Dissidência Yanni
“Certas bandas deveriam ter morrido nos anos 90. Por exemplo, o Weezer. O Weezer é tão anos 90”, diz um paspalho que está sentado à mesa ao lado da minha, num bar meio indie, meio garotas de classe-média adeptas do visual e das atitudes da Tropicália, meio garotinhos barulhentos de mochilinhas nas costas pincelados pelo rímel da mamãe, meio gordinhos solitários de camiseta pólo listrada que não comem nada vivo e que geme de voz fina, meio scream emo’s, meio gritinhos agudos, meio gritinhos graves, um grita, outro canta, a guitarra oitava, eu peido e silencio, o garotinho oferece uma rosa por um real, “que cheiro podre é esse?, será que é da cozinha?”, um cara oferece um ursinho perfumado, “já conhece o trabalho?”, “já!”, ele vai embora, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, o ambulante anuncia, a sirene de uma ambulância ressoa, alguém assoa o nariz e catarra o x-salada, a crentaiada ri, “Calypsooollll” ribomba a 120 por hora num filmadão com farol xenon, a hora passa, Altas Horas começa, “A Xuxa na T.V!”, exclama o passado da garota neo-hippie que, segundos atrás, discutia (tava mais para um seminário) a atuação do Benício Del Toro no filme “Che”. “Atchim.” A descarga quebra. A merda bóia. O espirro cospe o verde a meio metro do meu pé e o idiota acrescenta: “Tão anos 90, cara”. Projeto mentalmente o que seria a opinião dele sobre os Sex Pistols: “Muito 70, meu, muita tachinha, casaco de couro, coturno, coleira, muito Londres, muita Anarquia, punk demais pra mim”. Projeto por meio do meu intelecto o que ele diria sobre Bob Dylan: “Tão 60, América, Guerra do Vietnã, rancho e cidade, chapéu de coro amassado, capim demais, feno rolando, boi, muuu, gaita de boca, poesia beat, sexo livre, maconha no talo, revolta, paz, ai, so out, tô fora”. Chego à conclusão que é por essas e outras como muitas outras pessoas como essa que um tipo como Babe, Terror consegue fazer shows em Berlim e ser respeitado mesmo com o rótulo (quem rotula, anula, diria o sábio (eu) que jura que de fruta só come buceta) ‘No age’ ou ‘Temperature’.
“O que será que deve ser, hein? Tipo uma Enya que diz não?”
“Pode ser, mas não deve ser um não peremptório, tipo NÃÃÃO!, tá ligado. Provavelmente é um não mais lombradão, sonolento, um não que o Dalai Lama daria: ‘Nãããããããããããããoooooouuuuuuuuuuuuuuummmmmmm’, ‘nããããããooooooooouuuuuuummmmmmm’, sacou?”
“Um Nãããããããoooooooouuuuuuuuuummmmmmm Wave?”
“Por aí, acho que sim.”
“1x1 igual a uuuuuuuuuummmmmmmmm...”
“Hahahahahaha, captou o espírito da coisa.”
“E esse tal de Temperature?”
“Deve ter algo a ver com o clima.”
“O som que rola na sauna.”
“Rola som na sauna?”
“Sei lá, brother, nunca fui.”
“Ele deve fazer parte da dissidência new age.”
“Saquei, uma espécie de fusão de Noah Chomsky com Yanni.”
“Por aí, Yanni Chomsky.”
“O new age defende o quê?”
“Uma nova era, hippies saudáveis que não se drogam e ainda fomentam o espírito natalino em cada cidadão que convive consigo.”
“Era uma vez um pato cego...”
“Não esse tipo de era, caralho! Mas se fosse esse tipo de ‘era’, seria algo como ‘Não era uma vez um pato broxa...’ Pescou?"
“O quê, peixe?”
“Quê?”
Pés sujos adensam a sujeira da superfície imunda do bar que pela manhã é padaria, à tarde é pedraria e jogo do bicho, à noite um arremedo de calvário, clube magic, o filme que você curte eu não curto, ele fode melhor ligado na anfeta, semana que vem tem rave em Caruara não chama aquele cara de pau grande porque ele me machucou muito na outra vez, cê viu o Brito Júnior dançando na Record ontem?, montei uma banda sem guitarra sem baixo sem bateria sem integrantes (sem vírgula) quer embarcar comigo nessa jornada?, “Spinal Tap é muito anos 80 querendo parecer anos 70, muito cabelos grandes com franjas curtas, muita roupa colorida, muito humor inglês, muito sarcasmo, muita ironia, nonsense, que tédio mais anacrônico”. A loira peituda espraia sua protuberância por meio do decote escancarado e recebe o desagrado já deliberado por ela, por isso ela faz teatro, ignora Bertolt Brecht, “quem é Beckett?”, e se inscreveu, lamentavelmente dessa vez não aconteceu, “faltou um boquete documentado em digital oriunda das férias de Miami em que dei o calote?”, do Big Brother Brasil:
“Nossa, que peitão”.
“Mas o que é isso, seu grosso, que jeito idiota de tratar uma mulher!”
“Por que tu anda com esses peitão levantado neste puta (apontando com o mesmo indicador que serve de talher para a degustação nasal) arromba decote?”
“Para me sentir bonita, para me sentir bem, eu não me visto para os outros, eu me visto para mim mesma!”
“Então por que não fica em casa vestida deste jeito? Não sai, fica olhando para o espelho, olhe para o seu decote, olhe para os seus peitos, e diga: ‘Nossa, como eu me sinto bem comigo mesma, eu não preciso sair por aí para que ninguém fique me elogiando, já decidi, próxima vez que eu for para a balada, vou de túnica!’”
“The Clash é muito segunda metade da década de 70, muito rock militante, boininha, uniforme camuflado, revolução, amálgama sonoro, união de raças, branco tocando reggae, futebol, cerveja de pub, grito de guerra, início da década de 80, disco, invasão em Nova York, ahhhh, que coisa horrível!” A crítica exige que os artistas se renovem continuamente. Os artistas subjugados pela crítica desconhecem que a inovação, impreterivelmente, jamais será deliberada, portanto, por essa falta de sensibilidade, ou melhor, de vergonha na cara e auto-suficiência, imergem em iniciativas que até crianças mongolóides seriam capazes de fazer melhor. Por que a crítica não se renova? Crítica em forma de arte. (Nas próximas semanas mergulharei a fundo – até onde os meus pés podem alcançar – nesse assunto.)
O tempo escoa enquanto o balconista côa o leite do bêbado descarnado do futuro idílico. Barriga cheia, quem sobrou no lugar só pode ser alcoólatra, momento propício pra pulverizar a vontade de “ficar só mais um pouco, a saideira, vai, mais uminha, caralho, amanhã é domingo, ninguém trabalha, todo mundo pode acordar tarde”. Alguém diz ouvir, ao longe, a canção do galo que serve de arauto para a chegada de mais um amanhecer: “Deixe eu anotar aqui no meu caderno – vinte e cinco anos, dois meses e três dias de existência, vivo, vivo igual a uma ameba perdida incrustada num corpo de elefante”. “Nossa, esse negócio de galo é muito cidade do interior, muito criação de galinha, muito ovos frescos, muito leite tirado da vaca, muito sexo com cabra, sô, porrrrta, merrrrda, vó alegre, o melhor céu estrelado da minha vida, solta os labradores porque aqui não há estorvos, dormir às 23:00, acordar às 6:00, com a canção do arauto da chegada de mais um dia, o galo filho da puta, mas que merda!”
“Certas bandas deveriam ter morrido nos anos 90. Por exemplo, o Weezer. O Weezer é tão anos 90”, diz um paspalho que está sentado à mesa ao lado da minha, num bar meio indie, meio garotas de classe-média adeptas do visual e das atitudes da Tropicália, meio garotinhos barulhentos de mochilinhas nas costas pincelados pelo rímel da mamãe, meio gordinhos solitários de camiseta pólo listrada que não comem nada vivo e que geme de voz fina, meio scream emo’s, meio gritinhos agudos, meio gritinhos graves, um grita, outro canta, a guitarra oitava, eu peido e silencio, o garotinho oferece uma rosa por um real, “que cheiro podre é esse?, será que é da cozinha?”, um cara oferece um ursinho perfumado, “já conhece o trabalho?”, “já!”, ele vai embora, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, “dvd, dvd, dvd, PIRATA!”, o ambulante anuncia, a sirene de uma ambulância ressoa, alguém assoa o nariz e catarra o x-salada, a crentaiada ri, “Calypsooollll” ribomba a 120 por hora num filmadão com farol xenon, a hora passa, Altas Horas começa, “A Xuxa na T.V!”, exclama o passado da garota neo-hippie que, segundos atrás, discutia (tava mais para um seminário) a atuação do Benício Del Toro no filme “Che”. “Atchim.” A descarga quebra. A merda bóia. O espirro cospe o verde a meio metro do meu pé e o idiota acrescenta: “Tão anos 90, cara”. Projeto mentalmente o que seria a opinião dele sobre os Sex Pistols: “Muito 70, meu, muita tachinha, casaco de couro, coturno, coleira, muito Londres, muita Anarquia, punk demais pra mim”. Projeto por meio do meu intelecto o que ele diria sobre Bob Dylan: “Tão 60, América, Guerra do Vietnã, rancho e cidade, chapéu de coro amassado, capim demais, feno rolando, boi, muuu, gaita de boca, poesia beat, sexo livre, maconha no talo, revolta, paz, ai, so out, tô fora”. Chego à conclusão que é por essas e outras como muitas outras pessoas como essa que um tipo como Babe, Terror consegue fazer shows em Berlim e ser respeitado mesmo com o rótulo (quem rotula, anula, diria o sábio (eu) que jura que de fruta só come buceta) ‘No age’ ou ‘Temperature’.
“O que será que deve ser, hein? Tipo uma Enya que diz não?”
“Pode ser, mas não deve ser um não peremptório, tipo NÃÃÃO!, tá ligado. Provavelmente é um não mais lombradão, sonolento, um não que o Dalai Lama daria: ‘Nãããããããããããããoooooouuuuuuuuuuuuuuummmmmmm’, ‘nããããããooooooooouuuuuuummmmmmm’, sacou?”
“Um Nãããããããoooooooouuuuuuuuuummmmmmm Wave?”
“Por aí, acho que sim.”
“1x1 igual a uuuuuuuuuummmmmmmmm...”
“Hahahahahaha, captou o espírito da coisa.”
“E esse tal de Temperature?”
“Deve ter algo a ver com o clima.”
“O som que rola na sauna.”
“Rola som na sauna?”
“Sei lá, brother, nunca fui.”
“Ele deve fazer parte da dissidência new age.”
“Saquei, uma espécie de fusão de Noah Chomsky com Yanni.”
“Por aí, Yanni Chomsky.”
“O new age defende o quê?”
“Uma nova era, hippies saudáveis que não se drogam e ainda fomentam o espírito natalino em cada cidadão que convive consigo.”
“Era uma vez um pato cego...”
“Não esse tipo de era, caralho! Mas se fosse esse tipo de ‘era’, seria algo como ‘Não era uma vez um pato broxa...’ Pescou?"
“O quê, peixe?”
“Quê?”
Pés sujos adensam a sujeira da superfície imunda do bar que pela manhã é padaria, à tarde é pedraria e jogo do bicho, à noite um arremedo de calvário, clube magic, o filme que você curte eu não curto, ele fode melhor ligado na anfeta, semana que vem tem rave em Caruara não chama aquele cara de pau grande porque ele me machucou muito na outra vez, cê viu o Brito Júnior dançando na Record ontem?, montei uma banda sem guitarra sem baixo sem bateria sem integrantes (sem vírgula) quer embarcar comigo nessa jornada?, “Spinal Tap é muito anos 80 querendo parecer anos 70, muito cabelos grandes com franjas curtas, muita roupa colorida, muito humor inglês, muito sarcasmo, muita ironia, nonsense, que tédio mais anacrônico”. A loira peituda espraia sua protuberância por meio do decote escancarado e recebe o desagrado já deliberado por ela, por isso ela faz teatro, ignora Bertolt Brecht, “quem é Beckett?”, e se inscreveu, lamentavelmente dessa vez não aconteceu, “faltou um boquete documentado em digital oriunda das férias de Miami em que dei o calote?”, do Big Brother Brasil:
“Nossa, que peitão”.
“Mas o que é isso, seu grosso, que jeito idiota de tratar uma mulher!”
“Por que tu anda com esses peitão levantado neste puta (apontando com o mesmo indicador que serve de talher para a degustação nasal) arromba decote?”
“Para me sentir bonita, para me sentir bem, eu não me visto para os outros, eu me visto para mim mesma!”
“Então por que não fica em casa vestida deste jeito? Não sai, fica olhando para o espelho, olhe para o seu decote, olhe para os seus peitos, e diga: ‘Nossa, como eu me sinto bem comigo mesma, eu não preciso sair por aí para que ninguém fique me elogiando, já decidi, próxima vez que eu for para a balada, vou de túnica!’”
“The Clash é muito segunda metade da década de 70, muito rock militante, boininha, uniforme camuflado, revolução, amálgama sonoro, união de raças, branco tocando reggae, futebol, cerveja de pub, grito de guerra, início da década de 80, disco, invasão em Nova York, ahhhh, que coisa horrível!” A crítica exige que os artistas se renovem continuamente. Os artistas subjugados pela crítica desconhecem que a inovação, impreterivelmente, jamais será deliberada, portanto, por essa falta de sensibilidade, ou melhor, de vergonha na cara e auto-suficiência, imergem em iniciativas que até crianças mongolóides seriam capazes de fazer melhor. Por que a crítica não se renova? Crítica em forma de arte. (Nas próximas semanas mergulharei a fundo – até onde os meus pés podem alcançar – nesse assunto.)
O tempo escoa enquanto o balconista côa o leite do bêbado descarnado do futuro idílico. Barriga cheia, quem sobrou no lugar só pode ser alcoólatra, momento propício pra pulverizar a vontade de “ficar só mais um pouco, a saideira, vai, mais uminha, caralho, amanhã é domingo, ninguém trabalha, todo mundo pode acordar tarde”. Alguém diz ouvir, ao longe, a canção do galo que serve de arauto para a chegada de mais um amanhecer: “Deixe eu anotar aqui no meu caderno – vinte e cinco anos, dois meses e três dias de existência, vivo, vivo igual a uma ameba perdida incrustada num corpo de elefante”. “Nossa, esse negócio de galo é muito cidade do interior, muito criação de galinha, muito ovos frescos, muito leite tirado da vaca, muito sexo com cabra, sô, porrrrta, merrrrda, vó alegre, o melhor céu estrelado da minha vida, solta os labradores porque aqui não há estorvos, dormir às 23:00, acordar às 6:00, com a canção do arauto da chegada de mais um dia, o galo filho da puta, mas que merda!”
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