segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Sobre Santos e Demônios - a crítica cinematográfica não precisa se perpetuar no seu insosso tratado filosófico hermeticamente imbecil


Sente a vibe. A positividade da vibe positiva. As bolhas nascendo sob os seus pés. A inevitabilidade do saudosismo. A marofa da maconha fritando os neurônios de algum fã do Ney Matogrosso. Pode ser também do Planta e Raiz. Pode encontrar aquele cara em algum ritual da Bola de Neve. Ouvirá histórias do muleke brother do surf que traficava ecstasy prum bando de playboy lá na Ponta da Praia e agora, graças ao senhor antes de tudo, e também graças ao ex-cliente, ex-viciado em crack, ex-cleptomaníaco e ex-vândalo que pichava desgostos sob a vista grossa dos magricelas novos ricos que, indiretamente, estão envolvidos com o entretenimento de todos nós, encontrou o caminho da salvação seguindo os passos do Jesus Cristinho. É familiar a história do menino de classe-média de olhos claros e cabelos lisos queimados pelo sol e pela parafina que foi encontrado sem a cabeça e com o corpo imerso no fundo do rio com as costas cravejadas por três tiros de calibre doze? – quem viu conta que dava para ver realmente atravéeeeeessss dele. Lá se pode encontrar também o homem que tomou tanto tiro que ficou conhecido como Peneira. O rapaz que teve que fugir de madrugada da cidade por ter sido flagrado em um vídeo pornô sendo sodomizado enquanto mordia o tronco grosso de uma árvore centenária. O garotinho que teve o rosto deformado pelo fogo e que é municipalmente conhecido como Churrasquinho. O retardado que jogou uma cobra de borracha, “só quis brincar, porra!”, sobre uma mulher grávida que acabou perdendo o bebê meses depois. O menino que perdeu a vida por causa de uma vida. O menino que perdeu a vida por causa de uma pipa. O menino que perdeu a vida e a pipa. O menino que perdeu a vida por causa de uma mina. O menino que perdeu a pica. O menino que perdeu a pipa, o pai, a mãe, os irmãos, o sorriso, o namorado, a virgindade anal, mas que ainda não perdeu a vida nem a pica que não se encaixou bem para o seu gosto pleno de heterofobia. “Me alembro duns mininu que vinha até aqui na locadora alugá ‘Instintu Selvage’ purque num tinha idade para alugá fita de sacanagi.” Falava-se mixa. Dizia-se (ainda se diz) fita. Puli ou pule. Cagibrina ou Catirela. “A minha prima disse que o cara que mora no 715 é mó ‘bomba fofo’”. Há anos existia um cumprimento diferente, um toque - “um toca aqui, tá ligado?” – para cada bairro diferente. Havia uma padaria que era o ponto de encontro de todos os jovens da cidade. Dava pra se embriagar dentro do “ainda único” shopping e esperar ser expulso pelos seguranças. Dava pra ver as minas bêbadas mijando na praia. Olha que às vezes ocorria a situação (ou o clamor) em que os garotos tiravam (não havia força, havia até colaboração) as calças das meninas e cheiravam as suas calcinhas e pediam para elas chuparem o pau deles e algumas chupavam, outras não, outras falavam “que nojo”, outras saiam correndo, gritando, havia certa alegria ninfomaníaca naqueles rostos, outras mordiam o pau dos caras e os deixavam sangrando estatelados na areia áspera do arrependimento. Jovens ficavam na rua até tarde, andando de skate, magros pela ausência de cerveja, pinga!, pinga!, pinga!, gin!, lançando bicicletas desprovidas de quem as conduzisse nos cruzamentos atolados de carros a 80 Km por alguns segundos, caia pra 70, caia a noite e chegava a 120, alguns sem os faróis ligados, a brincadeira da roleta-russa que nunca acabou em tragédia, não havia radares tendenciosos, bafômetros inexoráveis, havia muros para serem derrubados, pneus para serem gastos, encontros em postos de gasolina a serem explorados, porta-malas a serem abertos, sons para serem exteriorizados, desafiados, madrugadas para serem perdidas em frente à televisão, zapeando imagens oleosas da Flipside Video de tantas batatas fritas com gosto de isopor. Ainda continua vivo o cachorro chamado Sabbath? O que é melhor: hardcore melódico ou old school? New York Hardcore ou Venice Beach Hardcore? Jello Biafra ou Ian Mackaye? Beastie Boys ou Wu - Tang Clan? 7 Seconds ou Black Flag? Metallica ou Pantera? NOFX ou Pennywise? A ala A do lado B do prédio C responde: “NOFX, lógico.” AC/DC ou Guns And Roses?
O currículo consta somente que ele jogou Nintendo a vida toda e namorou a menina que acreditava que o mundo era reto. A biografia denuncia de maneira pungente que ele adquiriu autoconhecimento quando se apaixonou perdidamente e ficou perdidamente perdido por ter perdido objeto de sua paixão. A história de vida mostra que ele roubou a namorada de um cara que reconquistou a namorada que ele havia roubado reconquistando assim a namorada que antes era do cara depois dele depois do cara e agora de novo dele provocando uma fúria cega no cara que anos depois inexplicavelmente o acabou salvando da morte o segurando quando o corrimão de ferro cedeu e todas as pessoas caíram e seis pessoas morreram esmagadas pisoteadas afogadas sem o auxílio da água e ele (o cara que havia perdido a primeira vez) que havia perdido recuperado perdido e jurado que seria eternamente inimigo do homem que roubou o seu amor “por enquanto” para sempre provou que animal que se julga indelevelmente ferido acaba por acabar a ceder à bondade inerente característica dos falsos homens durões que mesmo traídos salvam a vida dos seus inimigos.
Santos e Demônios é isso. Saudades multifacetadas, arrependimentos inevitáveis e reencontro com a dor.
O pouco de você que existia no passado. O pouco de todos nós que existe hoje.

PS: Não se perdia tempo analisando o quão estupidamente estúpidos iríamos nos achar no futuro por passarmos graxa no rosto e cuspirmos na própria cara. Na nossa própria, sem sócios, cara!

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