segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

8 de junho de 2007, 23:53


Ao lado do Perequê Praia Show tem um bar. O Perequê Praia Show fica no mesmo lugar onde antes era o Avelinos. Eu, na minha juventude, fui muito ao Avelinos. Já beijei muitas garotas no Avelinos. Algumas bonitas, outras feias e outras terríveis. Também já caguei no banheiro do Avelinos. Vomitei no banheiro do Avelinos. Já rolei pela escadaria do Avelinos. Já arrumei briga no Avelinos, mas nunca apanhei. Nem bati. Muito menos uma punheta. Entro no bar e peço uma cerveja. O bar tem cheiro de mijo de gato misturado com o cheiro da bosta fresca do meu pai. No som do bar tá rolando uma música que diz “baila, baila comigo, baila, baila, meu amor, rebola, mexe o umbigo, mostra todo o seu calor”, eu fico com calor, não por culpa da música, mas por culpa do próprio calor, que, infelizmente, existe. Eu quero ficar bêbado e já viro o primeiro copo que, evidentemente, não vai alterar bosta nenhuma no meu estado sóbrio, isso porque eu verti mais da metade do conteúdo sobre a minha camiseta. Umas meninas super-gostosas que estão sentadas em uma das mesas de plástico do bar começam a rir da minha cara. Eu começo a rir de mim mesmo e depois percebo que nada fará mudar o meu semblante de trouxa. Uma delas se levanta e vai até o balcão e pede uma pinga pura e, com a maior discrição e classe possível, externa um pequeno arroto que dá vontade de abrir boca e engolir esse eflúvio fedorento composto de torrada de alho e álcool puro expelido por essa deusa da volúpia...

Menina do arroto: “Oi.”
Eu, surpreso, claro: “Olá.” (Olá? Quem eu penso que sou? O Gene Kelly dançando na chuva? Ou um hippie colecionador de borboletas?)
Menina do arroto com um baita de um peitão: “Então, qual é o seu nome?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro: “Francesco, é italiano.” (Italiano?)
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas maravilhosas que tanto amo: “Nossa, italiano, sabe falar alguma palavra bonita em italiano?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade de cagar característica em ocasiões como essa: “Je taime.” (É, acho que mandei bem.)
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas que tanto amo e com uma cara de contrariada: “Je taime não é francês?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade cagar característica em ocasiões como essa e me sentindo burro e reconhecendo, pelo menos internamente, o meu equívoco: “É? Ah, é verdade, é que eu falo tantas línguas... Francês, italiano, português, inglês e arranho mais algumas.” (Poliglota? Tu não sabe nem falar português. Aliás, quando era jovem, com vinte e um anos, ao invés de difamar, você falava diflamar. Pelo menos você não é igual ao seu primo Leleco, que acha que Lisboa é a capital da França, que escreve de repente junto e com dois erres, que pensou que Portugal ficava dentro dos Estados Unidos, que foi buscar o seguro-desemprego e ficou espantado “com o número de ‘anafabetos’ que existe no Guarujá, que acha que heterossexual é a mesma coisa que homossexual etc.)
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas que tanto amo e com uma cara de contrariada e que tem o lábio mais carnudo que eu vi na minha, por enquanto, tortuosa existência com pitadas de alegria efêmera e satisfação fugaz, mas eu tenho o meu amor, eu te amo, meu amor, não amo esta garota gostosa que está na minha frente virando uma cachaça pura e pedindo a porra de um canudo e começando a chupar a porra do canudo e olhando com os seus olhos verdes que te quero verdes que é a escola em que o meu priminho estuda e eu não sei mais sobre o que estou pensando... isso deve ser alguma pegadinha ou algum quadro daquele programa do Ashton Kucher, que é aquele afortunado que come a Demi Moore: “Você deve ser um cara muito viajado, ou melhor, vivido. Tipo um andarilho, né, você deve ter passado por muitas loucuras, hein, gatinho?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade de cagar característica em ocasiões como essa e me sentindo burro e reconhecendo, pelo menos internamente, o meu equívoco e não sabendo o que dizer para a gostosíssima que acabou de me nomear o novo gatinho do pedaço. Então pensa o seu filho da puta miserável, não deixa a peteca cair, e lembre-se para nunca falar em voz alta não deixa a peteca cair, e nunca conte pra ninguém que o seu avô te chama de fanchona, e tente evitar essas digressões e chegue logo a uma conclusão sobre o que vai dizer para essa gostosa, porque agora você é um personagem mais vivido, mais viajado, mais cheio de si, mais roludo, mais sexy... Jamais mencione que o lugar mais longínquo que você viajou foi até o Paraguai, na época em que o ministro da economia era o Rubens Ricupero e que o dólar era um por um e foi uma época muito feliz na sua vida, claro, tirando aquele episódio do dia em que você perdeu a virgindade no meio do mato e foi atacado por uma gangue de saúvas e saiu correndo no mesmo estado de histeria e pânico dos atores, que são só atores, nada mais do que isso... eu sempre falo para a minha mina não sentir medo ao assistir filmes de terror, é tudo Ketchup e atuação, menos os filmes com o Daniel Day-Lewis, eu li em algum lugar que ele, de fato, encarna o personagem, até mesmo no seu dia-a-dia, dentro de casa, com a mulher e as filhas ou os filhos ou a filha ou só o filho ou só a mulher, que eu sei que ele tem e que eu conheço, não pessoalmente, mas através dos ótimos filmes que ela realiza, o nome dela é Rebecca Miller, filha do escritor e dramaturgo Arthur Miller, que fez A Morte do Caixeiro Viajante, Focus etc, inclusive, dizem que o Daniel, não o meu amigo, o Daniel Faísca, que é gordo e não é famoso, mas o Day- Lewis, assumia no seu dia-a-dia - tipo ir para a padaria, para o supermercado, tomar uma com os camaradas -, até mesmo aquele personagem que tinha uma puta força no pé esquerdo, eu não teria coragem, nem fudendo, de fazer aquilo que ele fazia no filme, por exemplo, dentro da escola, onde eu já era zuado mesmo sendo aparentemente normal. A não ser naquele período em que eu tinha o corte de cabelo do Xororó e as garotas riam da minha cara e, lógico, o tratamento não poderia ser diferente para uma pessoa que usava um cabelo daquela espécie e... Pára, pára, pára, agora só falta eu gritar ui!, agora é sério, no more digressiones, vamos ao que interessa: “Costumo dizer para as pessoas que eu não vivo, que eu me aventuro, sou louco por adrenalina. Não gosto de ficar em casa, tenho que curtir a minha vida, viver intensamente. Só estou aqui no Guarujá porque prometi visitar os meus pais. Mas, na semana que vem, estou embarcando para Londres com uns amigos, e depois vou dar uma passada em Amsterdã e ficar muito chapado, e depois eu vou para o Chile curtir um inverno sozinho, sem ninguém, alone in the dark, desculpe, às vezes misturo os idiomas, culpa das viagens ao redor do mundo...”
Menina do arroto com um baita de um peitão cheio de sardas que tanto amo e com uma cara de contrariada e que tem o lábio mais carnudo que eu vi na minha, por enquanto, tortuosa existência com pitadas de alegria efêmera e satisfação fugaz, mas eu tenho o meu amor, eu te amo, meu amor, não amo esta garota gostosa que está na minha frente virando uma cachaça pura e pedindo a porra de um canudo e começando a chupar a porra do canudo e olhando com os seus olhos verdes que te quero verdes que é a escola em que o meu priminho estuda e eu não sei mais sobre o que estou pensando, isso deve ser alguma pegadinha ou algum quadro daquele programa do Ashton Kucher, que é aquele afortunado que come a Demi Moore e ela agora solto um sorrisinho, nossa, que dentinhos lindos, branquinhos... Ah, não, já sei: deve ser uma prostituta. Meu Deus, eu sou o protótipo do cliente mais que perfeito. Lindo – tá, nem tanto -, bem sucedido eu não sou, mas o meu personagem aventureiro é. Ou seja, ela quer a minha pica e mais alguma grana e essas minas já transaram com todo mundo, com homens com as picas maiores que a do dramaturgo grego Micariontes Palaskprapanos, o fanfarrão, que habitava os sonhos de prazer da donzela Sócrates, e eu, com a minha humilde rôla - cuja inutilidade passada quase me obrigou a transformá-la em um excêntrico pingente -, com certeza irei praticar o mesmo tipo de sexo que, há uma década atrás, servia de consolo para o meu tédio eminente e cheio de espinhas que se chamava adolescência e que provavelmente deve ter sido um inferno muito maior do que a benga do Micariontes Palaskprapanos, o dramaturgo grego e fanfarrão e muso inspirador do filósofo inventor da pederastia, Sócrates: “Nossa, aventureiro, gostei. Olha, eu vou entrar na balada, mais tarde a gente se encontra, certo?”
Eu, surpreso, claro, com a mão suando, me sentindo culpado por estar de pau duro, pensando na minha garota cortando o meu pênis e com uma puta vontade de cagar característica em ocasiões como essa e me sentindo burro e reconhecendo, pelo menos internamente, o meu equívoco e não sabendo o que dizer para a gostosíssima que acabou de me nomear o novo gatinho do pedaço. Então pensa o seu filho da puta miserável, não deixa a peteca cair, e lembre-se para nunca falar em voz alta não deixa a peteca cair, e nunca conte pra ninguém que o seu avô te chama de fanchona, e tente evitar essas digressões e chegue logo a uma conclusão sobre o que vai dizer para essa gostosa, porque agora você é um personagem mais vivido, mais viajado, mais cheio de si, mais roludo, mais sexy... Jamais mencione que o lugar mais longínquo que você viajou foi até o Paraguai, na época em que o ministro da economia era o Rubens Ricupero e que o dólar era um por um e foi uma época muito feliz na sua vida, claro, tirando aquele episódio do dia em que você perdeu a virgindade no meio do mato e foi atacado por uma gangue de saúvas e saiu correndo no mesmo estado de histeria e pânico dos atores, que são só atores, nada mais do que isso, eu sempre falo para a minha mina não sentir medo ao assistir filmes de terror, é tudo Ketchup e atuação, menos os filmes com o Daniel Day-Lewis, eu li em algum lugar que ele, de fato, encarna o personagem, até mesmo no seu dia-a-dia, dentro de casa, com a mulher e as filhas ou os filhos ou a filha ou só o filho ou só a mulher, que eu sei que ele tem e que eu conheço, não pessoalmente, mas através dos ótimos filmes que ela realiza, o nome dela é Rebecca Miller, filha do escritor e dramaturgo Arthur Miller, que fez A Morte do Caixeiro Viajante, Focus etc, inclusive, dizem que o Daniel, não o meu amigo, o Daniel Faísca, que é gordo e não é famoso, mas o Day- Lewis, assumia no seu dia-a-dia - tipo ir para a padaria, para o supermercado, tomar uma com os camaradas -, até mesmo aquele personagem que tinha uma puta força no pé esquerdo, eu não teria coragem, nem fudendo, de fazer aquilo que ele fazia no filme, por exemplo, na escola, onde eu já era zuado mesmo sendo aparentemente normal. A não ser naquele período em que eu tinha o corte de cabelo do Xororó e as garotas riam da minha cara e, lógico, o tratamento não poderia ser diferente para uma pessoa que usava um cabelo daquela espécie e... Pára, pára, pára, agora só falta eu gritar ui!, agora é sério, no more digressiones, vamos ao que interessa. Eu sou um homem compromissado. Sempre busquei o amor. Eu chorei muito quando vi o filme Meu Primeiro Amor, no qual o Macaulay Culkin - não o Macaulay Crack, que é um conhecido meu e que tem este nome porque eu não preciso explicar e dá pra entender o porquê -, morre ao ser atacado por um enxame de abelhas assassinas e depois tem um enterro e a menina que o Macaulay tava começando a pegar e que tinha trocado o sangue com ele lá no começinho do filme e que não aceitava a antiga gostosa Jamie Lee Curtis como madrasta e que se divertia com o Macaulay andando de bike e zuando a velharada no bingo e que morava dentro de uma funerária com uma velha louca que era a sua avó e agora nem imagino aonde quero chegar com essa ladainha filha-da-puta.... ah, sei, a menininha que deu um selinho muito inocente no Macaulay, que é o mesmo muleke que fez o adorável menininho do Esqueceram de Mim e que conquistou o mundo e que estrelou, também, só que mais velho, e casado e mais drogado e com a carreira em baixa – não com a carreira da poeira, essa tava em alta -, o clipe do Sonic Youth, da música Sunday, que é música de bom gosto – bom gosto é o gosto de quem gosta de alguma coisa -, e que é dirigido pelo multifacetado artista chamado Harmony Korine, que é o mesmo cara que escreveu o roteiro do filme Kids, que é aquele filme polêmico que conta a história de um grupo de jovens skatistas e meninas vadias e loucas da cidade de Nova Iorque que ficam se drogando, andando de skate, transando sem camisinha, sem envolvendo em treta, dirigido pelo fotógrafo e velhote descolado chamado Larry Clark, que é o cara que, em 1971, lançou um livro de fotografias chamado Tulsa , que retratava o cotidiano dos viciados em heroína da cidade Tulsa e que influenciou o Martin Scorcese a fazer Táxi Driver e que influenciou o Francis Ford Coppola a fazer O Selvagem da Motocicleta e que influenciou o mundo da moda nos anos 80 com a tendência Heroin Chic, que quer dizer Heroína Chique, e a heroína é uma droga que te deixa alucinado e que serviu como tema do filme Transpotting, que é um filme escocês e que foi lançado um ano depois de Kids e foi considerado a resposta européia para Kids, e que, na verdade, é uma adaptação do livro Transpotting, do escritor escocês Irvine Welsh, que aparece no filme vendendo dois supositórios para o personagem principal que é o também escocês Ewan Mcgregor, que é o mesmo rapazote que estrelou Moulin Rouge com a Nicole Kidman, e que antes do Trainspotting havia feito Cova Rasa, que é um filme muito legal e que foi dirigido pelo mesmo diretor de Trainspotting, que é o Danny Boyle, que dirigiu também o Extermínio, que é um filme que mostra a cidade de Londres sendo tomada por zumbis e os zumbis saem perseguindo as pessoas que ainda não se tornaram zumbis e as pessoas que ainda não se tornaram zumbis saem correndo pelas ruas de Londres da mesma forma que eu corri da gangue de saúvas no triste episódio da perda da minha virgindade: “Certo.”

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

IIIIIIIIIII exemplos desvairados do comportamento do cidadão empanturrado de ilusões perniciosas nas salas de cinema


U1M - A falta de ingenuidade é o modo mais preciso para se manter intacta a covardia que sintetiza o presunçoso sábio estabelecido.
DO2IS - Os asquerosos com asco de ingenuidade estão se preparando na fila da pipoca para desgraçar mais uma sessão de cinema que diz muito pra você e tão pouco pra eles.
TR3ÊS - Sentar na frente tornou-se regra circunstancial enquanto ser o primeiro da fila no ginásio pré-canto do hino nacional era o fim da carreira Pop sob os olhares daqueles que sempre foram os últimos da fila e, quinze anos depois, os primeiros mais bem remunerados em empregos onde a criatividade era o último requisito.
QUA4TRO - Leituras à parte, a deles não é e nem será a sua.
CI5NCO - Os responsáveis por monitorar a classificação indicativa (DEZE16SSEIS) são tão 171 e racionais que compreendem que os de QUAT14ORZE não verão sobretudo no verão longos longas reservados aos péssimos exemplares adultos que mesmo plastificados por súditos de Pitanguy tentam de todos os modos se igualar à frenética instabilidade púbere que arrotará de olhos fechados semicerrando de cólera os olhos interessadamente descortinados de emoção dos ingênuos sem meia-entrada.
SE6IS - “Legenda que cansa” é a legenda dos sem legenda que se pudessem dublariam a própria voz.
SE7TE - Os raros vaga-lumes existem aos montes em qualquer sala escura repleta de gente que se sente tão em casa que esquece que não está em casa – muito menos com razão em razão dos guinchos emitidos pelos vaga-lumes pré-pagos, sem crédito, sem limite, no limite...
OI8TO - O anti-cinéfilo esbelto com barriga de cerveja aconselha ao cinéfilo profissional travestido de homem e desconfortavelmente vestido em um sutil estrangulamento de gola olímpica: Criticar é o talento de reconhecer a si mesmo muito além do espelho.
NO9VE - A antipatia movida pela insuportável presunção telepática convertida em comentário em voz alta pelo tropel que assume o papel do ubíquo retarda(do)tário armado pelo esganiçado tom temperado com manteiga cremosa que por meio da prosa prosaica julga-se capaz de alterar o destino fatal do personagem principal.
D10EZ - Disparos mal empregados na carne de meia dúzia de mal educados incrédulos quanto à possibilidade de fomentarem a fúria alheia que agora jazem lacrados sem uma centelha de luz porém revigorados ao serem considerados pelos comuns como tristes vítimas da barbárie social perpetrada, excepcionalmente neste caso, pela mente impaciente do incipiente estudante de medicina que contrariou a sina do médico de somente fazer renascer da morte a chama dos afogados costumeiramente inadimplentes que não perdem a pose ao posarem frente a seus veículos importados que alimentam a sapiência do quão ridículas são as suas atitudes ao pousarem na superfície desnivelada das prestações que se acumulam, nas orgias arrivistas que os envolvem desde os tempos em que já se imaginavam adultos e livres dos sonhos tão característicos no cotidiano dos ingênuos sonhadores que tateiam muita vezes o vazio no vórtice a que chamamos de vida.
ON11ZE - Minha avó morreu, meu time perdeu, mas eu não chorei. Meu nome é Leonardo Marques, não pago de moderno, não uso Nextel, e esse é um pedaço da minha vida, não posso dizer que é um pedaço do meu mundo, porque se Deus acha que estou satisfeito com esse mundo, ele só pode estar chapado de ácido. Entretanto, se ele estivesse chapado de ácido, o mundo não seria essa bosta insignificante.

Gomorra – parte 2

O filme Gomorra, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e baseado no livro homônimo do escritor italiano Roberto Saviano, utilizou no Brasil a seguinte “frase para atrair otário”, ou seja, o slogan: “O Cidade de Deus italiano”. Contrariando a política do slogan, baseada na falácia criada por gente demente, a comparação, involuntariamente induzindo ao erro o escriba subjugado pelo dinheiro, resume com maestria o que é o filme - permita-me o contra-slogan: “O Cidade de Deus brasileiro é muito melhor”. Os especialistas tupiniquins em cinema, gente que cheira vinho antes de tomar e toma no cu sem nem sequer perguntar, aprovou o longa impalpável com os característicos adjetivos compostos por mensagens subliminares encimadas pelas tão temidas estrelinhas que antes atribuíam mérito e demérito ao comportamento das sempre borradas crianças no jardim de infância. Sérgio Rizo, da Folha de S.Paulo, escreveu: “Crime e suas convicções em estado bruto”. Tradução quase próxima da exatidão temporal: “Crime e suas convicções em estado tão bruto quanto um show do Tihuana”. Pedro Butcher, da Folha de S.Paulo, escreveu: “Máfia nua e crua”. Tradução quase simultânea: “Máfia nua e crua. Nua como a Martha, ex jogadora da seleção brasileira de basquete, em uma edição da Playboy na década de 90; saborosamente crua tal como um macarrão cru”. Inácio Araújo, também da Folha de S.Paulo, escreveu: “A Itália ressurge com força!”. Tecla Sap: “A Itália ressurge com força, tão forte que às vezes até dói”. Faço aqui o meu julgamento, e quem lê aqui o que escrevo espero que confie em mim, se não nada.
Quem já leu o livro (indicado neste blog como um ótimo presente de natal) e não viu o filme, esqueça o filme.
Quem viu o filme e ainda não leu o livro, leia o livro.
Quem já leu o livro e viu o filme, sabe bem do que estou falando.
Quem já leu o livro e viu o filme e não “sabe bem do que estou falando”, não leu o livro.

Shake Bong, Bong, Shake Bong, Bong

Coitado do Michael. Phelps. Foi traído pelo inimigo, porque aquilo não é amigo, amigo bafora junto, que filmou o “campeão” fumando da planta que assaltante de banco não faz usufruto na hora do expediente. Cagou geral. A hipocrisia é tanta que até jornalista deu pra criticar a atitude do cara, como se jornalista fosse exemplo máximo de comportamento politicamente correto. E politicamente correto não fosse exemplo máximo de comportamento de político. E político não fosse símbolo máximo de hipocrisia. E hipocrisia não fosse a característica máxima de jornalista cocainômano.

Déjà vu bumerangue

Há dez anos atrás, ou mais, o meu vizinho Marcelo, o popular Teo, antes de ficar louco, e depois de pegar a Carolzinha, fato que causou incredulidade e fúria por parte dos outros punheteiros da rua, emprestou uma VHS do Show do Bob Marley para um cara chamado Brodey – desconfio que lá na terra onde fora criado, na Paraíba, pensaram em chamá-lo de brother, mas não sabiam que brodey não é brother. Meses depois, faminto pela saudade que a falta da voz de Bob Marley provoca enquanto transcorre o ritual da chapação, Marcelo foi buscar sua VHS, com um visível traço de impaciência revelado pelo punho esquerdo cerrado tal como um cofre de uma eminente família judia, na casa de Brodey (será que não pensaram na Broadway?). Chegando lá, tocou a campainha, ou não tinha campainha?, que seja, bateu palmas, gritou o nome de Brodey, até que ele apareceu, como, eu não sei, eu não estava lá, só me contaram a história, aí Marcelo disse, Fala, Brodey, beleza? Brothey respondeu, Fala, Marcelo, beleza? Marcelo prosseguiu, Fala, Brodey, beleza? Brodey abraçou a causa, Fala, Marcelo, beleza? E depois de meia hora nessa troca de gentilezas estúpida, Marcelo finalmente fez o seu pedido, Brodey, tu pode devolver a minha fita do Bob? Ao que Brodey respondeu, Claro, cara, peraí. Depois de cinco minutos, Brodey voltou e disse, Taí, cara, entregue. Marcelo agradeceu, Pô, cara, valeu, estava com saudades desta fita, e emendou, E aí, curtiu a fita? Então Brodey continuou o diálogo, Porra, cara, Bob Marley é foda, né, o cara é o mestre. Para dar um fim na conversa, longe de imaginar o que viria a seguir, Marcelo disse, Pode crer, Brodey, pena que ele morreu. Brodey, branco com o comentário, branco como o Abedi Pelé, soltou essa: Bob Marley Morreu?
Usei essa história babaca apenas para fazer uma analogia de uma situação que ocorreu no último sábado, dia 7 de fevereiro. Estava deliciosamente refestelado na minha cadeira de praia reclinável, sob um sol de quarenta graus, lendo a Folha de S.Paulo, costumeiramente contrariado com o universo e com as pessoas que escrevem sobre o universo, prestes a jogar todas aquelas folhas que sujam os dedos pro alto, quando me deparei com uma informação que me deixou tão espantado, ou mais, ou menos, sei lá, quanto o desafortunado Brodey: David Foster Wallace morreu, e no ano passado, e eu nem sabia - todo mundo tem o dia de Brodey que merece.





segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Futebol em família


(João Marques: da esquerda para a direita, o terceiro no grupo dos agachados.)
(Xaxá: da esquerda para a direita, o primeiro da patota dos acocorados – perceba que Freddie Mercury está acariciando as rechonchudas coxas de Xaxá.)

João Marques nasceu em São Paulo, ama a cidade de Santos, torcia para o Corinthians na época do “faz me rir” – período em que o Timão ficou onze anos sem ganhar do time da Vila, culpa do Edson -, porém, quarenta e três anos depois, estranhamente, na era Telê, começou a torcer pelo São Paulo. “O São Paulo é time de primeiro mundo, que estrutura, que organização”, diz João, meu pai, que, após 10 anos carregando no peito a alma alvinegra maloqueira, quatorze anos sentindo a morte do seu joelho direito ao desfilar pelos campos enlameados como profissional da bola na década de 70, resolveu, juntamente com a esposa, também conhecida aqui em casa como mamãe, montar uma academia de ballet e fazer da arte, não da bola, mas da sapatilha, a principal fonte de sustento da família. (Talvez seja por esse motivo que tenha se tornado são paulino.)
Maximiliano Rodrigues Lopes, apesar do nome, não é argentino, longe disso, é brasileiro da cidade de Guarujá. Antes de ser gordo assumido, e ser chamado de tio por mim, foi um grande, mesmo tendo cerca de 1,68 (nem ele sabe exatamente quanto tem de altura), jogador de soccer brasileiro. Santista de coração, com problemas de coração por culpa do excesso de comida e apreciador inveterado de coração de frango servido nas churrascarias de todo o Brasil, Xaxá, vulgo que serve como uma piorada e engraçada camuflagem para esconder o ridículo nome, atualmente dá aulas de futebol brasileiro para crianças americanas em Redondo Beach, Califórnia, Tio Sam, Planeta Terra.
Os dois se encontraram pela primeira vez em 1971, quando jogavam juntos pela Portuguesa Santista. João na posição de centroavante matador. De torcida. E Xaxá atuando pela ponta direita - embora até hoje ainda sinta dificuldades para saber qual dos lados é o direito e o esquerdo. Um ano depois, João conheceu a irmã de Xaxá, Eliana, e no dia sete do sete de 1977 às sete horas da noite o casal resolveu trocar alianças (não o meu pai e o meu tio, eles são hetero, mas a minha mãe e o meu pai).
Por mais que o destino de ambos tenha convergido para o mesmo caminho diversas vezes, a carreira futebolística dos dois possui uma notória discrepância quando o assunto entra no âmbito das conquistas. O auge da carreira de João Marques foi a conquista do Campeonato Paranaense de 1977 pelo Grêmio de Maringá – time que troca mais de nome que o rapper Puffy Dady. A final dramática foi contra o Coritiba, no Couto Pereira, e a lembrança mais vívida e dolorosa que João tem desta partida aconteceu aos dez minutos do primeiro tempo, quando tomou um chute bem no meio do saco, o que não intimidou João, que resistiu até o término do jogo de forma heróica e com uma avaria irreversível e risível no testículo esquerdo: amassou o coitado. Além de ficar de molho durante quinze dias sem poder levantar da cama tamanho inchaço inclemente que pulsava nas partes baixas, João conviveu com uma dúvida terrível durante os 1.460 dias que sucederam o fato: esse incidente o tornaria um ser infecundo?
Contudo, em 1981, eu nasci. Ou será que fui adotado?
Em contrapartida, Xaxá foi um dos personagens da fatídica e histórica disputa de pênaltis que acabou com a divisão do caneco entre a Portuguesa – título até hoje comemorado euforicamente pela comunidade lusitana, do mesmo modo que Roberto Leal ainda canta euforicamente o seu único sucesso composto no século 19 – e o Santos, devido a um erro crasso de contagem do árbitro Armando Marques.
Xaxá não prestou serviços futebolísticos somente no Brasil, teve sim uma passagem pelo futebol europeu, defendendo o Espinho (quem?) de Portugal. O mais próximo que João chegou de jogar fora do país foi quando fez embaixadinhas na frente de uma loja de bugigangas eletrônicas na Ciudad Del Este, no Paraguai. Na ocasião, participava – quase sempre bêbado - de uma excursão com um grupo de amigos e familiares consumistas no ano de 1994 - período em que o Real valia a mesma coisa que o Dólar.
Nos papos que tenho regularmente com essas figuras sobre futebol, os encho quase sempre com as mesmas perguntas de comparação que põe frente a frente os craques do passado com os pseudo-craques do presente.
João diz que o seu estilo de jogar futebol era muito parecido com o do sempre rápido e frágil Nilmar. Já Xaxá se compara a David Beckham, não pelo futebol, mas sim pela beleza.
Estes dois tiozinhos fustigados pelo tempo me viram crescer da mesma forma que a paixão avassaladora pelo futebol cresceu dentro de mim: graças a eles. Meu pai não colecionou muitas glórias como o meu tio, mas está inundado até o nariz de histórias inusitadas que só o universo do futebol e ele conseguem proporcionar. (Por exemplo, conseguiu ser expulso antes de começar uma partida, e deve ser o único ex-jogador de futebol do mundo proprietário de uma academia de ballet.)
Enfim, poucas pessoas têm a chance de ter um familiar boleiro. Eu não tenho um, mas dois familiares boleiros. O que faz de mim um ser mais feliz e cheio de histórias para dividir com quem quer que seja. Até mesmo com vocês.