terça-feira, 28 de abril de 2009

Houve uma época na vida de todos nós na qual acreditávamos que éramos a maior invenção do homem

Através da janela da sala 102 do curso de Jornalismo Cultural na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC, há imagens cotidianas que os meus olhos, em um jogo estúpido, invasivo e viciante, tentam transformar em peças fotográficas das quais a imensa maioria (não me recordo de nenhuma no momento, talvez todas) queima. Eu viro o meu pescoço para o lado direito. Eu viro o meu pescoço para o lado esquerdo. Eu solto o peso da cabeça para tocar os ombros com a orelha em busca de ângulos. Novos ângulos. Uns atrás dos outros e todos atrás do irrevogável anonimato. Coloco a palma da minha mão direita sobre o meu olho direito - que se mantém aberto -, e fecho o olho esquerdo, descortinando em seguida, lentamente, os dedos da minha mão direita, como frestas, para sentir uma espécie de renascimento - a força indomável que a luz proporciona quando, segundos antes, nada se via além do eterno breu. Esfrego sofregamente ambos os olhos para que a turvação provocada pela fricção manual conceba uma visão inesquecível que não será vista nem lembrada por ninguém. Nem por mim. Tampo os ouvidos com força para ouvir as funções do meu corpo que retumbam silenciosamente enquanto faço sons com a boca. Roçando a língua no céu da boca. Estalando os lábios. Batendo os dentes. Bum! Pá! Bum! Pá! De modo que, automaticamente, tamborilo os meus dedos sobre mesas de madeira, de fórmica, de plástico, sobre embalagens de acrílico, em cima de bolsas de couro, nos bancos do metrô, em caixas de pastilha, em garrafas de cervejas importadas de um litro, na lataria de carros alheios, nas próprias nádegas, nos maxilares, no rosto, em caixas de fósforo envelhecidas pelo o abandono do recém assumido ex-fumante que, como todos à minha volta, bate os seus pés no intuito de marcar o ritmo de uma música que trava batalha, nesse momento, ontem, daqui a duas horas, cinco anos, antes da morte, contra a manutenção contínua e sacal que a sanidade estabelecida infligi à liberdade inerente que prega que todo e qualquer ser humano tem o direito de ser um artista não profissional.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

... Há dois anos atrás. Longe de casa. Perto de quem ama.

Já andou sobre as nuvens? Não? Nem eu. E nem posso dizer que esse sentimento atual é parecido. Me sinto feliz. Feliz pra caralho!
- Se você tiver que falar com algum escritor importante, um escritor do qual gosta bastante, como você se apresentaria? – questiona a minha namorada, ambos estamos sentados na mesa de um bar, tomando um chope, vendo três crianças se matarem de porrada, mas só de brincadeirinha, o nariz de uma tá sangrando, mas nada disso importa, as três podem até morrer, não vou perder o meu sorriso de jeito nenhum.
- Ah, sei lá, talvez como jornalista e escritor frustrado, ou aspirante a jornalista frustrado por saber que serei um jornalista frustrado por ser um escritor frustrado, ou quase formado em jornalismo e pronto para montar um bar que vende cerveja barata de garrafa, porção de amendoim, que passa jogo do Corinthians que não é transmitido para a T.V aberta e que a cada gol do Corinthians todas as mulheres que estiverem no meu recinto, ou seja, no meu bar, terão que tirar uma peça de roupa...
Minha namorada foi dormir, ela está com dor de cabeça e cólica. TPM. Eu resolvi dar um rolê pela cidade até o início da palestra do Jim Dodge. Entrei em um sebo e comprei um livro do Millôr Fernandes. Entrei em uma sorveteria e pedi um sorvete de chocolate e o sorvete derreteu um pouco e fodeu com a minha camiseta. São 16:15 e daqui a pouco serão cinco horas. Eu acabei de me perder e me encontrei no espelho. Engordei uns dois quilos, é visível, a barriga já está saliente. Não tenho convite para a Tenda dos Autores e nem a bilheteria tem convite para quem quer ir à Tenda dos Autores. O ingresso custa vinte reais.
Decido ficar na Praça da Matriz e assistir à palestra no telão. Tradução simultânea. Muitas pessoas agem da mesma forma, o que esperar de um bando de neo-hippies? Opulência? Jamais. À minha volta dezenas e dezenas de casais se abraçam e se refestelam com a cabeça apoiada sobre as coxas dos seus parceiros. Eles me olham como um solitário, um trovador em busca de inspiração, um coitado. O sol está forte e à noite é hora do frio. As crianças correm em busca do nada. Você perde energia e já era a infância. Algumas pessoas se conhecem e mutuamente se atraem. Outras pessoas se conheceram há alguns minutos e mutuamente se atracam.
Jim Dodge é apresentado no telão. Jim Dodge diz “Hi”. O tradutor diz “Oi”. O público responde “Oi”, alguns idiotas dizem “Hi”. As pessoas acham que estão no cinema. Os casais apaixonados. Por que ela não vem? Por que ela não está aqui? Você faz de tudo para ser diferente dos outros mas no fim tudo o que você quer é ser igual a todo mundo. Não se sentir sozinho. O escritor inglês Will Self diz “Hello”. “Olá.” “Hello.”
Este momento, aqui e agora, agora e aqui, tinha tudo para ser inesquecível. É a mesma coisa quando você encontra o cenário perfeito para tirar uma foto, mas a droga do passarinho acabou voando. A mulher de blusa vermelha piscou. O gordo atrapalhou. Não tem memória.
- Nossa, eu vim correndo, pensei que fosse perder.
- E aí, melhorou?
- Ainda tá doendo um pouquinho. Vem, coloca a cabeça aqui no meu colo.
- Não vai machucar você?
- Não.
- Estava com saudades.
- Eu sabia, por isso que eu vim.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Cloaca PO(bre ou dre) #7


Dissidência Yanni

“Certas bandas deveriam ter morrido nos anos 90. Por exemplo, o Weezer. O Weezer é tão anos 90”, diz um paspalho que está sentado à mesa ao lado da minha, num bar meio indie, meio garotas de classe-média adeptas do visual e das atitudes da Tropicália, meio garotinhos barulhentos de mochilinhas nas costas pincelados pelo rímel da mamãe, meio gordinhos solitários de camiseta pólo listrada que não comem nada vivo e que geme de voz fina, meio scream emo’s, meio gritinhos agudos, meio gritinhos graves, um grita, outro canta, a guitarra oitava, eu peido e silencio, o garotinho oferece uma rosa por um real, “que cheiro podre é esse?, será que é da cozinha?”, um cara oferece um ursinho perfumado, “já conhece o trabalho?”, “já!”, ele vai embora, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, o ambulante anuncia, a sirene de uma ambulância ressoa, alguém assoa o nariz e catarra o x-salada, a crentaiada ri, “Calypsooollll” ribomba a 120 por hora num filmadão com farol xenon, a hora passa, Altas Horas começa, “A Xuxa na T.V!”, exclama o passado da garota neo-hippie que, segundos atrás, discutia (tava mais para um seminário) a atuação do Benício Del Toro no filme “Che”. “Atchim.” A descarga quebra. A merda bóia. O espirro cospe o verde a meio metro do meu pé e o idiota acrescenta: “Tão anos 90, cara”. Projeto mentalmente o que seria a opinião dele sobre os Sex Pistols: “Muito 70, meu, muita tachinha, casaco de couro, coturno, coleira, muito Londres, muita Anarquia, punk demais pra mim”. Projeto por meio do meu intelecto o que ele diria sobre Bob Dylan: “Tão 60, América, Guerra do Vietnã, rancho e cidade, chapéu de coro amassado, capim demais, feno rolando, boi, muuu, gaita de boca, poesia beat, sexo livre, maconha no talo, revolta, paz, ai, so out, tô fora”. Chego à conclusão que é por essas e outras como muitas outras pessoas como essa que um tipo como Babe, Terror consegue fazer shows em Berlim e ser respeitado mesmo com o rótulo (quem rotula, anula, diria o sábio (eu) que jura que de fruta só come buceta) ‘No age’ ou ‘Temperature’.
“O que será que deve ser, hein? Tipo uma Enya que diz não?”
“Pode ser, mas não deve ser um não peremptório, tipo NÃÃÃO!, tá ligado. Provavelmente é um não mais lombradão, sonolento, um não que o Dalai Lama daria: ‘Nãããããããããããããoooooouuuuuuuuuuuuuuummmmmmm’, ‘nããããããooooooooouuuuuuummmmmmm’, sacou?”
“Um Nãããããããoooooooouuuuuuuuuummmmmmm Wave?”
“Por aí, acho que sim.”
“1x1 igual a uuuuuuuuuummmmmmmmm...”
“Hahahahahaha, captou o espírito da coisa.”
“E esse tal de Temperature?”
“Deve ter algo a ver com o clima.”
“O som que rola na sauna.”
“Rola som na sauna?”
“Sei lá, brother, nunca fui.”
“Ele deve fazer parte da dissidência new age.”
“Saquei, uma espécie de fusão de Noah Chomsky com Yanni.”
“Por aí, Yanni Chomsky.”
“O new age defende o quê?”
“Uma nova era, hippies saudáveis que não se drogam e ainda fomentam o espírito natalino em cada cidadão que convive consigo.”
“Era uma vez um pato cego...”
“Não esse tipo de era, caralho! Mas se fosse esse tipo de ‘era’, seria algo como ‘Não era uma vez um pato broxa...’ Pescou?"
“O quê, peixe?”
“Quê?”
Pés sujos adensam a sujeira da superfície imunda do bar que pela manhã é padaria, à tarde é pedraria e jogo do bicho, à noite um arremedo de calvário, clube magic, o filme que você curte eu não curto, ele fode melhor ligado na anfeta, semana que vem tem rave em Caruara não chama aquele cara de pau grande porque ele me machucou muito na outra vez, cê viu o Brito Júnior dançando na Record ontem?, montei uma banda sem guitarra sem baixo sem bateria sem integrantes (sem vírgula) quer embarcar comigo nessa jornada?, “Spinal Tap é muito anos 80 querendo parecer anos 70, muito cabelos grandes com franjas curtas, muita roupa colorida, muito humor inglês, muito sarcasmo, muita ironia, nonsense, que tédio mais anacrônico”. A loira peituda espraia sua protuberância por meio do decote escancarado e recebe o desagrado já deliberado por ela, por isso ela faz teatro, ignora Bertolt Brecht, “quem é Beckett?”, e se inscreveu, lamentavelmente dessa vez não aconteceu, “faltou um boquete documentado em digital oriunda das férias de Miami em que dei o calote?”, do Big Brother Brasil:
“Nossa, que peitão”.
“Mas o que é isso, seu grosso, que jeito idiota de tratar uma mulher!”
“Por que tu anda com esses peitão levantado neste puta (apontando com o mesmo indicador que serve de talher para a degustação nasal) arromba decote?”
“Para me sentir bonita, para me sentir bem, eu não me visto para os outros, eu me visto para mim mesma!”
“Então por que não fica em casa vestida deste jeito? Não sai, fica olhando para o espelho, olhe para o seu decote, olhe para os seus peitos, e diga: ‘Nossa, como eu me sinto bem comigo mesma, eu não preciso sair por aí para que ninguém fique me elogiando, já decidi, próxima vez que eu for para a balada, vou de túnica!’”
“The Clash é muito segunda metade da década de 70, muito rock militante, boininha, uniforme camuflado, revolução, amálgama sonoro, união de raças, branco tocando reggae, futebol, cerveja de pub, grito de guerra, início da década de 80, disco, invasão em Nova York, ahhhh, que coisa horrível!” A crítica exige que os artistas se renovem continuamente. Os artistas subjugados pela crítica desconhecem que a inovação, impreterivelmente, jamais será deliberada, portanto, por essa falta de sensibilidade, ou melhor, de vergonha na cara e auto-suficiência, imergem em iniciativas que até crianças mongolóides seriam capazes de fazer melhor. Por que a crítica não se renova? Crítica em forma de arte. (Nas próximas semanas mergulharei a fundo – até onde os meus pés podem alcançar – nesse assunto.)
O tempo escoa enquanto o balconista côa o leite do bêbado descarnado do futuro idílico. Barriga cheia, quem sobrou no lugar só pode ser alcoólatra, momento propício pra pulverizar a vontade de “ficar só mais um pouco, a saideira, vai, mais uminha, caralho, amanhã é domingo, ninguém trabalha, todo mundo pode acordar tarde”. Alguém diz ouvir, ao longe, a canção do galo que serve de arauto para a chegada de mais um amanhecer: “Deixe eu anotar aqui no meu caderno – vinte e cinco anos, dois meses e três dias de existência, vivo, vivo igual a uma ameba perdida incrustada num corpo de elefante”. “Nossa, esse negócio de galo é muito cidade do interior, muito criação de galinha, muito ovos frescos, muito leite tirado da vaca, muito sexo com cabra, sô, porrrrta, merrrrda, vó alegre, o melhor céu estrelado da minha vida, solta os labradores porque aqui não há estorvos, dormir às 23:00, acordar às 6:00, com a canção do arauto da chegada de mais um dia, o galo filho da puta, mas que merda!”