segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pesadelo em Limeira - O dia em que a esperança morreu logo na chegada - Parte 6


A história de um breve romance indie cheio de putaria grudenta - parte 4

O Sábado de 2004 – 17:52

Eu: Alô?

Rocambole: Por favor, o Leonardo está?

Eu: Peraí, vou chamar ele, o... sou eu, caralho, quem é?

Rocambole: É o Rocambole, porra!

Eu: Fala, obeso, qualé?

Rocambole: Tá com a voz diferentona.

Eu: É, eu tava... chupando um pau.

Rocambole: Pode crê, ô, se liga, onde tu tá?

Eu: Pescando.

Rocambole: Sério?

Eu: Claro que não, porra, to em casa, tu ligou pra minha casa.

Rocambole: Eita, eu pensei que tinha ligado pro teu celular.

Eu: Eu não tenho celular.

Rocambole: Não?

Eu: Não. Se liga, Rocambole, tem certeza que é comigo memo que tu qué falá?

Rocambole: É sim, porra, mó doidera... Se liga, o que tu vai fazer hoje?

Eu: Redundância.

Rocambole: To ligado... O que é isso?

Eu: Redundância.

Rocambole: Sei... mas o que é isso?

Eu: Redundância.

Rocambole: O que é isso?

Eu: Isso

Rocambole: O quê, porra?

Eu: Repetição. A mesma coisa de sempre. Ou seja, merda nenhuma. Não vou tocar em nenhum peitinho. Não vou comer nenhuma bucetinha. Não vou sequer conseguir um selinho safado. Mas vou fazer tudo isso na punheta, sem selinho, eu quero um puta beijão, deixa eu ver... daqui a nove minutos.

Rocambole: Ô, então, vamo pra balada?

Eu: Eu não vo nem fudendo à Lucky Scope.

Rocambole: Não é na Lucky Scope, caralho, é em Santos.

Eu: Qual vai se?

Rocambole: Tá ligado o meu trampo?

Eu: Deixa eu pensá... Não!

Rocambole: Vai rolá uma festa do meu trampo na Breezy e vai rolá vipeira pra nós.

Eu: Na faixa?

Rocambole: 20 mango de consuma + camarote.

Eu: To dentro.

Rocambole: Beleza.

Eu: Liga pro resto da molecada.

Rocambole: Vo ligá agora, pode deixá.

Eu: Que horas tu vai passá aqui?

Rocambole: Umas 21:30.

Eu: Beleza, 22:30. Falow.

Rocambole: Falow.


18:01

Nestor: Alô?

Rocambole: Por favor, o Nestor está?

Nestor: Sou eu.

Rocambole: Fala, danadinho, se liga, vamo pra balada?

Nestor: Quem é que tá falando?

Rocambole: É o Rocambole, caralho.

Nestor: Eba.

Rocambole: Hahahaha... ô, vamo pra balada?

Nestor: Não.

Rocambole: Não é na Lucky Scope não, caralho.

Nestor: Não.

Rocambole: Na Breezy, só vinte de consuma e camarote.

Nestor: Não.


18:07

Telmo: Alô?

Rocambole: O Telmo está?

Telmo: Quem é?

Rocambole: É o Rocambole.

Telmo: Fala, gordinha, e aí?

Rocambole: Tudo beleza. Ô, então...

Telmo: Se liga, Rocambole, tu já jogou Silent Hill 3?

Rocambole: Puta, cara, ainda não, por que, tu já jogou?

Telmo: Eu comprei.

Rocambole: Caralho! Sério?

Telmo: É muito foda!

Rocambole: Eu li a resenha na Game Power, a parada parece assustadora.

Telmo: É sinistro, Rocambole.

Rocambole: Pode crê.

Telmo: É...

Rocambole: É...

Telmo: Ô, tu viu o trailer do filme do Dragon Ball?

Rocambole: Puta, eu vi, mó bosta!

Telmo: Mó lixo, nem vou vê.

Rocambole: Nem eu.

Telmo: É...

Rocambole: É...

Telmo: Pode crê.

Rocambole: É... ô, tu viu que a Bandeirantes vai passá todos os episódio do Cavaleiros do Zodíaco?

Telmo: Nãaaaao?

Rocambole: De segunda a sexta às 13:00 hs.

Telmo: Caralho, vo dá o cano no trampo.

Rocambole: É foda que é na hora do almoço.

Telmo: Caralho, come enquanto assisti à televisão.

Rocambole: É foda, ou eu como ou assisto à parada. Eu não consigo me concentrar nas duas coisas.

Telmo: Entendi.

Rocambole: É...

Telmo: É...

Rocambole: Caralho, eu te contei que eu comprei uns bonequinho do Matrix?

Telmo: É memo? Iraaado!

Rocambole: Ô, o bagulho é igualzinho.

Telmo: To pensando em comprá uns G.I.Joe.

Rocambole: Porra, dá hora. Se liga, tu não tinha uma pá?

Telmo: Então, quando eu cresci, minha mãe doou pra creche.

Rocambole: Nooossa, mó mancada...

Telmo: É, então, mas eu nem brincava mais com us bagulho, se eu soubesse que ia gostá dessas parada depois de velho, eu teria guardado.

Rocambole: É real.

Telmo: É...

Rocambole: É...

Telmo: Se liga, Rocambole, eu to fazendo um trampo aqui no computador e vo te que desligá...

Rocambole: Ah, beleza, muleke.

Telmo: Depois a gente se tromba por aí.

Rocambole: Beleza. Falow, muleke.

Telmo: Falow.


18:15

Telmo: Alô?

Rocambole: Telmo?

Telmo: Sou eu.

Rocambole: Sou eu de novo, caralho, o Rocambole.

Telmo: Fala, bicho.

Rocambole: Porra, eu liguei pra tu e acabei não falando o que queria.

Telmo: Tu é foda.

Rocambole: Ô, vamo pra balada?

Telmo: Puta, muleke, eu nem to a fim de i pra Lucky Scope.

Rocambole: Nem é a Lucky Scope, porra, vamo pra Breezy, vinte de consuma e camarote.

Telmo: Então... se pá, eu vou. Eu tenho que esperá o meu pai chegá em casa pra jantá. Depois eu vo levá a minha irmã lá numa festa na Enseada. Aí eu tenho que fazê uma parada no computador pra marcá um esquema pro meu avô. Depois eu vo comprá um queijo pro meu pai, aí eu vo... tá ligado a Jose?

Rocambole: Aquela mulhé que parece o Gene Simmons?

Telmo: Ela memo, então, eu vo te que deixá uns três saco de cimento lá na casa dela pra depois pegá a cachorra e...

Rocambole: Tu não vai, né?

Telmo: Então, acho que vai se meio difícil. Se pá...

Rocambole: Falow, Muleke.

Telmo: Falow.


18:21

Rick: Alô, poooorra!?

Rocambole: Por favor, o Rick está?

Rick: Quem é que tá falando, méeerrrda?

Rocambole: Então, desculpa incomodá aí, mas é o Rocambole.

Rick: Faaaaaaaaala, gordinho.

Rocambole: É tu, Rick?

Rick: Lógico, poooorrrra, qualé daassss parada?

Rocambole: Eita, tu é estressadão no telefone.

Rick: Tá loco, lesssske, é a minha vibe usual.

Rocambole: Pode crê... o que é isso?

Rick: O quê?

Rocambole: Essa parada de usual.

Rick: Normal.

Rocambole: O que que é normal?

Rick: Usual significa normal, comum.

Rocambole: Saquei.

Rick: Tipo: “Rick foi à balada e pontuou”.

Rocambole: E?

Rick: É usual eu i pra balada e pontuá.

Rocambole: Vai se fudê, pega ninguém.

Rick: Tá me tirando, Rocambole? Eu pego geral.

Rocambole: Eu nunca vi.

Rick: Não viu porque não quis. Eu sempre faço as minha correria.

Rocambole: Sei. Ô, se liga, vamo pra balada?

Rick: Vamo?

Rocambole: Vamo.

Rick: Vamo?

Rocambole: Vamo.

Rick: Vamo?

Rocambole: Eu to falando que vamo, caralho!

Rick: Demorô. Onde vai se?

Rocambole: Na Breezy, em Santos, vinte de consuma e camarote.

Rick: Fechou. Viiiiixi, u menino vai se obrigado a reiná na sua segunda casa.

Rocambole: Só quero vê.

Rick: Tu qué apostá quanto que eu vo pontuá?

Rocambole: Num quero apostá nada. Mas se tu pegá, tu vai te que me avisá pra eu vê com os meus próprios olhos.

Rick: Eu não vou avisá nada. Quem vai?

Rocambole: Eu, tu e o Leonardo.

Rick: Pede pro Leonardo te avisá. Aquela porra não vai pegá ninguém memo.

Rocambole: Combinado.

Rick: Então, que horas tu vai passá aqui?

Rocambole: Eu marquei na casa do Leonardo às 21:30.

Rick: Beleza, 22:45.

Rocambole: Então até mais.

Rick: Até.

E Rick de fato estava certo. Ele pontuou. E todo mundo que estava lá, infelizmente, viu. Eu mais do que todo mundo. No entanto, a questão que fica é a seguinte: Gol contra vale?

22:15

Foi assim que começou a noite. Rocambole chegou às 22:15. Ele arranjou um modo muito positivo de chegar só 45 minutos atrasado. Um recorde para um cidadão que já atrasado diz que já tá na esquina: na esquina de uma rua movimentada da Letônia. Foi assim que Rick fez questão de não aparecer na minha casa para nos obrigar a chamá-lo na casa dele. Foi assim que vimos Rick atravessar a porta de... regata. Era final de junho e tava um puta frio. Tava chuviscando. E o sujeito materializa-se de regata. Às vezes, bem às vezes, quase nunca, eu gostaria de ser o Rick. Por um minuto, no máximo. Com possibilidade de arrependimento repentino e retorno imediato. Rick é aquele tipo de cara que anda com um bolo de cartão de visitas no bolso: Rick, engenheiro, número do telefone e e-mail. E os entrega como se neles estivesse impresso: Caça-Talentos. Ou fotógrafo de moda. Ou produtor de T.V. Ou cineasta. Ou cafetão. Rick se dispõe a colar nas minas mais gatas da balada. E nas mais altas. E as faz rir. Não sei se elas riem pela qualidade humorística da anedota que ele lhes confidenciou ou pela petulância de se dirigir a elas. Rick possui uma qualidade que a maioria das pessoas não tem a coragem de assumir: ele exclui o fator ele. “Não sou eu que estou a caminho de colar na mina mais gostosa da festa.” “Não sou eu que estou me olhando no espelho.” “Não sou eu que estou usando esta ridícula regata preta e esta ridícula regata preta não me faz parecer uma versão em miniatura do Al Pacino no filme Parceiros da Noite.” “Não sou eu que estou prestes a pegar esta distinta senhora que está usando uma encharpe e um gorrinho de lã tricotados por ela mesma.” Eu gostaria de abraçar essa possibilidade toda vez que tenho que me manifestar em público. Seja falando ou não falando por vergonha de continuar falando. “Hoje eu sou o Martin Luther King.” Entretanto, uma das coisas que mais prezo na minha personalidade, e que me deixa possesso quando ela permite que alguma crítica feita por outra pessoa à minha pessoa me seja desconhecida, é o autoconhecimento. E, por conseguinte, a autocrítica. A autocrítica só é acionada quando o autoconhecimento não é pleno. Ele nunca será pleno. A plenitude faria de mim um iluminado. E a humanidade está coalhada de vícios por meio dos quais não descarto me emaranhar algum dia. Em suma, aderir ao autodesconhecimento deliberado ao qual recorre Rick nos embates cotidianos seria uma contradição à crença com a qual me sinto muitas vezes insuportavelmente comprometido. “Hoje serei Brad Pitt. Amanhã, Mick Jagger. No fim de semana, Jude Law. Na próxima terça-feira, um francês. No feriado do dia das crianças, um sueco de cabelo preto dono de uma pousada de luxo em Trancoso.”

Eu nunca quis ser o Rocambole porque eu ia demorar muito para chegar a qualquer encontro. E também não ia conseguir correr atrás do busão. Na verdade, eu não ia conseguir sequer correr. Até o telefone. Eu ia ter que gastar muito dinheiro com brinquedinhos. Bonequinhos dos heróis da Marvel Comics, jogos do Playstation 3, jogos do Wii, jogos do XBox, celulares de última geração, tablets de várias cores etc. Eu ia gastar muito dinheiro com alimentação. Desde saladas combinadas de modo excêntrico a sorvetes da marca Branca de Neve. Desde sashimi de salmão cortado sobre um balcão de mármore por um japonês com luvas cirúrgicas a pão francês preparado pela excrescência manual do padeiro e criador de cavalos Puruca. Eu ia gastar muito dinheiro com máquinas de barbear e cremes de barbear. Eu ia desperdiçar muitos minutos aparando os pelos faciais que assam desafortunadas faces femininas e aquele ninho de pombo chamuscado que cresce no meio das nádegas. Eu não teria o prazer de sentir os meus cabelos tremulando ao vento. Mas poderia apoiar o copo de cerveja na barriga. E conseguiria fazer sites. E poderia me ver fotografado de gênio carregando uma criança nos ombros. Mas teria a coragem de pegar uma pin up gordinha que não vou dizer o nome. Aliás, é um crime uma pin up ser gordinha. Eu teria um fígado de boi tatuado na batata da perna. E teria um banco azul reservado para mim no metrô. E iria acusar o Leonardo de hipster. E me matricularia no kickboxe. E faria todo mundo rir com esta informação.

Até hoje não tenho provas contundentes quanto à vexatória possibilidade de alguém querer me ser. (Bela frase!) A não ser, talvez, Renatinho, o japonês amorenado que satisfazia as suas vontades utilizando as minhas. As minhas camisetas. Os mesmos moletons. Os mesmos bonés. As mesmas opiniões sobre tudo. Inclusive, as mesmas minas. Até o dia que ele realmente se apaixonou por uma mina e destruiu a sua amizade baseada em mim: “Sabe o Leonardo? Então, ele falou que não gosta de você.” “Leonardo, se você tiver alguma coisa pra falar na minha cara, fale na minha cara!” “Deixa eu anotar: se eu tiver alguma coisa para falar na sua cara, falo na sua cara.” Dois anos depois, eu só não falei coisas na cara dela, muitas coisas, como também gozei na cara dela, muitas vezes. No entanto, adianto antes que seja tarde demais (pretensão?) que grande parte da minha existência é composta por situações das quais não me orgulho nem um pouco. Messssmo! Mas com as quais aprendi muitas lições que me serão úteis para o resto dos meus dias. Por exemplo: Nunca subestime a vontade de uma mijada, ela pode se voltar contra você. Nunca fique deitado por duas semanas na cama quando a ordem médica era só de, no máximo, uma semana. Não esqueça que as fezes que estão no seu corpo podem endurecer se você deixar de se movimentar por um longo período. Sempre desconfie quando uma mina mandar uma foto dela pra você a 1km de distância da lente da câmera. Jamais dirija bêbado enquanto fuma skunk com os seus amigos. Sobretudo quando um ônibus cheio de policiais militares está na sua cola. Não bote fé em prostitutas que pedem uma contribuição maior do que a usual com a desculpa que “é para realizar um strip artístico”. Não confie em puteiros que permitem que os clientes adentrem com máquinas fotográficas. Não deixe o Saulo escolher uma prostituta para um strip privativo. A última vez que ele escolheu, ela foi apelidada de Dengue. Jamais brigue com o Mad. Ele não dará um soco na sua cara, mas poderá enfiar o dedo do meio no seu cu! Não se apaixone por filhas únicas. Depois de beber cinco doses de tequila, não beba uma lata de cerveja. Não cague no colégio na hora do recreio. Caso cague, verifique as unhas após sair do banheiro. Não matricule o seu filho em um colégio que guarda os rolos de papel higiênico na cozinha da cantina. Não chegue completamente bêbado em casa, peça uma pizza e se dê ao luxo de tirar uma cochilada. A pizzaria não fica em Marte para você acordar a tempo. Nunca subestime um anão. Ele pode ter um pau maior do que o seu. Não vá ao show do Nenhum de Nós com o seu pai. Em hipótese alguma vá ao show do Nenhum de Nós com quem quer que seja. Se você estiver sentado em um busão lotado e observar uma mulher barriguda em pé, não ceda o seu lugar a ela: ela pode não estar grávida. Se você for a uma festa à fantasia com a sua namorada e ela for fantasiada de coelhinha, você é um corno em potencial. Você está na parte descoberta de uma balada, faz calor, o céu está estrelado, no entanto, apesar de tudo, você começa a sentir algumas gotas de alguma coisa respingando na sua cabeça. Conforme-se: alguém está vomitando na sua cabeça. Não dê carona para alguém que você não conheça. Aliás, não dê carona a mendigos. Aliás, não dê carona a mendigos que têm bicicletas. Não proteste contra o aumento das mensalidades da faculdade com os membros do diretório acadêmico filiados à UNE. Justamente pela inadimplência deles é que a faculdade vai aumentar.

Contudo, no intuito de ser mais persuasivo, e para lhe proporcionar alegria ao deixá-lo sorver a iguaria saborosa do sofrimento alheio, irei relatar em minúcias duas dessas malfadadas porém transformadoras experiências. A primeira delas não é nada perto da segunda. Entenda, a primeira delas também é horrível. É que a segunda é tão escrota que faz da primeira quase um peido que a Sofia Vergara daria. Sinceramente, não sei se terei coragem de relatar a segunda. Ainda há tempo para pensar. A última pessoa para quem contei foi para o ex-namorado de uma amiga da minha mina. Ele é produtor de T.V de um programa famoso, portanto, antes de contar, pensei: “ele já dever ter visto e ouvido de tudo no mundo babilônico das celebridades. Não vai pegar nada”. Ledo engano. Logo após que eu terminei de dividir essa minha triste experiência com ele, ele me disse o seguinte: “Nunca mais irei olhá-lo da mesma forma”. E é assim mesmo que me sinto depois de sair vivo desse nauseabundo episódio: uma outra pessoa. Alguém que por alguns tortuosos minutos habitou no caos. Fez um parto de si mesmo. Tocou na sua pior parte. E saiu com vida.

Entretanto, antes de começar, devo deixar claro que não tenho colhões de me assumir como protagonista dessas peripécias. Ver o “eu” no meio desse vórtice pós-feira não me deixará orgulhoso. Ou seja, terei que usufruir do autodesconhecimento concebido pelo Rick para espalhar toda a minha podridão diante dos seus olhos.

Eu não sou o cara que depois de sair muito bêbado de um bar próximo à faculdade resolveu passar no drive-thru do Mc Donald’s porque estava com muita fome. Eu não pedi um número 2 especial (pão, carne e queijo, sem molho), com batata-frita grande e coca-cola média, e fui comer dentro do carro. Eu não sou o rapaz que comeu tudo, secou o copo do refrigerante e saiu do carro para jogar todo o lixo fora. Eu ainda me pergunto porque esse cara deixou de jogar fora o saco de papelão do Mc Donald’s. Eu não sou o cara que saiu do Mc Donald’s direto à balsa. Não havia fila na balsa, afinal, eram quase quatro horas da manhã, portanto o cara que não sou eu ficou muito feliz ao ver a balsa o esperando. A balsa não estava cheia. Todo mundo sabe, inclusive eu, que, quando a balsa não está cheia de madrugada, eles esperam, às vezes durante um longo tempo, que ela fique cheia. Enquanto isso, o cara que não sou eu, que ainda estava um pouco bêbado porém saciado da fome, começou a ficar com vontade de mijar. Dez minutos se passaram, a balsa ainda parada, e a vontade de mijar aumentando. Quinze minutos se passaram, a balsa parada, e a vontade de mijar cada vez mais urgente. Vinte minutos se passaram, a balsa parada, e a vontade de mijar ficou insuportável. O motor foi ligado. Uma luz de esperança iluminou o rosto do cara que não sou eu. A balsa começou a se locomover. O cara que não sou eu achou que poderia segurar a mijada até chegar em casa. Um segundo depois, ele percebeu que não conseguiria chegar em casa para dar a mijada. A bexiga começou a doer. A bexiga meio que começou a criar vida própria. Ele pensou em sair do carro e dar uma mijada no mar. Ele percebeu que não estava tão bêbado para fazer isso. Ele pensou naquele dia em que ele pediu ao motorista do Expresso Brasileiro, que estava vazio de gente e lotado de cheiro de coxinha de frango estragada, para parar no acostamento da serra porque ele estava ensandecido para dar uma mijada. Ele não estava bêbado naquele dia. Portanto, ele saiu do carro. No entanto, ele voltou ao carro porque tinha uma pá de mina gata fora dos respectivos carros ouvindo psy e eu não sei por que ele achou que mijar ao lado dessas minas seria mais desagradável em comparação ao que ele estava prestes a fazer logo a seguir. A balsa parecia que não andava. Ela não andava. Claro, um navio chinês tinha que passar logo nesse momento. “O que eu faço?”, ele se perguntou. “Deus, o que eu faço?”, típico dele lembrar-se da existência do Divino nesses momentos. “O que eu faço, seu filho da puta?!”, típico dele ofender o Senhor após não ouvir nenhuma resposta, caso ouvisse, tenho certeza que ele se cagaria todo. Ele comprimiu o corpo no assento do motorista. Ele roçou o dedo indicador na bexiga e quase chorou de desgosto com a lancinante sensibilidade. Ele mataria alguém por um alívio imediato. A balsa continuava parada. O navio chinês continuava interminavelmente se arrastando. As minas dançavam psy e soltavam perdigotos com vodca. Ele começou a suar frio. Estava um puta calor. Ele resolveu fechar os vidros do carro. Ele ficou ereto no banco do motorista e olhou para os seus olhos no espelho retrovisor e viu pelos seus olhos que ele estavam dispostos a cometer uma loucura inconfessável. Mijar nas próprias calças seria desmoralizador. Ele não estava preso no deserto. Ele estava no meio da sociedade. Ele estava vivendo o sonho. Ele tinha um carro do pai dele, tinha dinheiro do pai dele, tinha um Nike comprado com o dinheiro do pai dele. Ele amava o pai. O pai era Deus. E ele não era barbudo. E às vezes peidava na sala enquanto estava assistindo algum filme de guerra antigo no TCM. E não usava papel higiênico porque ele viu um documentário na Discovery que dizia que os hindus... Ele precisava de alguma coisa. O tempo parou. Ele necessitava de algum objeto para poder mijar dentro dele. “Puta que pariu!” A balsa voltou a andar. Para trás. O navio chinês estava andando meio torto. Foi a primeira das duas vezes em sua curta e praticamente casta existência que ele considerou o breu sem fim da morte como um alívio. Foi a primeira das duas vezes em sua curta e quase casta existência que ele considerou o breu sem fim da morte mais aprazível do que o breu sem fim da desonra social no qual ele estava à beira de se jogar em desespero. Ele encontrou o saco de papelão do Mc Donald’s no banco de trás do carro. Ele se perguntou a mesma pergunta que me perguntei quando soube dessa história: “O que a porra desse saco tá fazendo aqui?”. Ele se perguntou a mesma pergunta que me perguntei quando soube dessa história: “Por que eu não joguei o saco fora ao invés do copo?”. Ele se perguntou a mesma pergunta que me perguntei quando soube dessa história: “O natural não é terminar o lanche primeiro e finalizar o refrigerante depois?”. Ele se perguntou a mesma pergunta que me perguntei quando soube dessa história: “O natural não é jogar tudo dentro do saco de papelão e jogar o saco de papelão com tudo dentro dentro do lixo?”. Não tinha jeito. Teria que ser dentro do saco. O saco que não estava dentro do lixo. O saco que não estava dentro das calças. Mas dentro do carro (que logo mais ficará com cheiro de lixo). A balsa recomeçou a se locomover. Agora para a frente. Mas ainda faltavam quatro minutos para o término da travessia. Era tarde demais. Ele disse baixinho, para si mesmo, e para o saco, o seu saco, e para o outro saco, o saco do Mc Donalds, e para o seu pinto: “É nóis”. Ele abriu o saco. Certificou-se que dessa vez não era para vomitar. Ele botou o saco aberto no colo. Abriu a braguilha da calça jeans. Na verdade, ele arriou toda a calça até os tornozelos. Quando estava completamente bêbado, ele às vezes arriava toda a calça ao mijar no mictório da balada. Ele sofreria muito na cadeia se adotasse esse ébrio costume. Ele olhou para a frente. Olhou para trás. Olhou para ambos os lados. Olhou para o céu. E pediu. Pediu. Pediu... mais sorte da próxima vez. Pediu. Pediu... que não houvesse uma próxima vez. Ele tirou o saco de papelão do colo. Ele ficou duelando consigo para achar uma posição ou lugar onde ele pudesse posicionar o saco e alvejá-lo com sucesso. “Se eu segurar o saco com uma mão, e segurar o meu pinto com a outra, o saco pode rasgar com a quantidade excessiva de urina.” “Se eu colocar o saco no colo, e tentar mijar para o alto, para o mijo cair no saco, não no meu saco, mas no de papelão, como um chafariz, há a possibilidade de o mijo afagar o meu rosto.” “Se eu colocar o saco no chão, entre os meus pés, o prepúcio pode bloquear parcialmente a uretra e o que era para ser um fio único de urina pode virar um fio duplo de urina que provavelmente sujará muitas partes do meu carro e do meu corpo...” Mas não havia tempo para pensar nisso. E ele não estava pensando nisso. Já era. Ele já havia tirado a sua samba canção remendada do Chico Bento pescando uma cueca remendada dentro de um rio remendado. Ele já tava mijando. Dentro do saco. Ele já tinha soltado o batido “Ahhhhhhhh...” logo após começar a mijar. Ele colocou o saco em pé sobre a palma da mão esquerda e segurou aquela porra que parecia uma azeitona cor de pele sonolenta com a mão direita enquanto um jorro de mijo esverdeado desaguava justamente onde ele havia planejado. O saco começou a ficar quente. Os dois sacos. Ele sentiu a temperatura do próprio xixi na palma da própria mão cuja palma já enrolara muitos brigadeiros em tardes invernais. Ele começou a sentir o próprio mijo na própria mão cuja palma segurava o saco que havia acabado de estourar. “Caralho...” Ele levantou o saco para ver o que estava acontecendo enquanto o pinto mijava pra baixo e a urina empoçava o banco do motorista. Ao levantar o saco, os resquícios de urina que ainda resistiam bravamente dentro do saco de papelão caíram no seu colo, respingaram sobre o seu peito, escorreram pelas canelas, encharcaram as suas meias, enquanto o pinto, agora descontrolado e nunca antes tão vivo e indomável, lavava o volante. Era uma puta mancada com o pai dele sujar dessa forma o volante que o pai guiava todos os dias úteis para ir ao trabalho para coletar o dinheiro para o filho comprar um monte de cerveja que inchava a bexiga a ponto de explodi-la sobre o volante que dava ao pai a direção nos dias úteis para ir ao trabalho para coletar dinheiro para o filho comprar cerveja... Então ele jogou o pau para a mão esquerda molhando sem querer o joelho esquerdo e, com a mão direita, abriu o porta-luvas e redirecionou o pau para aquela direção. Puta que pariu, mó mancada, os óculos da mãe dele estavam lá. Puta que pariu, mó mancada, o livro do I Ching quase totalmente grifado da mãe dele também estava lá. Puta que pariu, mó mancada, o documento do seguro também estava lá. Puta que pariu, mó mancada, a coletânea definitiva da Dalva de Oliveira que o pai passou anos montando como um arqueólogo em busca de sensações da infância no bairro da Pompéia também estava lá. Adeus, óculos. Adeus, livro do I Ching. Adeus, documento do seguro. Adeus, coletânea definitiva da Dalva de Oliveira. Afoguem-se! Então ele largou o pau. O pau agiu a essa tão almejada liberdade como uma mangueira de bombeiros tresloucada portanto solta após a explosão de dez andares consecutivos de um prédio de cinqüenta e três andares consumido pelo fogo com todos os moradores dentro. Tá bom, exagerei. O pau agiu a essa tão almejada liberdade como uma micro-arminha de brinquedo tresloucada e cheia de água poluída portanto emperrada após o desmoronamento de cinco andares consecutivos de um prédio de sete andares consumido pela inépcia de uma criança retardada de 11 anos que não entrou em um acordo inteligente com as peças coloridas do Lego fudendo assim com a vida de duas famílias prósperas de piratas de Playmobil. Era como um Boneco de Posto de gasolina em miniatura em meio a uma tempestade tropical que por acaso detém a estranha habilidade de jorrar líquido colorido pelo topo da cabeça. Se alguém disser que já viu uma carnificina de mijo, ou uma orgia de mijo, ou a dança das águas urinadas, ou, em vez da Esquadrilha da Fumaça, a Esquadrilha da Mijada, essa pessoa testemunhou na entoca o que estava acontecendo no interior daquele carro que apodrecia vertiginosamente. Mijo no parabrisa. Mijo no painel. Mijo no rádio (que a título de lembrança tocava Marcos Valle e o seu nefasto hit oitentista Estrelar: “Tem que correr, tem que suar, tem que malhar, vamos lá, musculação, respiração, ar no pulmão...”). “Caralho, no olho nãaaaaaao!” O infeliz cara que não sou eu colocou os dedos mijados entre os cabelos mijados e gritou “Essa porra não vai acabar nunca?!”. A balsa começou a se preparar para atracar. “Não, merda, dentro do nariz não.” O cara que não sou eu começou a chorar em desespero. As lágrimas uniram-se às urinas e criaram um pequeno córrego no lado esquerdo do banco do motorista batizado de Novo Tietê. No rádio começou a tocar Guilherme Arantes e sua perdição ‘Planeta Água’. O condutor da balsa finalmente conseguiu atracar a balsa. As minas gostosas do Psy amontoaram-se dentro dos seus veículos. O processo da descida da rampa para a subida dos carros foi concluído. Subitamente, o vazamento urinal foi cessando. Um pingo no tênis. Um jorro no cinto de segurança. Um traço no dorso da mão. O cara que não sou eu olhou para o retrovisor molhado e viu todo o rosto molhado. Ele não conseguia discernir o que eram lágrimas e o que era urina. Os carros começaram a sair. Ele virou a chave molhada, ligou o carro internamente molhado e abriu os vidros molhados. As minas gostosas do Psy emparelharam os seus veículos 4X4 ao lado do seu carro... humildo: uma fusão de humilde com úmido. Elas disseram: “Ihhhh, meu, o cara tá chorando”. “Não chora não, cara, você tá no Guarujá, você tá no pico.” “Levanta a cabeça, meu, relaxa, bem-vindo ao Guarujá.” “É, meu, bem-vindo ao Guarujá.” Ele disse: “Valeu”.

(Continua na próxima segunda-feira.)



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Pesadelo em Limeira - O dia em que a esperança morreu logo na chegada - Parte 5

A história de um breve romance indie cheio de putaria grudenta - Parte 3

Rick tinha 20 anos. Cristina tinha (X) anos. E isso já diz quase tudo. Não tudo. Esperem. Mas eles nunca tinham se visto. E depois de tudo que fizeram, e de tudo que poderiam ter feito, eles nunca mais se viram. Assim. Rick não sabia que a sua vida, depois de tudo que fizeram, e de tudo que poderiam ter feito, iria mudar para sempre. Atingir um prisma muito particular. Muito. Após a fatalidade deliberada, como se tivesse planejado o próprio assassinato, ou um sexo oral em si mesmo, nós, eu e os outros próximos, nunca mais olhamos para Rick do mesmo jeito. A partir da hecatombe, a partir do passo em falso consciente, ao desligar a chave da ponderação, do amor próprio, de pichar o muro da própria casa, de adulterar o combustível do próprio veículo, de bagunçar com a própria língua o glacê do bolo, percebemos que ele era capaz de fazer qualquer coisa para chamar a atenção. Para depois ficar bravo. Com as nossas risadas, nossos aplausos, nossos corredores poloneses sarristas, nossas ligações notívagas a olhos astronauticos sonolentos que estavam em outro planeta portanto não havia como visualizarem o estupro terráqueo, nossas pétalas de flores mortas jogadas no ar enquanto ele desfilava a contragosto, sorvendo o gosto metálico da própria insanidade, nos culpando por não apreciarmos o seu autoflagelo, um escravo de si mesmo, uma vítima da própria fama, arranhou barrigas com raiva, tirou sangue gelado de amigos que perdiam os dias para ganhar uma vaga para sexo em alguma faculdade longe de casa, ignorou a nossa piedade de não contra-atacar, um réu não confesso que foi pego em flagrante. Ele me culpa por tudo. Eles me culpam por tudo. Dizem que fui eu que criei o monstro. Mas eu sei o nome disso: inveja. Eu trocaria todos os lugares certos nas horas certas pelo lugar certo na hora certa que foi imposto a mim. Será? Será que a minha história é fantasiosa? Será que a fantasia pode ser real? Como faz? Como faço?

Rick, torça para que nenhum de nós esteja insensivelmente bêbado ao fazer um brinde especial na sua futura festa de casamento.

Em algum sábado de junho de 2004

Era sábado.

E os meus sábados em 2004 eram segundas para pessoas com sábados.

Livre, desimpedido e refém de mim mesmo.

Mesmo.

Refém do Nestor.

Do Telmo.

Ambos meus reféns.

Ambos reféns de si

Mesmo.

Não é novidade.

E nós.

Nos conformamos com as limitações da nossa

Própria miséria.

Veja só.

Nós comíamos bem.

Telmo não comia tão bem como come hoje.

Veja só.

Comíamos comida.

E só.

Já me viu?

Não sabe.

No cinema sozinho assistindo ao filme Invasões Bárbaras.

Chorei.

Ninguém viu.

Sozinho.

Sessão de sábado 13h45.

Almoço no MEC.

Donald’s.

“Dois queijos quentes, uma batata-frita grande e uma Coca-Cola média.”

Esses eram os melhores sábados.

Kill Bill foi assim.

Saía da faculdade.

Aulas no sábado.

Primeiro semestre.

Autodescoberta que alguma coisa que nunca vi dormia em mim.

Doença?

Ainda faltava um mês e meio para eu começar a pegar uma pá.

De mina.

(S.)

Ia a pé.

Canal 1 até o Canal 6.

Flanava, via, gostava e voltava.

Limbo?

Eu gostava de todos os filmes que via no cinema porque eu só ia ao cinema para assistir aos filmes que sabia que ia gostar.

Nem tudo precisava ter decepção.

Nós íamos ao cinema juntos.

Rodízio de pizza juntos.

Enquanto todos vocês transavam.

Por aí.

Os piores sábados não vinham e iam a pé.

Eram guiados por um Kangoo-motel:

Sem clientela.

Cardápio:

Cara amassada das 6:00.

Sinais incipientes de abuso alcoólico.

Papadas e semblante de surra.

Pré-Sábado abusivo:

Cachaçarias e festas em quitinetes.

Nada de sexo.

Cinebiografia do Cazuza

Em televisores penteadeira.

Papel de Anais Nin e do MST

Na sociedade de consumo.

Faltava uma arma de fogo.

Na boca.

Ou uma tesoura para cortar a rede da sacada.

Ou as orelhas.

Balsa.

Nestor ficava na Conselheiro Nébias.

Eu:

Canal 1.

Volta.

Eu saía do Canal 1.

Nestor saía da Conselheiro.

Autodescoberta que alguma coisa que nunca viu dormia em Nestor.

Doença?

Balsa.

Passada na locadora.

Talvez o ponto alto

Dos sábados mais baixos

No meu infame ibope.

O Tempo de Cada Um,

de Sophia Miller.

Conte Comigo,

de Kenneth Lonergan.

À noite Rocambole passava duas horas nos enrolando até de fato passar de fato. Rocambole de 2004 não era tão rocambolesco como o Rocambole atual.

Vectra azul marinho quatro portas dois ponto zero farol claro.

Som potente quase sempre Outkast fase Speakerboxxx/The Love Below.

“Rola de novo Church!”

“Rola de novo Church!”

“... novo Church!”

“Church!”

Prova de Amor,

de David Gordon Green.

Um giro de 360 graus na entrada da Lucky Scope.

“Entrar pra quê?”

“Nós só vamos perder dinheiro de novo

e arrumar outra briga por frustração.”

Irreversível,

de Gaspar Noé.

Dois giros de 360 graus na entrada da Lucky Scope.

“Olha aquela mina.”

“Olha aquela mina.”

“Vamo entrá?”

“Olha aquela.”

“Semana que vem não tem jeito.

Combinado?

Nós vamo entrá!”

Amar é: Claque!

Lucky Scope é: Claque!

Lucky Scope era:

“não”,

“não”,

dança,

“apavora o gordinho”,

“apavora o gordinho”,

“Eu to suando pra caralho!”

“Arranca o telhado.”

“não”,

“uma breja”,

“outra breja”,

“mais uma”,

“mais duas”,

“mais cinco”,

“O gordinho caiu,

o gordinho caiu”,

“mais... mais... mais...”,

“Que música é essa?”

“olha a conta”,

“Quê?”,

“E essa?”

“O Rocambole arrumou briga com um japa”,

“Quê?”

“Olha a fila pra pagá a conta!”

“Quê?”

“Olha a fila pra usá o banheiro.”

“Quê?”

“Eu não conheço nenhuma música nessa porra!”

“Eu não podia te ficado em casa?!”

“Aquela mina que pagou de gatinha lá dentro tá no ponto de ônibus.”

“Vai de 77 memo sua filha duma puta!”

Cabeça Grávida de Trigêmeos disse na fila que “a mina ali falou que eu pareço o Erick Marmo”.

Sei.

Solitário Jim,

de Steve Buscemi.

“Vamo rodá o Tombo de carro.”

“E depois?”

“Astúrias.”

“E?”

“Pitangueiras.”

“Não tem ninguém no Tombo.”

“Não tem ninguém nas Astúrias.”

“Diminui, diminui,

Para, porra, para,

Olha aquelas mina ali,

Leonardo, põe a bunda pra fora do vidro do carro,

Rocambole, pede informação, caralho, pede informação”,

“Já vo, porra!”

“Eu já to com a bunda pra fora...

Vai logo, caralho!, tá chuviscando na minha bunda.”

“Cala a boca, Rick, não deixa o Rick abordá.”

“Ééeeee, o Rick queima o filme.”

“Oi, por favor, vocês podem me dá uma informação?”

“Shhhhhh, elas tão vindo...”

“Oi.”

“Tudo bom?”

“Tudo.”

“Por favor, você sabe como eu faço pra chegá

Até o clube Vila Souza?”

“Então, você vira à... ahhhh, nãaaao, que nojo!”

O Mundo de Leland,

de Matthew Ryan Hoge.

O Último Beijo,

de Gabriele Muccino.

Eu queria descobrir o que eles viam quando olhavam pra fora.

O que eles viam em si quando olhavam pra fora.

Será que Nestor já estava imaginando como seria ficar apaixonado?

Será que Elisa já estava crescendo dentro dele?

Será que Elisa já o fazia ‘crescer’?

Quem é Elisa?

Peraí, só mais uma coisa: ela existe?

Telmo meio que enlouqueceu quando foi pra faculdade.

Continuou não pegando ninguém,

Mas decorou todas as músicas do Chiclete com Banana

E passou a usar constantemente uma camiseta da Faculdade Metodista abóbora

Na qual se lia a exortação: Toda Poderosa Metô.

Heróis Imaginários,

de Dan Harris.

Ele se considerava um Metoloko.

Os Metolokos reuniam-se em micaretas,

usavam bandanas estampadas

E se divertiam pegando gordas suadas em público.

Eles iam para o JUCA encher a cara com vodka barata

E representar a faculdade no campeonato de xadrez.

Os Metolokos são seres invejáveis!

Os Metolokos são seres indesejáveis!

Os Metolokos são seres fascinantes!

Os Metolokos são seres repugnantes!

Um deles chegou uma vez absolutamente bêbado em casa,

Tirou toda a roupa do corpo, tirou todas as comidas

E bebidas que estavam na geladeira, derreou numa cadeira

Que estava na cozinha, apagou e acordou no dia seguinte

Com o barulho da sua mãe na cozinha preparando o café-da-manhã

Enquanto colocava todos os alimentos e bebidas de volta a geladeira

E observava atônita a porra do seu filho roncando pelado na cozinha

Numa típica manhã de puta frio do ABC.

O mesmo cara morou dois anos nos Estados Unidos,

Foi de Nova Iorque à Jamaica num carro alugado,

Perdeu-se numa boca jamaicana,

Quase foi vítima de um arrastão-estupro-canibalismo,

Esqueceu por quase dois dias onde havia estacionado o carro alugado

E além do mais voltou ao Brasil sem aprender a falar inglês.

Dogville,

de Lars Von Trier.

Telmo nos contou uma incrível história com um final inusitado

Na qual Telmo e outros Metolokos estavam numa balada meia-boca

E, ao saírem frustrados da balada, viram um conhecido deles

Recebendo uma punhetinha de uma mendiga bem no meio da rua.

Na mesma hora, os Metolokos se manifestaram:

“Porrrra, meeeeu, olha só o que o cara tá fazendo.”

A pergunta é: o que você acha que aconteceu depois disso?

Eu, se estivesse lá, diria: “Nossa, o cara é mó maluco,

Que nojento, filma esta porra!”

Nestor diria: “Eu não transo nem com virgem sem camisinha”.

Telmo disse: “Horrível, eu não vou conseguir dormir... de tanto rir.”

Os outros Metolokos disseram: “Eu sou o próximo”,

“Não, eu sou o próximo.”

“Linha!”

“Vamo tirá no dedos iguais.”

“Não, vamo fazê uma fila.”

“Quem chegá primeiro, é o próximo.”

“Demais, hoje alguém vai batê uma pra mim. Até que enfim.”

“Pergunta se ela chupa.”

A Última Noite,

de Spike Lee.

A intensidade da nossa desilusão

Estava tão exacerbada a ponto

De nos rendermos e nos juntarmos, em uma infeliz

Porém estranhamente rara e tragicômica ocasião,

A Telmo e seus Metolokos Boy’s em uma excursão de busão

Rumo a uma festa da Metodista num ginásio de São Paulo:

Festa da Bacardi.

Bacardi à vontade até o último que ficar em pé.

Entretanto, ainda no caminho para a festa,

Ou melhor, o erro, a Baikal começou a dar o seu show:

De horror.

Bully,

de Larry Clark.

A Baikal peregrinou de mão em mão.

Antes de beber,

A pessoa que no momento estava em posse da Baikal,

Tinha que gritar o seu nome e a sua cidade: Nestor, Guarujá.

A partir daí, os Metolokos garantiam a sua vergonha:

“Nestor!, Nestor!, Nestor!, vira!, vira, vira, hei, hei, hei...”

E você não tinha como fugir daquele ritual importado dos

Spring Breaks garotinhas católicas do Arkansas chupando

23 paus negros e 19 latinos antes de desmaiar por excesso de speed

E insolação numa praia da Costa Rica e voltar para os States

Para retomar contrariada o sonho de ser professora substituta.

Telmo, Guarujá.

“Telmo!, Telmo!, Telmo, vira, vira, vira, hei, hei, hei....”

E você não tinha como deixar que aquela vodka de macumba

Escorresse pelo seu queixo e, por reflexo, lhe provocasse

Um esgar facial nada fotogênico.

Cleck: “Bela foto!”

Uknown White Male, a True Story,

de Rupert Murray.

Francesco, Guarujá.

Pois é, o meu nome é Leonardo,

Mas disse que era Francesco, portanto:

“Francesco!, Francesco!, Francesco!, vira, vira, vira, hei, hei, hei...”

Mas eu não bebi.

Ninguém viu.

97% dos passageiros do busão já não confiavam mais no que estavam vendo

Ou não.

Um específico membro dos Metolokos vomitou pelo vidro do ônibus

O que me pareceu uma porção de bananas cortadas em rodelas

Sobre o teto solar de uma BMW.

“Fran... cesco, cara, posso te chamar só de Fran?”

“Pode.”

“Fran!, Fran!, Fran, vira, vira, vira, hei, hei, hei...”

A cada vez que escrevo este grito de guerra,

Mais ele me parece uma ode ao sexo anal.

O cara da banana em rodelas não conseguiu entrar.

O melhor amigo Metoloko do Telmo também não conseguiu entrar.

Depois eu meio que fiz uma rasa amizade com esse cara e descobri

Que ele curtia Rodolfo e E.T

“O Cd do Rodolfo e E.T.”

“Ahhh, tá bom, agora entendi, tá perdoado.”

Telmo resolveu fazer companhia aos Metolokos feridos.

Os Metolokos eram muito unidos.

O senso de irmandade exalava-lhes por todos os poros.

Menos quando rolava uma festa da Bacardi com Bacardi à vontade

Cheia de piranhas cheias de Bacardi

Exalando Bacardi por todos os orifícios.

Telmo foi o único Metoloko a não entrar na festa

Para auxiliar os amigos combalidos da mesma cepa.

Nós como bons amigos que somos e não Metolokos que somos

Lhe fizemos companhia.

Por 20 minutos, depois demos uma entrada para ver se realmente

Estávamos perdendo algo digno de histórias ulteriores.

E rapidamente intuímos que aquilo não acabaria... limpo.

Uma mesa preta gigante atulhada de Bacardi.

Sem filas, sem senhas, logo logo

Alguém seria encontrado sem calcinha

Com um rastro de vômito com sangue nas costas

E não lembraria disso no dia seguinte:

“Quem me comeu?”

As pessoas desmoronavam.

Os olhos desmoronavam.

Os cabelos desmoronavam nos olhos já pulverizados.

Pessoas rolavam das escadas.

Pessoas rolavam das escadas gelatinosas com os copos

Cheios de vodka levantados no ar.

“Eu posso cair, a Bacardi, não.”

Mamãe me dizia “nunca vá a churrascos à noite

Que começaram na hora do almoço.

Você não irá sorver uma gota da cerveja que trouxe e

A mina na qual você está apaixonado

Será sodomizada semi-desacordada

No chão frio da área de serviço

Pelo cara mais idiota da face da terra”.

Mãe é mãe.

Chegamos atrasados à babilônia Polo Play.

“Cheguei atrasado ao filme Amnésia e não entendi nada.”

“Comecei a assistir Lost na metade da terceira temporada

E achei uma bosta.”

“Os caras já tinham fumado cinco becks cada um.

É óbvio que não consegui convencê-los a adiantar o TCC.”

Nos filmes de apocalypse zumbi, se você ainda não se tornou um zumbi:

Fuja!

Numa pista de skate cheia de skatistas, se você for o único com um par de patins:

Fuja!

Na Pitangueiras num dia de ressaca

E cheia de surfistas pitboys analfabetos,

Se você for único morie cat:

Fuja!

Numa festa de Bacardi à vonts, se você chegar atrasado, e sóbrio:

Fuja!

Nós fugimos.

Fomos ficar com o Telmo.

Os Metolokos feridos também já tinham fugido.

Para os táxis que iriam levá-los às suas camas

Envoltas pela temida fragrância de mais uma largada queimada.

A primeira menina que saiu do clube deitou no gramado

Em frente ao clube com as pernas abertas.

Ela estava de mini-saia branca e o gramado tinha

Mais lama do que grama.

Um cara que estava passando pela calçada

Com o uniforme da Eletropaulo

Tentou abordá-la e tomou uma gorfada no rosto.

Outro cara que estava passando pela calçada

Com um pudoll bichona na coleira

Não acreditou no que tinha visto.

Voltou, se aproximou, abaixou o tronco, virou o pescoço e

Tentou ver de que cor era a calcinha da mina ou,

Quem sabe, se ela estava sem calcinha.

Dez minutos depois ele voltou.

Agora sem o pudoll bichona.

Agora com uma máquina fotográfica de filme.

Ele tirou pelo menos umas doze fotos.

Até que o enfermeiro da única ambulância interveio

E disse que, se ele não parasse, ele teria que chamar a polícia.

O enfermeiro foi até a menina, conversou com ela,

Levantou a menina da lama

Sem antes olhar por baixo da mini-saia dela

E a levou até a ambulância.

Parecia que vários cavalos haviam cagado sobre a mini-saia dela.

Três meninas saíram desmaiadas

E carregadas por quatro seguranças.

Uma mega-gorda saiu carregada por cinco seguranças a contragosto

Como se estivesse sendo destruída em um tablado de MMA

E contestasse a decisão do juiz de interromper a luta

E dar a vitória a seu oponente.

Três ambulâncias chegaram.

Mais trinta pessoas saíram carregadas.

Duas viaturas apareceram.

Três policiais espancavam na esquina próxima um cara com cassetetes.

A organizadora super gostosa da festa

Que usava o microfone da Sandy

Antes de confessar que dar o cu é de boa

Preferia naquele momento

Estar em casa dando o cu numa boa.

Cinco novas ambulâncias chegaram.

Vários caras brigavam a garrafadas.

Mais duas viaturas apareceram.

Um caminhão do corpo de bombeiros errou o endereço

E ficou por lá mesmo.

Enquanto isso, no olho do furacão da festa,

Uma menina despencava do terceiro andar do clube.

Ela quebrou a bacia.

Duas irmãs gêmeas só voltaram para casa

Duas semanas após a festa.

E no meio daquela bacanal sem sexo,

Três caras quase virgens do Guarujá

Eram os únicos que estavam se divertindo com aquilo tudo.

E um deles acabou vendo um par de seios bem bonitinho

Enquanto o comilão da mina a carregava para colocá-la no ônibus.

“O, brother, os peito da tua mina tão aparecendo aí, arruma isso.”

Há o lado bom de assistir à vida.

Sobre Café e Cigarros,

de Jim Jarmush.

O que Telmo via dentro de si

Enquanto olhava através do vidro embaçado do carro

A praia da Enseada erma sendo fustigada pela chuva?

Um Refúgio no Passado,

de Brad Macagann.

Será que ele pensava nos seus instrumentos analógicos

Nos quais pouco tocava e que nunca saiam de casa?

Será que alguma vez ele atinou para a ironia desse comportamento

Como metáfora para a própria existência?

O que havia dentro de mim além de ódio silencioso

Enquanto olhava no interior do meu obsoleto, asséptico e obscuro

Kangoo Motel para esse cartão postal mundial desprovido de árvores,

Com um povinho filho da puta,

Com ruas mais esburacadas

Do que o rosto do meu antigo professor de Geografia

Que também era um grande filho da puta

E um asqueroso ladrão de lanches dos alunos,

“Já que eu pedi para você não conversar,

E você conversou,

Eu vou tomar o seu refrigerante e a sua maçã,

E já que a maçã é um alimento perecível,

E o refrigerante esquentará e estragará,

Serei obrigado a saboreá-los durante o recreio”,

Dando voltas

E mais voltas

Em torno

Dos mesmos

Lugares

Como um cachorro

Com mania

De perseguir

E morder

O próprio rabo?

Havia a certeza que precede o fim de algo que prometia ser infinito:

O fim da minha música.

E a certeza que precede o começo de algo que promete ser infinito:

A porra das palavras.

A manutenção ingênua que crê na força das palavras

E por meio delas cria

A dialética das oposições.

A minoria que insurge-se contra a maioria

E torna-se a maioria

Provocando a mudança

Contínua

E inesgotável

Da sociedade.

Água e Pedra

Homem e Mulher

Deus e o Diabo

Buço e Busto

Allan Ball e Miguel Falabella

O Virgem de 40 Anos,

de Judd Apatow.

Dia e Noite

Sol e Lua

Paz e Estupro

Igreja e Aborto

Aldous Huxley e Paulo Coelho

Buena Vista Social Cub e Trio Los Angeles

Mesa de Bar e Mesa de Cirurgia

Academia Brasileira de Letras e Millôr Fernandes

Month Python e Zorra Total

Orgasmo e Câncer

Corrida e Punheta

Chupeta e Sexo Oral

Paz e Amor e Ordem e Progresso

Closer, Perto Demais,

de Mike Nichols, adaptação da obra de Patrick Marber.

Marlon Brando e Dado Dolabella

Patti Smith e Syang

Meg White e Zack Hill

Daniel Filho e Charlie Kaufman

Rocambole e Dhalsin

Pedro Bial e Noah Chonsky

Paul Newman e José Mayer

Yao Ming e Rick

Rodolfo (Raimundos) e Rodolfo (ex-Raimundos)

The Carpenters e The Shaggs

KLB e The Shaggs

Marta do futebol e Martha Suplicy

Maurício Manieri e Mayer Hawthorne

Hermes e Renato e Banana Mecânica

Truman Capote e Roberto Esper

Kamau e Cabal

Tarso de Castro e Boris Casoy

Woody Allen e Wolf Maya

Beastie Boys e R.K.F

Penélope (MTV) e Penélope Cruz

Ian MacKaye e Lobão

Pitty e Joan Jett

Irmãs Galvão e As Gêmeas do Pólo Aquático

Tom Jobim e Tom Cavalcante

MGTM e Grateful Dead

Ken Kesey e Padre Marcelo Rossi

Holden Caufield e Mark Chapman

Biafra e Jello Biafra

Villa Lobos e Vila Belmiro

Van Gogh e Vin Diesel

Miley Cyrus e Miles Davis

Rede Record e Editora Record

Troma Filmes e Globo Filmes

Jimmy Hendrix e Jimmy do Matanza

Café Photo e Puteiro da Vaquejada

Serguei e Mick Jagger

Nelson Rodrigues e Nelson Rubens

James Taylor e Taylor Swift

Deserto e Sauna

Nelson Rodrigues e Nelson Mandela

Carmelitas Reclusas e As Acorrentadas

Waking Life,

de Richard Linklater.

Michael Jackson e Vanessa Jackson

Rubens Ewald Filho e Pauline Kael

Suba e Supla

Os Trapalhões e Renato Aragão

Regras da Atração,

de Roger Avary, adaptação da obra de Bret Easton Ellis

Literatura Russa e Renato Russo

Libertines e The Clash

MoonWalker e Johnnie Walker

Bryan Adams e Ryan Adams

Daniel Radcliffe e Daniel Johnston

Phil Spector e Rick Bonadio

Frank Aguiar e Frank Zappa

Lenny Bruce e Lenine

Lênin e Lenine

Lenny Bruce e Lênin

Beto Barbosa e Beto Brant

Napoleão Bonaparte e Napoleon Dynamite

Anti-Herói Americano,

de Robert Pulcini e Shari Spring Berman, baseado na obra de Harvey Pekar.

Gravidez e Genocídio

Moderno e Sincero

T.V Aberta e Liberdade de Escolha

Hugo Chávez e Miss Venezuela

Dick Cheney e Philip K. Dick

Paz e Coma

Multishow e Showtime

Hitler e Ilha Bela

Reality Show e Realidade

Dom Quixote e Sancho Pança

Brasil e Brasil

Estados Unidos e Estados Unidos

Espanha e Espanha

Itália e Itália

França e França

Brasil e Brazil

Eu, Você e Todos Nós,

de Miranda July.

Estados Unidos e América

Generalização e Conhecimento de Causa

Arte e Arte

Olhar e Conhecer

Homem e Humano

Comunismo e Teoria do Comunismo

Teoria do Socialismo e Socialismo

Hippie e Neo-Hippie

Leis e Controle

Educação e Dinheiro

Livros e Inteligência

Vanguarda e Vanguart

Egoísmo e Vítima

Liberdade e Imprensa

Tranqüilidade e Solidão

Profissão e Amor

Sucesso e Originalidade

Originalidade e Sucesso

(Continua na próxima segunda-feira.)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Pesadelo em Limeira - O dia em que a esperança morreu logo na chegada - Parte 4

A história de um breve romance indie cheio de putaria grudenta - Parte 2

Primeiro sintoma indie: lançar mão de adjetivos delicados. Carmelino Pão e Vinho conheceu Miranda na internet enquanto estava de castigo. Eles conversaram, se encontraram, ficaram e... “foi lindo”. Isso que ele falou pra mim: lindo. E a parada evoluiu e se estendeu para outros assuntos. “Se liga, peraí, é agora, espera só um pouco, ouve só, nossa, esse pianinho é muito... ‘fofo’.” Fofo. Vindo de um homem que ouvia Atari Teenage Riot de cueca preta encardida enquanto comia carne crua fedorenta no quarto escuro para um homem que comia coisas massudas oriundas do interior do nariz: foi aterrador. O fim de um amigo e o início de um... Kid Vinil adolescente. A vítima de Mal de Alzheimer que tem vergonha de lembrar de tudo. Sobretudo das cicatrizes caiçaras que jamais se cicatrizarão. Miranda não existe mas ela toca baixo. Segundo Carmelino Pão e Vinho: “Melhor que todo mundo. Melhor que você, melhor que eu, melhor que o Telmo, melhor que o Rocambole, melhor que o Flea, melhor que o Ron Carter, melhor que o Les Claypool...”. Miranda não existe mas ela conhece de música. Segundo Carmelino Pão e Vinho: “Conhece mais do que qualquer um. Beastie Boys é uma merda. Minor Threat é uma merda. Fugazi é uma merda. NOFX é uma merda. Black Flag é uma merda. Metallica é uma merda. Hole é liiiiindo”.

Amor! “Ame-me ou me ame.”

Carmelino Pão e Vinho nos apresentou coisas boas.

Ele que nos trouxe Sense Field.

Ou foi Miranda?

Ele que nos trouxe Get Up Kids.

Ou foi Miranda?

Ele que nos disse que Get Up Kids não era mais legal.

Ou foi Miranda?

Ele que nos disse que o Further Seems Forever parecia uma escola de samba firulenta. Ou foi Miranda?

Quem disse que Smart Went Crazy era muito melhor que Faraquet?

Relacionamentos amorosos modernos ou não tão modernos assim: Quem é quem? Se você for procurar o significado da palavra relacionamento no dicionário, você não irá encontrar isso: guerra velada, posses sorrateiras, competição infantil, servidão de uma das partes, plantio de ervas daninhas no corpo do outro: plantio do outro no outro. Os relacionamentos modernos ou não tão modernos assim quase sempre ambicionam somente uma coisa: O que é? “Já sei, levar a mina para tomar um sorvetinho na praia.” Não! “Essa é fácil, levar a mina para o motel e tentar levar a mina ao orgasmo ao mesmo tempo em que você chega ao orgasmo, ou seja, dezenove segundos.” Não! “Dar um filho pra ela?” Tá frio. “Dar um urso pra ela?” Não, só se a tua mina for a Maíza. “Dar um tiro na cara dela?” Às vezes acontece isso, nos relacionamentos da Suzana Vieira, por exemplo, ou nos de William Burroughs, mas não vamos nos exacerbar a tal ponto. “Ah, caralho, desisto, qualé dessa parada?” Mudança. “Mudança? Só isso?” Do outro. Pelo outro. Que se transforma em missão cega. Em serviço social mesquinho. Em filantropia às avessas.

O que vou dizer agora pode ser encarado como machismo, pois depõe a favor dos machos, mas a sede de “mudança” parte única e exclusivamente das mulheres. Se o cara for um galinha compulsivo, ela fará de tudo para transformá-lo no personagem do Greg Kinnear no filme Banquete de Amor. Se o cara não dar bola pra ambição, ela fará de tudo para transformá-lo num arrivista inescrupuloso. Se o cara for sincero, ela fará de tudo para transformá-lo numa mentira ambulante. Se a dedicação obsessiva que ela emprega a essa missão não surtir efeito, ela irá dobrar a jornada de trabalho. Se a dedicação obsessiva que ela emprega a essa missão surtir efeito, ela irá lavas as mãos, trocar o número do telefone, fazer as malas e nem se dará ao trabalho de dizer adeus. “Ele faz uma coisa irritante: ele pensa diferente de todo mundo. Ele faz outra coisa irritante: ele não suporta usar terno e gravata. Ele faz mais uma coisa irritante: ele odeia novela. Ele faz outra coisa muito mais irritante: ele não liga para dinheiro e se nega a comprar um carro. Ele faz uma coisa muito muito muito mais irritante: ele continua trabalhando de bartender, ele diz que é a coisa que lhe dá mais prazer na vida. Ele faz outra coisa muito muito mais muito mais muito mais muito mais irritante: ele não é ciumento.”

Eu não conheço nenhum cara que largou a mina porque ela ainda trabalha no Boticário. Eu não conheço nenhum cara que largou a mina porque ela não gosta de futebol.

Eu não conheço nenhum cara que largou a mina porque ela era muito legal.

Eu não conheço nenhum cara que largou a mina porque ela roia muito as unhas.

Eu não conheço nenhum cara que largou a mina porque ela não gostava de filme europeu.

Eu não conheço nenhum cara que largou a mina por conta da tonalidade artificial do cabelo dela.

Eu não conheço nenhum cara que largou a mina porque ela prefere Seu Jorge a Dinosaur Jr.

Eu não conheço nenhum cara que largou a mina porque ela não era ciumenta.

(A minha segunda ex-namorada me largou porque eu não era ciumento.)

Eu conheço caras que largaram as suas namoradas porque queriam largar as suas mãos na bunda do maior número de mulheres possível.

Eu conheço caras que largaram as suas namoradas porque queriam largar as suas mãos na bunda do maior número de mulheres possível.

E eu conheço caras que largaram as suas namoradas porque queriam largar as suas mãos na bunda do maior número de mulheres possível.

A não ser por estes exemplos de múltipla mesmice, o homem sabe valorizar mais as qualidades das mulheres a ponto de ignorar quase por completo os piores defeitos das suas parceiras. “O meu amor por você torna os seus defeitos insignificantes.”

O dia, mulheres, que vocês tiverem a possibilidade de ouvir estas palavras saídas da boca de um homem sendo dirigidas a vocês, tratem de enterrar as suas facas afiadas, de queimar a sua pilha de páginas com fórmulas dispendiosas de futilidade, de retirar os seus sutiãs acolchoados da fogueira, de dar descarga nos seus pôsteres da Sarah Jessica Parker, de doar os seus pôneis, de furar os seus tímpanos enquanto as suas amigas bem-sucedidas tentam os atolar com merda requentada – tratem, enfim, de depositar o seu futuro com os olhos fechados e um belo sorriso estampado no rosto nas mãos desse autêntico cidadão. Eu asseguro que ele fará o inimaginável para deixá-la pavimentar o rumo do próprio destino. Eu asseguro que ele fará o necessário para você não achar que o melhor mesmo é que os outros acham que você deve achar.

Eu retiro tudo que disse caso o autêntico cidadão referido usar peruca.

Os defeitos são inerentes, amar é para poucos.

Às vezes me surpreendo com as minhas cretinices piegas. No entanto, eu considero esse mantra o combustível que rege a minha existência.

Era a missão dela. Ela tinha que sair fora. Carmelino Pão e Vinho viu e sentiu tudo. Os olhos queimaram. A garganta fechou. Carmelino Pão e Vinho viu Miranda fazendo as malas. Viu Miranda sabotar o próprio e-mail. Sentiu que ela arquivava peças íntimas escolhidas de modo aleatório nas frestas mais recônditas de sua memória. Viu e sentiu quando ela encaixotou as suas armas diabólicas – os CDs. Viu e sentiu ao vê-la espalhar as próprias fotos como uma trilha íngreme rumo ao inferno. Talvez tenha sido depois desses contratempos indeléveis que os tímidos choros de Carmelino Pão e Vinho tenham se tornado Tsunamis recorrentes. Ele me via: chorava. Ele via Telmo: chorava. Ele via Rick: chorava. Ele via Rocambole: chorava. Ele se envolveu com uma mina cujo apelido era Demo. “Larga dela, cara.” “Puta, cara... (choro-choro-choro) eu não consigo.” Você a ama?” “Não.” “Então?” “Não dá... (choro-choro-choro) ela é muito fofinha.” Fofinha. Aí ele fez a pior coisa que alguém pode fazer a si mesmo: virou clubber. Indie + Clubber = Terceira Guerra Mundial. Ele passou a usar roupas transadas. Roupas compradas em feiras de cultura GLS. Camisetas com código de barra. Óculos escuros gigantes com armações douradas e lentes amarelas. Sapatênis pomposos número 44. Calças de veludo. Cigarros mentolados e expiração exagerada. Dava medo de andar com ele. Eu andava bem na frente enquanto Telmo segurava a bronca e entrava em acordo com a própria paciência. Quando achávamos que era impossível algo ficar ainda pior, ele começou a jogar RPG pra valer. Indie + Clubber + RPG = AIDS na gengiva. Quando achávamos que era ainda mais improvável algo ficar ainda pior do que o pior com o ainda, ele passou a fazer mágica. Na rua. Para chamar a atenção das garotas. Como um xaveco. Com cartas. Escolha uma carta. Não mostre pra mim. Lembra da carta que escolheu? Não esqueça. Então. Peraí. Só um segundo. É essa? E ele acertava. A carta. Não o xaveco.

O último momento marcante que dividi com Carmelino Pão e Vinho, o resumo supremo da sua personalidade e da de todos os indies radicais do terceiro mundo, aconteceu muitos anos depois de sua última crise de personalidade e da extenuante ressaca pós-Miranda. Ele já era um indie convicto e conformado com a característica instabilidade que se apossa de um entusiasta de Belle and Sebastian nas situações mais ordinárias do dia-a-dia. Eu estava no primeiro ano da faculdade de jornalismo. Ele já estava no quarto ano de publicidade, apesar de ser dois anos mais novo que eu. Quando nem sequer pensávamos que algo surpreendentemente desagradável poderia deixar o mundo um lugar ainda mais inóspito do que essa atuante diarréia de vômito a céu aberto, ele começou a namorar uma indie. Não queira ouvir uma discussão indie. É pretensiosa, afetada, iletrada e não tem o senso de humor lúgubre das discussões de metaleiro. Pior que uma discussão indie, é a demonstração de carinho público entre um casal indie heterossexual. “É melado?” Aposto que deve ser mais melado que esperma de camelo em bochecha ressecada. Havia um bar ao lado da faculdade que eu e Carmelino Pão e Vinho freqüentávamos. Lá não se podia falar palavrão e nem falar alto. Mas podia demonstração de carinho entre casais indies heterossexuais. Como também podia haver uma árvore no meio do banheiro. E também era permitida a presença de gatos pulguentos ao lado do seu copo americano transbordando de cerveja. Eles também davam um sim a hippies que cursavam geografia e que empunhavam um violão desafinado. Como também davam um sim a universitários que cursavam história com as suas diatribes paranóicas contra a Nike, a favor de Yasser Arafat, “Viva Hakim Bey!” e “Quem é Hakim Bey?”. Certo dia eu fugi da aula de Metodologia do Trabalho Científico e fui ao bar para tomar algo bem barato chamado Bavária. Ao entrar, vi que Carmelino Pão e Vinho e sua namorada indie estavam sentados em suas respectivas cadeiras arranhadas situadas em cada ponta da mesa de plástico bamba. Eles estavam com as mãos dadas sobre a mesa. E estavam, meu Deus, olhando um para o outro e... chorando. Pareciam dois guarda-chuvas axadrezados indicados pela revista Simples após serem pegos de surpresa por uma fugaz tempestade de verão. Eu fiquei assustado. Nós, hipocondríacos, temos que ser assustados. É um pré-requisito para entrar no clube. Dores na virilha: câncer. Sede excessiva: diabetes. Dores abaixo da barriga: apendicite ou câncer. Coceira nos olhos: conjuntivite, catarata, glaucoma. Febre: leptospirose, dengue, AIDS, febre amarela, H1N1, Ébola. Ligações de madrugada: morte de um familiar. Alguém gritou gol na rua: gol do Santos. Lágrimas de transeuntes em transportes públicos: traição, aborto, estupro, demissão, rompimento, reprovação, AIDS etc. Então perguntei: “O que aconteceu? Por que estão chorando?” Os dois viraram o pescoço, na minha direção, ao mesmo tempo. Tudo muito bem coreografado. Não havia sorrisos. Só bocas fechadas e relaxadas. Olhos abertos e paisagísticos. Goteiras. Colírios. “Aconteceu alguma coisa com a sua filha?” A namorada indie de Carmelino Pão e Vinho tinha uma filha pequena. “O quê? Aconteceu alguma coisa com a minha filha? Onde está a minha filha?” Eu nunca tinha visto nem uma foto da criança. Quanto menos visitado a Praia Grande, onde a namorada indie de Carmelino Pão e Vinho vivia com a filha. Ah, ela cursava letras. Ah, ela escrevia poemas sobre a força da buceta. Tudo muito lírico, nada de buceta propriamente dita. “Não, tá louca, mina, tá me tirando de pedófilo, caralho?” Brincadeira, eu não falei desse jeito. “Não, eu só to perguntando isso porque os dois tão aí chorando, sabe, aí eu pensei, bem, sabe como é, carros velozes, crianças correndo no meio da rua e.... Então os dois começaram a sorrir pra mim. Um sorriso retardado. Sorriso de iogue. Sorriso Tai Chi Chuan. Sorriso pedófilo pré-ato. Aquele tipo de sorriso que as pessoas dão quando acham que acabaram de ver Jesus. Aquele tipo de sorriso que as pessoas dão quando acham que elas são tão especiais a ponto de Jesus se materializar para dar-lhes um alô. Aquele tipo de sorriso que você dá quando ouve alguém dizer que anteontem viu Jesus na hora do almoço jogando uma pituca de cigarro no chão. Aquele tipo de sorriso que certas pessoas dão por se acharem mais sábias que você. Aquele tipo de sorriso condescendente e imbecil que certas pessoas dão ao acharem que você é imbecil. Ou aquele tipo de sorriso que dei quando aquela pasta cremosa com prazo de validade vencido saiu do meu pau pela primeira vez após chacoalhá-lo ininterruptamente por um minuto embaixo do chuveiro na época em que tomar banho não era nada divertido: a surpresa ao concluir que nem sempre é necessário revolver na lama para encontrar um tesouro. “Léo”, agora ele me chamava de Léeeeeo, “são lágrimas de alegria, cara, sabe por quê?, NÓS VAMOS AO SHOW DO PIXIES!, cara, você sabe o que é isso?, É O PIXIES!, cara, eu e ela vamos ver o PIXIES!, ao vivo, na nossa frente, eles tocando ali, bem ali, pra gente, eu consegui comprar o ingresso, foi meeeeeeeeega disputado, Léeeeeeo, meu deus, cara, que lindo (Lindo!), lindo (Lindo!), lindo (Lindo!), é o PIXIES, meu, você sabe o que é isso?” Sei. Afinal, eu que mostrei o PIXIES pra ele. Afinal, ele que sumiu com uma coletânea dupla que eu tinha do PIXIES. Sumiu também com o meu cd raríssimo do Whirpool. Ele me mostrou o Whirpool. Ou foi Miranda? “Telmo, tenho uma confissão a fazer”, “O que foi, vai assumir?”, “Ainda não, só no dia do casamento do Nestor, daqui a trinta anos, com um negão chamado Antônio”, “Eu já pensei nisso”, “Em casar com um negão chamado Antônio?”, “Não, que o Nestor irá casar com um negão chamado Antônio”, “Tá na cara. Se liga, tenho uma confissão a fazer”, “Faça”, “Eu gosto de Whirpool”, “Nãaaaaaao, Leonardinho, dando munição pro inimigo...”, “Eu até comprei o cd”, “Aquela porra empoeirada que tava jogada na loja do Fera?”, “Exato”, “O Carmelino vai ficar insuportável.” Ele me disse que perdeu o cd do Whirpool e me deu um cd do Diagonal. “Sério? Tu acha que o Diagonal vai compensar o Whirpool?” Eu perdi o cd dele do Sense Field, o Building. Estamos quites. Ele se mudou para São Paulo. Ele tocou por um tempo no Diagonal. Ele se casou e não contou para ninguém. No final do ano passado, numa madrugada de sábado, ele ligou para o meu celular. Ele me convidou para tocar bateria na nova banda dele. Eu disse que não morava mais em São Paulo. Eu não disse que tinha me cansado daquela merda. Eu me cansei de viver naquela merda. Eu meio que disse que não queria tocar mais. Com ninguém. Cansei de ter que depender dos outros para poder realizar as minhas vontades. Banda é isso. Foi a última vez que conversamos.

Carmelino Pão e Vinho não tem nenhuma relevância na história do Nestor. Não esqueçam que esta história, na verdade, embora não pareça, é sobre o Nestor. Carmelino Pão e Vinho foi um mero figurante na História de um breve romance indie cheio de putaria grudenta. O romance que é a força motriz na História de um breve romance cheio de putaria grudenta é o breve romance indie entre Rick e Cristina. Rick não existe. Cristina não existe. Miranda não existe. Cristina é a avó de Miranda.

(Continua na próxima segunda-feira.)