(João Marques: da esquerda para a direita, o terceiro no grupo dos agachados.)
(Xaxá: da esquerda para a direita, o primeiro da patota dos acocorados – perceba que Freddie Mercury está acariciando as rechonchudas coxas de Xaxá.)
João Marques nasceu em São Paulo, ama a cidade de Santos, torcia para o Corinthians na época do “faz me rir” – período em que o Timão ficou onze anos sem ganhar do time da Vila, culpa do Edson -, porém, quarenta e três anos depois, estranhamente, na era Telê, começou a torcer pelo São Paulo. “O São Paulo é time de primeiro mundo, que estrutura, que organização”, diz João, meu pai, que, após 10 anos carregando no peito a alma alvinegra maloqueira, quatorze anos sentindo a morte do seu joelho direito ao desfilar pelos campos enlameados como profissional da bola na década de 70, resolveu, juntamente com a esposa, também conhecida aqui em casa como mamãe, montar uma academia de ballet e fazer da arte, não da bola, mas da sapatilha, a principal fonte de sustento da família. (Talvez seja por esse motivo que tenha se tornado são paulino.)
Maximiliano Rodrigues Lopes, apesar do nome, não é argentino, longe disso, é brasileiro da cidade de Guarujá. Antes de ser gordo assumido, e ser chamado de tio por mim, foi um grande, mesmo tendo cerca de 1,68 (nem ele sabe exatamente quanto tem de altura), jogador de soccer brasileiro. Santista de coração, com problemas de coração por culpa do excesso de comida e apreciador inveterado de coração de frango servido nas churrascarias de todo o Brasil, Xaxá, vulgo que serve como uma piorada e engraçada camuflagem para esconder o ridículo nome, atualmente dá aulas de futebol brasileiro para crianças americanas em Redondo Beach, Califórnia, Tio Sam, Planeta Terra.
Os dois se encontraram pela primeira vez em 1971, quando jogavam juntos pela Portuguesa Santista. João na posição de centroavante matador. De torcida. E Xaxá atuando pela ponta direita - embora até hoje ainda sinta dificuldades para saber qual dos lados é o direito e o esquerdo. Um ano depois, João conheceu a irmã de Xaxá, Eliana, e no dia sete do sete de 1977 às sete horas da noite o casal resolveu trocar alianças (não o meu pai e o meu tio, eles são hetero, mas a minha mãe e o meu pai).
Por mais que o destino de ambos tenha convergido para o mesmo caminho diversas vezes, a carreira futebolística dos dois possui uma notória discrepância quando o assunto entra no âmbito das conquistas. O auge da carreira de João Marques foi a conquista do Campeonato Paranaense de 1977 pelo Grêmio de Maringá – time que troca mais de nome que o rapper Puffy Dady. A final dramática foi contra o Coritiba, no Couto Pereira, e a lembrança mais vívida e dolorosa que João tem desta partida aconteceu aos dez minutos do primeiro tempo, quando tomou um chute bem no meio do saco, o que não intimidou João, que resistiu até o término do jogo de forma heróica e com uma avaria irreversível e risível no testículo esquerdo: amassou o coitado. Além de ficar de molho durante quinze dias sem poder levantar da cama tamanho inchaço inclemente que pulsava nas partes baixas, João conviveu com uma dúvida terrível durante os 1.460 dias que sucederam o fato: esse incidente o tornaria um ser infecundo?
Contudo, em 1981, eu nasci. Ou será que fui adotado?
Em contrapartida, Xaxá foi um dos personagens da fatídica e histórica disputa de pênaltis que acabou com a divisão do caneco entre a Portuguesa – título até hoje comemorado euforicamente pela comunidade lusitana, do mesmo modo que Roberto Leal ainda canta euforicamente o seu único sucesso composto no século 19 – e o Santos, devido a um erro crasso de contagem do árbitro Armando Marques.
Xaxá não prestou serviços futebolísticos somente no Brasil, teve sim uma passagem pelo futebol europeu, defendendo o Espinho (quem?) de Portugal. O mais próximo que João chegou de jogar fora do país foi quando fez embaixadinhas na frente de uma loja de bugigangas eletrônicas na Ciudad Del Este, no Paraguai. Na ocasião, participava – quase sempre bêbado - de uma excursão com um grupo de amigos e familiares consumistas no ano de 1994 - período em que o Real valia a mesma coisa que o Dólar.
Nos papos que tenho regularmente com essas figuras sobre futebol, os encho quase sempre com as mesmas perguntas de comparação que põe frente a frente os craques do passado com os pseudo-craques do presente.
João diz que o seu estilo de jogar futebol era muito parecido com o do sempre rápido e frágil Nilmar. Já Xaxá se compara a David Beckham, não pelo futebol, mas sim pela beleza.
Estes dois tiozinhos fustigados pelo tempo me viram crescer da mesma forma que a paixão avassaladora pelo futebol cresceu dentro de mim: graças a eles. Meu pai não colecionou muitas glórias como o meu tio, mas está inundado até o nariz de histórias inusitadas que só o universo do futebol e ele conseguem proporcionar. (Por exemplo, conseguiu ser expulso antes de começar uma partida, e deve ser o único ex-jogador de futebol do mundo proprietário de uma academia de ballet.)
Enfim, poucas pessoas têm a chance de ter um familiar boleiro. Eu não tenho um, mas dois familiares boleiros. O que faz de mim um ser mais feliz e cheio de histórias para dividir com quem quer que seja. Até mesmo com vocês.
(Xaxá: da esquerda para a direita, o primeiro da patota dos acocorados – perceba que Freddie Mercury está acariciando as rechonchudas coxas de Xaxá.)
João Marques nasceu em São Paulo, ama a cidade de Santos, torcia para o Corinthians na época do “faz me rir” – período em que o Timão ficou onze anos sem ganhar do time da Vila, culpa do Edson -, porém, quarenta e três anos depois, estranhamente, na era Telê, começou a torcer pelo São Paulo. “O São Paulo é time de primeiro mundo, que estrutura, que organização”, diz João, meu pai, que, após 10 anos carregando no peito a alma alvinegra maloqueira, quatorze anos sentindo a morte do seu joelho direito ao desfilar pelos campos enlameados como profissional da bola na década de 70, resolveu, juntamente com a esposa, também conhecida aqui em casa como mamãe, montar uma academia de ballet e fazer da arte, não da bola, mas da sapatilha, a principal fonte de sustento da família. (Talvez seja por esse motivo que tenha se tornado são paulino.)
Maximiliano Rodrigues Lopes, apesar do nome, não é argentino, longe disso, é brasileiro da cidade de Guarujá. Antes de ser gordo assumido, e ser chamado de tio por mim, foi um grande, mesmo tendo cerca de 1,68 (nem ele sabe exatamente quanto tem de altura), jogador de soccer brasileiro. Santista de coração, com problemas de coração por culpa do excesso de comida e apreciador inveterado de coração de frango servido nas churrascarias de todo o Brasil, Xaxá, vulgo que serve como uma piorada e engraçada camuflagem para esconder o ridículo nome, atualmente dá aulas de futebol brasileiro para crianças americanas em Redondo Beach, Califórnia, Tio Sam, Planeta Terra.
Os dois se encontraram pela primeira vez em 1971, quando jogavam juntos pela Portuguesa Santista. João na posição de centroavante matador. De torcida. E Xaxá atuando pela ponta direita - embora até hoje ainda sinta dificuldades para saber qual dos lados é o direito e o esquerdo. Um ano depois, João conheceu a irmã de Xaxá, Eliana, e no dia sete do sete de 1977 às sete horas da noite o casal resolveu trocar alianças (não o meu pai e o meu tio, eles são hetero, mas a minha mãe e o meu pai).
Por mais que o destino de ambos tenha convergido para o mesmo caminho diversas vezes, a carreira futebolística dos dois possui uma notória discrepância quando o assunto entra no âmbito das conquistas. O auge da carreira de João Marques foi a conquista do Campeonato Paranaense de 1977 pelo Grêmio de Maringá – time que troca mais de nome que o rapper Puffy Dady. A final dramática foi contra o Coritiba, no Couto Pereira, e a lembrança mais vívida e dolorosa que João tem desta partida aconteceu aos dez minutos do primeiro tempo, quando tomou um chute bem no meio do saco, o que não intimidou João, que resistiu até o término do jogo de forma heróica e com uma avaria irreversível e risível no testículo esquerdo: amassou o coitado. Além de ficar de molho durante quinze dias sem poder levantar da cama tamanho inchaço inclemente que pulsava nas partes baixas, João conviveu com uma dúvida terrível durante os 1.460 dias que sucederam o fato: esse incidente o tornaria um ser infecundo?
Contudo, em 1981, eu nasci. Ou será que fui adotado?
Em contrapartida, Xaxá foi um dos personagens da fatídica e histórica disputa de pênaltis que acabou com a divisão do caneco entre a Portuguesa – título até hoje comemorado euforicamente pela comunidade lusitana, do mesmo modo que Roberto Leal ainda canta euforicamente o seu único sucesso composto no século 19 – e o Santos, devido a um erro crasso de contagem do árbitro Armando Marques.
Xaxá não prestou serviços futebolísticos somente no Brasil, teve sim uma passagem pelo futebol europeu, defendendo o Espinho (quem?) de Portugal. O mais próximo que João chegou de jogar fora do país foi quando fez embaixadinhas na frente de uma loja de bugigangas eletrônicas na Ciudad Del Este, no Paraguai. Na ocasião, participava – quase sempre bêbado - de uma excursão com um grupo de amigos e familiares consumistas no ano de 1994 - período em que o Real valia a mesma coisa que o Dólar.
Nos papos que tenho regularmente com essas figuras sobre futebol, os encho quase sempre com as mesmas perguntas de comparação que põe frente a frente os craques do passado com os pseudo-craques do presente.
João diz que o seu estilo de jogar futebol era muito parecido com o do sempre rápido e frágil Nilmar. Já Xaxá se compara a David Beckham, não pelo futebol, mas sim pela beleza.
Estes dois tiozinhos fustigados pelo tempo me viram crescer da mesma forma que a paixão avassaladora pelo futebol cresceu dentro de mim: graças a eles. Meu pai não colecionou muitas glórias como o meu tio, mas está inundado até o nariz de histórias inusitadas que só o universo do futebol e ele conseguem proporcionar. (Por exemplo, conseguiu ser expulso antes de começar uma partida, e deve ser o único ex-jogador de futebol do mundo proprietário de uma academia de ballet.)
Enfim, poucas pessoas têm a chance de ter um familiar boleiro. Eu não tenho um, mas dois familiares boleiros. O que faz de mim um ser mais feliz e cheio de histórias para dividir com quem quer que seja. Até mesmo com vocês.
Um comentário:
irado, tinha que rolar uma mesa rodanda entre João Marques e Roberto Pirão, dois ex-jogadores do peixe hahaha
Postar um comentário