viçosa dos nossos olhos. Ele se avoluma. Às vezes não há classificação. O que resta é a tentativa de atinar os números no escuro. Não é pra qualquer um. Não se trata de sorte. Mas de talento. Único.

Daniel Johnston é um caso sério de talento inexplicável. Na infância, desenhava Gasparzinhos musculosos, Super-Homens desfigurados e faunos decapitados. A câmera super-8 da família documentava o ódio familiar visto pelo olhar do artista. A puberdade trouxe os Beatles e anunciou o início do fim da sanidade. O piano massacrado pelo desuso no porão suburbano tornou-se a principal arma para a alma atormentada de um jovem que irá enlouquecer muito mais nas próximas linhas. Na escola, ficou conhecido como louco. Na faculdade, longe da família, experimentou a primeira droga: o amor não correspondido.
As constantes dores no braço esquerdo denunciavam os primeiros sintomas de um maníaco-depressivo. Abandonou a faculdade. Foi “quase” expulso de casa. Os pais ultra-religiosos não entendiam o porquê de ele não querer ser uma pessoa normal, arranjar um trabalho e morrer com condescendência. A paixão avassaladora foi extravasada por meio de composições. Piano, vocal peculiarmente desafinado, percussão digna de um ritual tribal promovido por uma tribo infantil com tendências canibais e letras tórridas nonsense.
No início dos anos 80, agora morando na casa do irmão mais velho, na companhia de um teclado rudimentar e um gravador portátil, começou a gravar as primeiras músicas. Ao ouvir a fita, o irmão o julgou sem talento e pediu educadamente que fizesse as malas. A irmã o acolheu. Ficou fascinado pelas luzes e pela alegria que o parque de diversões nas cercanias do novo lar propiciava ao seu tão desacreditado coração. Conseguiu emprego, comprou uma mobilete e fugiu acompanhando a vida nômade dos funcionários do parque. Em Austin, Texas, foi deixado pra trás e resolveu adotar a cidade como reduto para a criação artística. Continuava a compor, a gravar e a desenhar diabos extraterrestres com luvas de boxe. Rapidamente se embrenhou na promissora cultura alternativa da cidade. Assalariado do Mc Donald’s, alugou um minúsculo apartamento e se afundou nas entranhas da mente para arrancar o máximo de si.
Hi, How Are You é o mais célebre registro de sua carreira. Na época, quando perguntado sobre o processo de gravação, Daniel respondeu, “estava tendo um colapso nervoso ao gravar essas músicas”. Lançado em formato K7, em 1983, a obra teve uma repercussão estrondosa tanto no cenário underground como no mainstream texano, culminando em constantes apresentações em ginásios e clubes, aparições na MTV, em revistas especializadas, contrato com um empresário, alguns fãs e uma meteórica namorada que, meses depois, o deixou ao concluir que se relacionava com um ser de outra dimensão.
Nesse período, experimentou a segunda droga: o ácido. E a loucura veio à tona. Irreprimível. Conjeturou que estava possuído pelo diabo. Que devia se matar para acabar com a besta que tomava conta do seu corpo. Quase matou o empresário - ao golpeá-lo na cabeça com um porrete de ferro. Ficou preso por 24 horas. Depois solto. Regressou à casa dos pais. Começou a tomar remédios para aplacar a loucura. Não conseguia mais compor. Só comia e dormia. Engordou demais. Um ano depois, retornou aos palcos. Os shows eram um misto de música e discurso fanático religioso.
No início dos anos 90, depois de se apresentar para mais de dez mil pessoas num festival em Austin, arrancou a chave da ignição do avião de pequeno porte que o levava de volta para casa, obrigando o piloto, que era simplesmente o seu pai, a fazer um pouso forçado sobre algumas árvores. O motivo para o desatino: ele queria voar como Gasparzinho, O Fantasminha Camarada. O incidente não fez vítimas. Só destruiu o avião.
A inevitabilidade o levou ao hospício. Os medicamentos – lítio, ácido valpróico, olanzapina -, a um estreitamento na relação de tolerância e descontrole absoluto com o capeta que dormitava dentro de si. Em 1993, Kurt Cobain, até então líder do Nirvana, a grande banda do momento, apareceu em uma premiação musical transmitida pela televisão vestindo uma camiseta adornada com os seguintes dizeres: “Hi, How Are You, Daniel Johnston”.
Rapidamente a imprensa perguntava: quem é Daniel Johnston? Os fãs do Nirvana se questionavam: como não sabemos quem é Daniel Johnston? Kurt Cobain respondia: “o maior gênio vivo da música americana!”.
Um frenesi tomou conta dos yuppies da indústria musical. A Elektra Records fez uma proposta milionária para assinar contrato com o visionário trancafiado no hospício. A gigante Atlantic Records dobrou o valor oferecido pela rival. Daniel ficou com a segunda opção. Para ele, a Elektra tinha vindo a mando do demônio. Então, em 1994, Fun, primeiro registro por uma grande gravadora, veio à luz. E o resto é história.
Atualmente, próximo de completar 48 anos de idade (aniversaria na próxima quinta-feira, dia 22 de janeiro), com vinte discos lançados, recorrentes turnês ao redor do mundo e ainda vivendo sob o mesmo teto dos pais, Daniel Johnston é considerado um dos maiores compositores da história da música americana moderna. No hall de admiradores da sua obra, estão nomes como Beck, R.E.M, Matt Groening, criador dos Simpsons, Yo La Tengo, Sonic Youth, Tom Waits, Pearl Jam, Paul McCartney etc. Seus desenhos tresloucados e estranhamente infantis são disputadíssimos em exposições na Europa e nos Estados Unidos. Em 2006, The Devil and Daniel Johnston, documentário que conta a trajetória do controverso artista, foi premiado no Festival de Sundance, convertendo o solitário incompreendido em mito.



segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Cloaca PO(bre ou dre)P #4


Por Favor, Parem de Idealizar a Morte dos Seus Ídolos!
Quem?
Kurt Cobain.
Como? foi encontrado morto em sua casa com um tiro no queixo.
Quando? 1994
O que disseram? “suicídio”; “a mulher dele o matou, aquela vaca pretensiosa!”; “morreu porque não agüentava mais o mundo no qual vivia”; “ele era muito puro em comparação a toda sordidez à sua volta”; “cretino, por que se foi, deixa eu ir junto”; “apaga-se a única estrela remanescente do verdadeiro rock”; “ daqui pra frente, tudo o que for bom no rock será classificado como o novo Nirvana”; “só Kafka faria uma letra como Smells Like Teen Spirit”; “eu tava naquele show do Nirvana no Rio, é, eu tava sim”; “Gus Van Sant é um mentiroso”; “olha só, eu nem sabia que a banda Mutantes era brasileira”.
O que realmente aconteceu: Kurt Cobain se matou, vejam bem, Se Matou, porque estava sempre mais do que nunca a todo momento Doidão. Muito louco. Noiado. Pêgo. Sorumbático. Bem mais pra lá do que pra cá. Todo borrado. Fodido. Quando ele escreveu Smells Like Teen Spirit, ele estava... diz aí Krist Novoselic: “Doidon”. É mesmo, Dave Grohl: “Muita Louco”. Pat Smear, dê a sua opinião, só a opinião: “ai, bicha, o diabão loiro tava é muito do Pêgo. Thurston Moore, hora de falar no gravador: “Sorumbum... Soram... Sorumbátoco”. Fala aí, Meat Puppets, os dois devem essa ao finado: “Bem mais lá do cá”. Daniel Johnston, por favor, o cara te tirou do hospício: “a besta, 666, a besta o deixou Todo Bolrrrrrado”. Courtney Love, vai que é sua: FODIDO!
Pergunta sem resposta: A morte mistifica e superestima aqueles que provavelmente não seriam grande coisa se morressem aos 79 dormindo em paz?
Contra pergunta sem resposta: O que seria de Johnny Depp se tivesse morrido no período em que atuava em Anjos da Lei?

Quem? Papai Noel.
Como? Há sérias dúvidas até mesmo quanto à veracidade da sua existência.
Quando? Uns acreditam que tenha aparecido no momento em que Jesus Cristo abriu os olhos e disse “Nhé”. Outros entendem que Santa Claus surgiu a partir da fundação da Coca-Cola. Os judeus não acreditam em porra nehuma!
O que disseram? “Papai Noel não existe!”; “Mentira, Papai Noel existe sim!”; “Papai Noel não existe!”; “Mentira, Papai Noel existe sim!”; “Papai Noel não existe!”; “É, ele não existe”; “O verdadeiro Papai Noel é o Papai Noel negro”; “Ele é tão mágico que consegue com aquele corpanzil passar pelas mais exíguas chaminés”; “Tio?”; “Papai Noel cantou até Creedence Clearwater Revival no natal de 96 na casa da vó Plinia”; “Uau, um Atari!”; “Mãe, mais uma vez eu não fui um bom menino. Papai Noel nunca vem à Somália”; “O filho da puta errou a cor da minha bicicleta”.
O que realmente aconteceu? Em todos os anos, nos mais longínquos ambientes, em diferentes horários, utilizando diversos meios de transporte, Papai Noel sempre aparece à meia-noite do dia 25 de dezembro. No Japão, ele é japonês. Na Itália, ele é mafioso. Na casa do Celso Martinez, ele pode estar pelado ou sendo enrabado ou enrabando uma árvore ou de batom roxo. Na casa do Paulo, meu vizinho, ele está desmaiado de tão bêbado. Na casa do meu avô Osmar, ele foi superado pelo dominó. Na minha casa, ele está suando como um porco.

Quem? Elvis Presley.
Quando? 16 de agosto de 1977.
Como? Colapso fulminante associado à disfunção cardíaca.
O que disseram? “Elvis não morreu”; “Elvis morreu, mas ressuscitou, como o Corinthians”; “Elvis está em Moçoró”; “Eu sou Elvis Presley”; “Eu sou Elvis Presley”; “Eu sou Elvis Presley”; “Meu cunhado disse que o motoboy lá da empresa dele é o Elvis Presley”; “Ele parece o Elvis, mas a voz não tem nada a ver”; “Elvis não morreu, ele tá na igreja. Senta aí, toma uma breja”; “Elvis Presley tá com um carrinho de pastel lá na frente da facú”; “Elvis é aquele com os dread que cantava ‘não, não chore mais?’”; “Lisa, chama o moço da funerária, o caixão não fecha de jeito nenhum”; “Pergunta pra Priscilla Presley, o Elvis Presley é o Leslie Nielsen, tô falando sério”; “Qual é a ‘faixa etária’ de preço destes cd’s do rei do rock?”.
O que realmente aconteceu? Sem o preconceito o sarro nunca existiria. Pensem nisso.


Por favor, vá ser padeiro!
Ouvir de cidadãos talentosos a queixa de que a vida de rockstar bem-sucedido é difícil me exaspera profundamente. As faíscas de empáfia forçada cuspidas por este tipo de declaração me forçam a pensar duas vezes se quero ou não ouvir o que esses caras têm a dizer como pessoas normais. E se engana quem pensa que estou me referindo às súplicas de Elton John ao seu empresário para fazê-lo de algum modo extraterreno parar o barulho do vento que não o deixa dormir. O buraco é menos fundo. As estrelas andam de chinelo. Um deles até pega a Mallu Magalhães. Há alguns anos atrás, a trupe de Marcelo Camelo e Amarante, na época do lançamento do segundo disco, Bloco do Eu Sozinho, após a overdose de Ana Júlia e da achincalhação promovida pela imprensa “quero dormir abraçado com o meu vinil importado do Meat Is Murder”, participou de um programa na MTV, quando a MTV ainda tinha alguma coisa de MTV, chamado MTV na Estrada, no qual uma equipe acompanhava o dia-a-dia da turnê do Los Hermanos por diversos estados do Brasil.
Em todas as etapas da cobertura, no ônibus, nos restaurantes, nas infatigáveis babações de ovo dos fãs, nos quartos dos hotéis, nas festas pós-show, sobretudo nos momentos cara a cara com o olhar indagador da câmera, isso sem contar nas horas em que ‘possivelmente’ eles não sabiam que estavam sendo filmados, o que se via era a crispada feição do falsificado “saco cheio”, muito influenciada pela invenção da televisão, pelo surgimento do fã, pelo inexplicável valor do autógrafo, pela existência de Andy Warhol, pela espécie que, além de não ter dormido, considera Brown Bunny um dos melhores filmes da história.
“Não agüento mais fazer turnê.” “Ser reconhecido cansa.” “Trocaria o meu sucesso por dois meses de tranqüilidade.” “Viver por seis meses em um ônibus cinco estrelas, comendo a mulher que eu quero, fazendo o que eu (provavelmente) gosto, tocando sempre com casa cheia, ser elogiado por personalidades que sempre admirei, é cruel.” Então vá ser padeiro, caralho! Monta uma banca de bambu e vende banana na estrada. Que tal ser caixa de supermercado nos dias que antecedem o reveillon. Enfermeiro de guerra. Catador de lixo. Comedor de lixo. Comedor de lixo com AIDS. Amputado que trabalha em telemarketing. Repórter de rua. Escoteiro na Faixa de Gaza. Cléber Bambam. Estuprador de criança. Pai de criança estuprada por estuprador. Professor de filosofia em escola pública. Formado em Estudos Sociais. Amante do Fernando Vannucci. A mítica voz que anuncia a pamonha caseira e o delicioso sorvete de milho verde. Amigo particular de Fernanda Young. Benito de Paula. Faz que nem a Enya, grava disco e não faz turnê. Fica parado em alguma esquina, sob o sol de quarenta graus, segurando uma bandeira de alguma construtora, ou de algum candidato a vereador, das 6 às 18, inclusive aos sábados, quiçá aos domingos, por dez reais diários. Proprietário de sebo de livros em Lorena. Dono de bar em Lorena – o único lugar do mundo onde os bares e os taxistas dormem mais cedo que as igrejas. Prostituta de cais. Ghost Writer. Jornalista que passa o dia todo na rua e é congratulado com o crédito de ‘reportagem local’. Locutor de porta de loja na 25 de março. Empurrador de carro alegórico. Faxineiro de matadouro. Playboy fã de Racionais Mc’s. Empresário do Trio Los Angeles. Funcionário do Mc Donald’s que trabalha em pleno Natal. Pokémon que vende raspadinha na praia. Dono de escola de balé em Guarujá. Organizador da fila da balsa. Funcionário da Chilli Beans – escravidão ainda é crime, mesmo que não se faça nada para mudar a situação. Malabarista de semáforo que não acerta uma. Empacotador de supermercado. Empacotador de supermercado com hemorróida. Leitor de crítica de cinema. Diabético que sonha em se tornar atleta. Ilegal na Espanha. Cérebro de Dado Dolabella. Vítima da Camorra. Hippie caixa-baixa. Frentista de posto que adultera gasolina. Refém. O carinha que recebe o dinheiro no pedágio. Fã da Barbra Streisand. Turista em Aparecida do Norte. Kiko Zambianchi. Alguém que paga duzentos reais para ir ao show da Ana Carolina com o Seu Jorge. Matt Sharp, ex-baixista do Weezer e ex-líder do The Rentals, que depois de perder cinco processos contra Rivers Cuomo, gênio camuflado do Weezer e também mais uma prima-dona insatisfeita em ter o seu nome mencionado ao redutor título de estrela do rock, divorciou-se da música e passa os seus curtos dias cuidando de um cavalo em uma cidade do interior dos Estados Unidos (isso sim é atitude).
Portanto, se nenhuma das alternativas digitadas apetecem o seu sentimento de mudança, caro rockstar enfastiado e todos os fãs que acham o máximo cada peidinho que você dá, então enfia todos os dedos no cu e rasga.

QVAQALV(Quando você acha que acabou lá vem): O que é o que é, que é mulher e era professora de Educação Física na década de 80?
Resposta: Sapatão.