Acordar. Trocar de cama. Beijinhos e abraços matinais. O que era fofinho vira sacanagem. Não gosto quando acaba a sacanagem, quero mais, sou tarado. Minha namorada toma banho. Eu tento invadir o banheiro. Ela trancou a porta. Ela sai enrolada na toalha. Arremeto sobre ela. Ela foge e diz que talvez ela precise cortar o meu pinto. Me sinto o Michael Douglas. Vou para o banho. Saio do banho direto para a privada. Escorrego o moreno. Ou os morenos. Me troco. Ela já tá trocada mas não tá pronta. Escova no cabelo e liga o secador e arruma a franja: “Nossa, minha franja está horrível.” O cabelo dela é lindo. A cor, o comprimento, a forma como ele realça todo o rosto dela e ela faz questão de criticá-lo todo o santo dia. Será que a Jennifer Connelly não gosta da cor dos seus olhos? Será que a Scarlett Johansson está pensando seriamente em diminuir o tamanho daquelas enormes e suculentas tetas? (Que vulgar, tetas, não é? Sou um príncipe, não posso dizer uma coisa dessas.) Então ela vai ao refeitório e eu a acompanho só para fazer companhia mesmo. Ela pega mamão e suco de caju e faz um sanduíche de presunto com queijo e pega leite e coloca três colheres de Nescau e mexe a colher dentro da caneca e o barulho é tlec tlec tlec... Levantamos, vamos até o quarto e fuço dentro da minha mochila e arranco lá de dentro um pacote de bolacha recheada de chocolate Passatempo e abro o frigobar e pego uma Coca Ligth e digo como sempre digo e direi enquanto tiver saúde para expressar exaustivamente essa frase sem graça: “É o café dos campeões!”. Saímos do quarto, está um puta sol e desde que chegamos aqui não choveu e parece que não irá chover tão cedo. Vamos para o centro, à cidade, ao encontro do povo. Depois do primeiro dia, no qual voltamos a pé para a pousada, excluímos da nossa atividade atlética o único e solitário quesito: caminhar. Vamos de carro. Além de mais rápido, ainda podemos cantar “I Am The Walrus” inteira e metade de “Penny Lane” ou “Penny Lane” inteira e metade de “A Day In The Life” ou “A Day In The Life” inteira e metade do som dos pássaros e dos carros ou das pessoas porque a minha namorada já cansou de tanto “I Am The Walrus” e “Penny Lane” e “A Day In The Life”.
Estaciono sempre no mesmo lugar, em frente à praia feia, não, o nome da praia não é praia feia, é que ela é feia mesmo, toda praia é um inferno, o inferno é a praia, quer coisa mais repugnante do que ficar sob um sol de quarenta graus e se queimar todo e um bando de vendedores gritando no seu ouvido e batendo a porra da merda daquele arame na tábua e aí você se suja todo de areia e vai ao mar e o sal existente na água salga toda a pele e tira todo o gosmento protetor solar e ainda imerso na água você imagina o trabalho que dará ter que passar a merda daquele protetor solar novamente e você sai da água e a sua namorada ou a sua mãe - depende com quem você vai à praia - besunta aquela porcaria industrializada que provavelmente deve ser mais nociva do que o próprio sol e passa nas suas costas e no seu rosto e no peito e no braço e você permanece molhado e aquilo começa a grudar na pele e depois lembram de ter esquecido a toalha em casa ou no hotel ou na pousada ou no camping – depende se você mora na praia, não dentro, mas perto; depende da classe social que você faz parte, ou do seu estilo de vida, às vezes você é rico, mas se rebelou contra o sistema e gosta de acampar e curtir a natureza e parar de tomar banho e parar de lavar o rabo ou deixar mãos peludas alheias lavarem o seu rabo – e você está todo encharcado daquela água nojenta cheia de fezes e musgo e sangue de peixes mortos e urina podre e o sol inclemente bate nas costas e o protetor solar é quinze porque a sua namorada ou mãe ou amiga ou amante ou namorado – desculpa, mas não sei bem quem está lendo este texto – não é altruísta o bastante e nem suficientemente inteligente para intuir que você não é nada brasileiro, principalmente de espírito, e parece mais um urso polar manso porém mal-humorado, às vezes brincalhão, sobretudo quando está tomando uma cerveja em um local fechado e frio, e precisa de um protetor solar número trinta, quarenta, cinqüenta mil, e você sabe que a imaginação é inimiga da perfeição e quando está tudo mais que perfeito é que a imaginação está mentindo pra você, e então você começa a imaginar a insônia que você terá devido à ardência insuportável que as suas costas – parecem chamas, parecem chamas, fogo!, fogo!, fogo! -, os seus braços, o seu rosto, todo todo todo o seu corpo irá sofrer depois de passar algumas horas sendo tostado pelo sol e para cagar um pouco mais a situação a sua namorada ou a sua mãe ou o seu amante ou o seu amigo, colorido ou não, ou a sua avó ou o seu irmão ou o seu dinossauro o informa que, embora a praia esteja linda, a vida é bela, as crianças já dizem mamãe, o vovô já se curou da hemorróida, esquecemos de trazer à praia o guarda-sol e tá tanto calor, tanto calor, você pensa até em morrer, começa a sentir saudades do Alaska para o qual você nunca foi, começa a xingar o Brasil por ser um país tropical e calorento e chega à inevitável e infeliz conclusão de que você precisa entrar mais uma vez no mar para se refrescar só um pouquinho, porque nesse calor não dá, não dá mesmo, não dá pra respirar, sorrir, viver... E você sai correndo que nem uma gazela bicolor e cai de barriga na água e mete a boca sem querer em um pedaço de fezes extirpado do ânus de uma criança cheia de brotoejas e você brada em direção aos céus, urra em direção ao sol da mesma forma que urra o lobo em direção à lua cheia, e o sal de novo está impregnado no seu corpo e o calor piora vertiginosamente e o sol queima e queima, “não, não precisa acender o cigarro no isqueiro, pode acender nas minhas costas, caralho!”, e você não quer mais protetor solar, não quer mais praia, não quer ver mais gostosas de biquíni sorridentes, pessoas despencando do banana-boat, vendedores gritando, vendedores vestidos de Pokemon naquele puta calor, “Deus, como será que eles conseguem”, não quer mais cerveja, tira esse limão daqui, não tem guarda sol, não tem guarda sol, eu não posso, não, eu não posso deitar na areia, mas deita, deita molhado para fuder com tudo e principalmente com você, e a água gruda na areia que gruda na água que vira lama que entra em contato com o sol e com a pele e com a bunda e você já se transformou em um bife à milanesa e está empanado e se encontra pronto para morrer!