segunda-feira, 25 de julho de 2011

Tudo É Albino Menos Rebeca recomenda

Um Dia

Um Dia não é um livro para se ler em um dia. Afinal, são 416 páginas. Ler um livro desses em um dia significa que você não tem porra nenhuma para fazer o dia todo. Embora ler o dia todo seja mais estimulante e redentor do que passar o dia todo fritando hambúrguer numa chapa. Ler Um Dia em um dia seria como gastar um relacionamento afetivo e brutalmente sexual com Eva Green (os melhores peitos do cinema, quiçá da história da humanidade, assistam Sonhadores, punheteiros e lésbicas desinibidas, do Bernardo Bertolucci, os peitos são ótimos, o filme é uma bosta que virou cult) em um dia sendo que havia possibilidade de estendê-lo por um ano. Por que Jennifer Connelly iria perder tempo deixando você ejacular precocemente dentro dela se o Sting pode durar 14 horas?

(Eva e... ELES)


Um Dia começa no dia 13 de julho de 1988, quando Emma Morley conhece Dexter Mayhew na festa de formatura da faculdade. Ela é discretamente bonita, deslavadamente sarcástica, irritantemente politizada e fruto de uma família notoriamente humilde. Ele é ostensivamente boa-pinta, descaradamente hedonista, naturalmente idiota e fruto de uma família notavelmente bem-sucedida. Eles ficam juntos, vão para cama juntos, mas não transam. Ela quer mudar o mundo. Ele quer mudar o corte de cabelo. Fim do primeiro capítulo.
Quando chegamos ao segundo capítulo, também estamos no dia 13 de julho. Só que de 1989. Cada capítulo acontece um ano depois do anterior. Sempre no dia 13 de julho. O dia em que eles se conheceram.
Um Dia não é um livro normal. Assim como os peitos de Eva Green, é anomalamente sensacional. Eu não trocaria um minuto com Eva Green para ler Um Dia em uma semana. Mas como Eva Green não sabe que existo, e se soubesse, seria como se eu não existisse, eu tenho tempo e falta de escolha para dar vida além da conta a objetos inanimados.
O livro foi lançado na Inglaterra em 2009 e só este ano foi lançado por aqui. Ele foi escrito pelo inglês David Nicholls, mas ele é tão bem produzido, tão bem estruturado, tão engraçado, tão verossímil, tão bonito, tão triste, que parece que foi escrito sozinho. Como se tivesse vida própria - como os seios de Eva Green.
Um Dia já virou filme, que estreará nos Estados Unidos no dia 19 de agosto. No Brasil, como sempre, ainda não há previsão de lançamento. Pelo trailer, a adaptação promete ser uma absoluta porcaria. Pela diretora Lone Scherfig, a mesma de Educação, um ótimo filme, talvez esse seja um raríssimo caso no qual o trailer é pior que o filme. Vamos torcer!
Emma Morley é interpretada pela nova namoradinha da América Anne Hathaway. Eu preferiria que fosse a namoradinha britânica Emily Blunt. Não só pelos motivos óbvios (logo abaixo os motivos óbvios), mas porque a julgo mais engraçada e mais parecida pelas descrições físicas da personagem Emma Morley do que Anne Hathaway.
(Motivos óbvios)

Dexter Mayhew é interpretado pelo inglês Jim Sturgess, o mocinho do filme-musical-beatlemaníaco Across The Universe. Eu preferiria o seu compatriota Hugh Grant. No entanto, Hugh Grant já entrou no estágio de interpretar o pai de Anne Hathaway. Porém, se dessem uma brecha, ou mesmo se não dessem uma brecha, Hugh Grant não veria contratempos em sugerir a Anne Hathaway experiências incestuosas. Pra mim, sem brincadeira, Hugh Grant é um dos atores mais engraçados e mais subestimados do cinema contemporâneo. Ele é o típico galã inglês calhorda com um tino fora do comum para a ironia. Um cara que fode o relacionamento com a deliciosa Elizabeth Hurley em troca de um boquete de uma prostituta de meio-fio só pode ser um fanfarrão.
(Liz Hurley)

Por enquanto, espero que só por enquanto, nada promete se não for por enquanto, Um Dia foi o melhor livro, junto com Três Vidas, do português João Tordo, que li este ano. Compre, pegue emprestado, alugue ou roube. É tudo por uma boa causa. Eu garanto!

(PS: Até a minha namorada que é fã de Crepúsculo, de Vampire Diaries, de Lily Allen, de Fagner, que torce para o Santos, que deu risada com Napoleon Dynamite, que assiste Disney Channel, que não perde um episódio de Keeping Up With The Kardashians, que está devorando todas as temporadas de Gossip Girl, que disse que nasceu para fazer spinning, que foi ao show de gravação do DVD do Natiruts, que me disse que assistiu a um filme super legal intitulado Garotas S.A, que acha o Rodrigo Faro “uma figura”, que se deslumbra com os calouros do Raul Gil, que decorou todas as falas de Castelo Rá-Tim-Bum, foi arrebatada por Um Dia.)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

MACONHA - Uma história de amor... e traição - Última Parte

“Momentos mágicos. Momentos para os quais atribuímos valor muitos momentos depois de chegarmos à conclusão que a vida nos dará pouquíssimas chances de concretizar momentos como esses. Sem responsabilidades à espreita. Sem horários pré-estabelecidos. Sem cortes desconfortáveis em bolos de casamento e filhos engatinhando. Sem excesso de gordura no abdômen. Sem smokings, convites de casamento e degustação de champagne por formalidade. Sem o veredicto agourento de que perdemos a sintonia das nossas expectativas.” Trecho do livro Fim do Mim Segundo Mundo, de Arno Palumbo, editora Bafo de Cebolitos

Aos 23, eu já devia ter terminado a faculdade. Aos 23, eu ainda estava começando a faculdade. E precisava arranjar um jeito de voltar a fazer sexo. E ainda alimentava o desejo de fazer sexo com duas mulheres ao mesmo tempo. E ansiava fazer sexo com uma mulher acima dos 35 anos de idade. E torcia para que se realizasse o sonho de comer uma professora – mesmo que fosse de Kumon. E aquela púbere e impetuosa perversão de ter uma empregada gostosa e comê-la enquanto ela esfregava um pedaço de Bombril na panela de pressão ainda resistia no meu âmago. E não seria nada mau se uma mina da faculdade aceitasse numa boa transar comigo no banheiro do quarto andar no horário da aula de Teoria do Jornalismo. E me perguntava quando teria coragem de experimentar alguma droga ilícita.

Sete anos depois de arquitetar esta triste constatação de uma vida ausente de vivência, o que posso dizer hoje é que só falta comer duas mulheres ao mesmo tempo, comer uma mulher acima dos 35 anos de idade, comer uma professora (mesmo de Kumon), ter uma empregada gostosa e comê-la enquanto ela esfrega um pedaço de Bombril na panela de pressão, e comer qualquer menina em qualquer banheiro de qualquer andar de qualquer faculdade no meio de qualquer aula.

Contudo, no que concerne à droga ilícita, foi preciso alcançar o cume do desdém para criar a coragem de consumi-la.

O meu avô era alcoólatra. Muito! Foi o primeiro homem a dar oportunidade a Cauby Peixoto. Vejam só, bêbado porém visionário. Décadas antes de Bruno e Marrone cagar o romantismo etílico o transformando num antro de cornos que se dão ao luxo de espatifar jatinhos, o meu avô literalmente dormia na praça: de paletó e gravata. E o pior de tudo: em Vicente de Carvalho! Hoje ele seria queimado vivo, mas naquela época dormir na praça bêbado era menos nocivo que dormir no jatinho pilotado por Marrone. (Ou foi o Bruno?) Era a década de 50 e o meu avô se chamava Alaor. Alaor, o poeta. Alaor, o seresteiro. Alaor, o agitador cultural. Alaor, o boêmio. Alaor: morreu de cirrose antes de me ver nascer: morreu de cirrose antes de ver a minha mãe crescer para eu poder nascer. Alaor era meio que negão. E essa informação não esclarece por que o meu pau é TÃAAAAAAO pequeno. Como também não esclarece por que eu sou TÃAAAAAAO branco. Mas isso talvez explique por que me gusta ficar TÂAAAAAO BÊBADO! A parada de Alaor era pinga pura e passar o inverno aquecidinho dentro de um saco de batata. Me dê dois engradados de cerveja, um pacote de meio quilo de Amendorato, uma T.V a cabo com mais de 100 canais, uma poltrona reclinável, um par de meias e um cobertor - que eu calo a minha boca! Ou falo sem parar. A minha mãe sempre teve medo. Teve medo que a genética de Alaor devastasse o meu futuro. Eu já fiz muita cagada ao ficar bêbado, mas não irei relatá-las agora porque pretendo relatá-las em outra ocasião (racionamento de assunto). Por ora, assim como Robinho não virou o craque que todos esperavam, eu não virei o alcoólatra a que estava destinado.

Eu sempre subestimei os efeitos das drogas ilícitas e o tamanho sacrifício que elas empreendem por parte dos usuários para serem consumidas. Estamos falando dos anos 90 e o Brasil dos anos 90 tinha Fernando Henrique Cardoso como presidente e ele ainda nem imaginava que um dia estrelaria um filme no qual falaria com desenvoltura em defesa da legalização da maconha. O Planet Hemp nasceu nos anos 90 e o videoclipe de Legalize Já, após a primeira exibição, de madrugada, na MTV, teve a veiculação proibida pela justiça. A censura era como um vampiro: morta, muito velha e muito viva. Os meus amigos naquela época fechavam os vidros do carro e fumavam maconha para ver se eu ficava doidão por tabela: eu nunca fiquei. Depois eles riam sem parar, riam sem parar, riam sem parar: eu estava com fome, queria voltar para casa e assistir Beavis and Butthead para rir sem parar. A cada luz vermelha que refletia nos retrovisores do carro, o medo no semblante de cada um era quase palpável: eu iria apanhar por acompanhar más companhias. Mas eles não eram más companhias. Pelo contrário, eram companhias agradabilíssimas. Contavam ótimas histórias, eram super engraçados, curtiam as mesmas bandas que eu curtia, todos nós tínhamos bandas (alguns se afundaram na poeira, venderam as próprias coisas para sanar dívidas, internaram-se em centros de reabilitação, foram presos por roubo, foram dormir na rua, morreram, estão vivos, sumiram, outros estão hoje em dia meio pirados devido às seqüelas que provém do abuso), alguns faziam parte da mesma banda e, afinal, eram os únicos amigos que tinha. O problema residia no fato de que tinha que me deslocar para o cantão do Guaiúba para poder conversar. Ou para o morro das Astúrias num frio de rachar. Ou ao Bostrô, no Tombo, para reviver a incomodativa sensação de estranho no ninho que sentia quando era o único branco “azedo” de classe-média a fazer parte do time principal do Santa Emília, atual FEBEM.

Então, quando Rocambole nos mostrou aquela trouxinha apinhada de sementes destroçadas de Bonzai, eu pensei: Por que não?

Eu saia com uma mina da faculdade da qual não gostava - e não transava. Eu devorava todos os livros possíveis da Beat Generation - mas não dava a bunda. Eu vi muitos caras feios pegando minas gatas por causa da brisa do beck – um deles possuía um dente removível. Se havia algum fator que me policiava, era o receio de dar certo para dar errado como os meus amigos do passado.

Do grupo, Saulo, Rocambole e Nestor já haviam fumado. Nestor não havia sentido nada: “Nada, cara, nada!”. Saulo era irmão de um dos maiores maconheiros da história do Guarujá: “Aí, UNESCO, salva nóis.”. Falcão era um nazista-peão-metrossexual-narcisista que era capaz de dizer coisas como “maconheiro é tudo vagabundo” e “se eu fosse o prefeito do Guarujá, eu explodiria a favela”. E também falava “anafabeto”, “Carai”, “Barai”, “Atai” (Carai é caralho; Barai é baralho; Atai é atalho). Ele achava que o Jello Biafra, vocalista do Dead Kennedys, era mulher, chamava-se Jennys Biafra e havia estrelado o filme Vinte Mil Léguas Submarinas. Ele achava que a Marilyn Monroe era homem e também havia estrelado Vinte Mil Léguas Submarinas. Ele dizia “eu malho porque vi na T.V que quando a gente malha o nosso corpo solta uma parada chamada... Morfina”. Ou seja, ele era taxativamente contra o Bonde dos Beloteiros e definitivamente burro! (Ele “é” taxativamente, taxativamente, taxativamente, taxativamente contra o Bonde dos Beloteiros. Falcão, a sua traição não passará incólume por estas linhas. Aguardem.) O mais próximo que Telmo chegará de fumar maconha será quando o herói do GTA tiver que fumar maconha para se infiltrar numa gangue rival. A silhueta “bemmmmmm” oval de Rocambole vale mais que mil kibes: “Pra mim, não!”.

A única, porém fundamental, burocracia pela qual tivemos que passar para fumar o beck foi: Como bolá-lo? Rocambole disse: “Deixa comigo!”. E ele bolou. E parecia uma embalagem de bala de coco caseira embalada por um mendigo-travesti pelado no inverno ucraniano com uma artrite crônica nos dedos em carne viva. O Rocambole era uma fraude! Ele sabia bolar mesmo era um ardil para justificar que, quando era “vegetariano” (Telmo: “Lá se vai a mata atlântica”), aquela bandeja atulhada de salsicha no seu aniversário de 20 anos era, na verdade, “salsicha de soja”. Fraude! Nossa sorte foi que o Gary Snyder estava com a mulher e o filho na barraca vizinha. Óbvio que ele não era o Gary Snyder. Ele sequer tinha ouvido falar em Gary Snyder. “Não, não to ligado.” Mas ele se vestia com trapos. E demorava uns dois minutos antes de pensar o que ia falar. Porém, ele era um artista na arte de bolar. Ele bolou. E depois desfez todo beck. E rebolou, não o quadril, mas o beck. Rebolou tranquilamente, passo a passo, no swingue. Redesfez (sic) o beck. E pediu ao Rocambole para rebolá-lo novamente. Rocambole rebolou-o com lentidão, suavidade, um javali na dança do ventre, bem lento, bem lento, “vai logo, Rocambole, caralho!”. E Rocambole rebolou-o. E parecia uma embalagem de bala de coco caseira embalada por um mendigo-travesti pelado no inverno ucraniano com uma artrite crônica nos dedos em carne viva. Rocambole era uma fraude! O simulacro de Gary Snyder rerebolou (sic) o banza. Rerebolou-o. (Sic.) Dessa vez com rapidez e extrema habilidade. Entregou-o e disse pra gente: “Na boa, galerinha, agora me deixem em paz”. E nós o deixamos. Fomos para bem longe. Saímos do camping. Fomos à praia sem qualquer luz artificial. Era noite. A lua não deu as caras. Estava tudo escuro. Era como viver no focinho de um labrador preto. Rocambole andava com uma caixa de fósforos meio úmida no bolso da sua bermuda jeans número 63 comprada na Loja da Fábrica Street Wear: sem cinto. Ventava muito. Para variar, tudo conspirava ao nosso favor. Eu, Nestor, Rocambole, Saulo e Falcãozinho, que veio escondido do irmão. “Falcãozinho, eu vou contar pra mãe se tu se mete nessas parada de maconha”. (Olha que ele conta mesmo.) Saulo vinha bebendo pinga vagabunda com refrigerante mais vagabundo desde o meio da tarde, mas ainda dava para entender o que ele tentava dizer: “Tá bom, Saulo, saquei, não precisa ‘tentar’ repetir”. “Valeu, Saulo, agora cala a boca!” “E aí, Saulo, que porra é essa? Para de passar a mão na minha bunda, caralho!” Rocambole demorou uns dez minutos para entrar em acordo com a ventania para usufruir de uma efêmera trégua para poder acender o beck. Ele acendeu e fez as próprias honras garantindo a si o tão almejado apetite cuja voracidade é proporcional a três gerações de famílias vikings ideologicamente onívoras. “Passa a bola, gordinho!” Saulo deu quatro pegas, depois saiu cambaleando na direção errada – “é pro outro lado, seu idiota!” – e gritou como se estivesse com a boca cheia de água e pasta de dente diluída “colo o boco, corolho, ogoro eu vo come oquelo filho do puuuto d’ filho do coooseiro, porro”, “se liga, Saulo, tu vai arrumar confusão com o pai da mina”, “iiiiiiii... molondroooo, se ele bolongo, eu como ele tooombém, e como o mooolher dele, e tooombém te como, seu filho dumo puto!”. Nestor deu três peguinhas e saiu, contrariado e mal-humorado, em direção à enorme fila do banheiro com chuveiro quente. Nestor não toma banho frio. Nestor não come peixe cru. Nestor não come peixe assado. Nestor só come peixe frito. Nestor não come frutas. E não come mulheres menstruadas. E não faz sexo sem camisinha. Falcãozinho deu cinco pegas – “caralho, chepinha, passa a bola, putinha!” – e depois ficou parado com cara de quem diz: “Ainda não acabei”. Putinha? Se Falcãozinho fosse uma mulher, ele seria uma putinha. Da pior espécie. Putinha interesseira. Putinha esnobe que não tem onde cair morta. A não ser que fosse cair morta sobre um pau circuncidado com uma coroa de diamantes em volta da cabeça. “Eu ia dar pra caralho e só ia sair com uns maluco com carrão cheio de neon e Mr. Catra e que usasse moletom da Billabong e camiseta da Sthill e calça da Element e chinelinho da Lui Lui.” Se Falcãozinho fosse um personagem de filme, ele seria Julia Roberts em uma Linda Mulher. Mas sem a doçura, as lágrimas e o romantismo. E sem o cabelo longo cor de fogo. E sem aquela boca gostosa. Só as orelhas do Topo Gigio e o cabelo do Casagrande (e a carinha do Casão). Nem uma mulher romântica gostaria de ser Falcãozinho se ele fosse Julia Roberts. Sim, ele casaria com o Richard Gere. Mas continuaria se prostituindo. Mesmo que se prostituir possa também ser entendido como dar de graça. Eu dei três pegas longos. Traguei, puxei, segurei e soltei. Eu passei a minha adolescência vendo os outros tragando, puxando, segurando e soltando. Eu já sabia o que devia fazer. E saí achando que ainda era imune aos encantos da maconha: E me dei muito bem.

Eu ri. Ri como nunca havia rido na minha vida. Ri enquanto as minhas pernas formigavam. Ri enquanto as minhas mãos formigavam. Ri enquanto o meu pau ficava muito duro. O meu pau ficou tão duro que eu poderia armar uma nova barraca. Uma barraquinha para um casal de filhotes de camundongo. Quando Gumercindo caiu dentro da caixa d’ água da casa do Falcãozinho para ver o Saulo comendo no chão do quintal da casa vizinha abandonada a ex-vizinha que pagava de cachorra mas que era uma vadia morta, eu não ri tanto assim. Quando Rocambole, na extinta Avelinos, ao ser questionado por uma japonesinha, com toda a educação, se ele sabia (“por favor, moço, o senhor sabe...”, ela falou deste jeito) onde vendia X-Salada, e ele respondeu que não sabia onde vendia x-salada, mas sabia onde ela podia encontrar um X-Linguição (“olha, X-Salada eu não sei, mas eu tenho aqui um X-Linguição.” “Ai, que nojo, moço.”), eu não ri tanto assim. Quando Saulo, ainda pivete, apoiado no parapeito, de costas para gente, da janela do quarto do Daniel, deu uma pirueta, colocou a mãozinha de futuro desentupidor de hímens no queixo e anunciou “Não me chamem mais de Saulo, agora eu sou o Shawn Michaels... Jr, (veja foto logo abaixo do verdadeiro Shawn Michaels), eu não ri tanto assim.












Quando Saulo e Firmezinha desceram o Sobre As Ondas de bike, e um menino com o rosto todo queimado e deformado pelo fogo pediu para o Firmezinha parar e perguntou ao Firmezinha “E aí, Firmezinha, cadê aquele colante da Rip Curl que tu ia me arranjar?”, e o Firmezinha respondeu “PÔ, Churrasquinho...”, eu não ri tanto assim. Quando Falcãozinho e Mumuca foram ao Raizzes (a balada era tão horrível quanto a grafia do nome), e eles... bem, deixa que o Falcãozinho conta: “Se liga, a gente tava lá, tá ligado, eu e o Mumuca, lá na entrada do Raizzes, aí duas mina ficaram olhando pra gente de longe, tá ligado, tipo aquelas funkerinha gostosinha com risada de piranha, e aí eu cheguei pro Mumuca e falei ‘ih, malandro, as mina tão desejando us menino’, e elas vieram andando na nossa direção, aí eu falei ‘Mumuca, vamo jogá essas mina no banco de trás e vamo comê elas lá no Bostrô’, e elas foram se aproximando cada vez mais, tá ligado, eu fui ficando com o pau durão, tá ligado, a mais baixinha tinha uns peitão, aí eu e o Mumuca ficava olhando pra elas e elas ficava olhando pra gente, bróder, tá ligado, tipo rolando a interação, aí elas pararam na nossa frente e a mais baixinha com uns peitão falou: ‘Que que tá me olhando, caralho!, to cagada?!’ Aí eu falei pro Mumuca: ‘Mumuca, vamo saí fora’”, eu não ri tanto assim. Quando Chulipa, homem que consegue chegar a trezentos quilômetros por hora na Imigrantes com um Honda Civic 2002 (“tem certeza, Chulipa?”), imitou à perfeição a reação de uma mulher que é currada pelo Black Mamba – “Vai, Mamba, vai, Mamba” - (veja a foto do Black Mamba logo abaixo), eu quase ri tanto assim porque foi engraçado pra caralho!

Talvez eu nunca mais irei rir assim. Como naquela noite de 6 de setembro de 2004 na Prainha Branca. Rir, na maioria das vezes, sem motivo algum. Rir junto aos meus melhores amigos. Chutando as portas dos banheiros para dizer ao Nestor “EU TO MUITO DOIDÃO, CARALHO!”. Rir ao ver o Nestor sair do banheiro com a toalha na cabeça se contorcendo de tanto rir e caindo de joelhos na atuante poça de lama que ficava em frente ao banheiro. Rir ao ver o desespero do Falcãozinho por não conseguir sentir absolutamente nada: “Caralho, seus filho da puta, cês não vão me ensinar como traga? Eu não sei tragar, caralho, eu não to sentindo nada, eu quero rir que nem vocês, me ensina aí, vai, por favor...” (Falcãozinho aprendeu a tragar. A maconha deu muito certo pra ele. Tão certo que certa vez, após mais uma edição generosa de Banza’s Night na casa dele, ele tentou fazer a T.V mudar de canal no interruptor do ventilador.) Rir ao ver o Saulo completamente despirocado: naturalmente, etilicamente e cannabissativamente. Dizendo que iria me comer. Dizendo que iria comer o Falcãozinho. Dizendo que iria comer todo mundo. Dizendo coisas incompreensíveis: “Vocês... o diabo... a grama... filho da puta!”, “Leonardo... eu ainda vou comer a tua bunda... caracol com chulé... Hitler está enterrado em Ilha Bela... cruz invertida... buceta de lhama... eu quero tomar leite condensado com Nescau... barriga de celulite... eu vou explodir o Mc Donald’s junto com o meu camarada Índio...” Rir ao ver a risada natural e sóbria de Telmo jogado na barraca absorvendo eflúvios alucinógenos enviados pelo ‘fofo’ do Donkey Kong no Game Boy. Rir ao ver Rocambole rindo e o Rocambole rindo ao me ver rindo e eu rindo ao ver o Rocambole rindo ao me ver rindo e eu rindo ao ver o Rocambole rindo e o Nestor rindo ao me ver rindo e eu rindo ao ver o Saulo rindo e o Saulo rindo ao ver o Nestor rindo e o Nestor rindo ao ver o Falcãozinho decepcionado e o Falcãozinho decepcionado ao ver o Rocambole rindo ao me ver rindo ao ver rindo o Saulo ao ver rindo o Nestor rindo ... Rir na cara séria do Falcão sem me dar conta do perigo de rir na cara de um futuro traidor dos próprios amigos. De um traidor que anos depois delatou o próprio irmão para a própria mãe. De um traidor que tentou delatar os próprios amigos aos próprios pais. De um traidor que maculou, talvez para sempre (vamos deixar o ‘talvez’ no ar como uma fumaça que insiste em não se extinguir) a Banzaland. De um traidor hipócrita que certa vez tive a infelicidade de dividir um beck.

FALCÃO: O JUDAS DE JAH!

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Saldo das três partes de MACONHA – Uma história de amor

A palavra Buceta foi utilizada 22 vezes

Pau: 7 vezes

Pênis: 1 vez

Pica: 1 vez

Pinto: 1 vez

Maconha: 15 vezes

Banza, Banza é Maconha: 3 vezes

Beck: 8 vezes

Teta: 13 vezes

Seio: 2 vezes

Punheta: 5 vezes

Caralho: 12 vezes

Sexo: 7 vezes

Transa no sentido de transar um sexo com alguém: 7 vezes

Comer no sentido de foder: 22 vezes

Foder no sentido de foder: 1 vez

Bunda: 10 vezes

Nádega: 1 vez

Estupro: 3 vezes

Vadia: 12 vezes

Suruba: 1 vez

Boquete: 1 vez

Puta: 11 vezes

Traidor: 6 vezes – todas elas referentes às atitudes de Falcão – O Judas de Jah!








segunda-feira, 11 de julho de 2011

MACONHA - Uma história de amor - Parte 2

















“O meu sonho era entrar um dia no Boticário e comprar uma colônia de maconha. Eu passaria a colônia por todo o meu corpo e iria para a balada arrochar as gatas. Arrochar? Acho que nunca usei esse verbo na minha vida. Interessante.”
Nestor e o seu sonho.

Passávamos o dia passando a limpo mentalmente e silenciosamente os supostos ótimos momentos pelos quais passaríamos caso não tivéssemos ido passar o feriado prolongado naquela prisão de ventre da natureza. Nós estaríamos onde? Provavelmente sob a árvore em frente à casa do Nestor. Fazendo o quê? Muito provavelmente dizendo que quem tinha AIDS tinha sorte porque pelo menos estava fazendo sexo. A AIDS se propaga porque quem tem AIDS transa. A AIDS se propagou porque quem tem AIDS transou. Nós não tínhamos AIDS e nós não considerávamos autossexo como um ato de ataque efetivo para se conquistar novas colegas de trabalho no Happy Hour. Nós só teríamos AIDS se Deus fizesse a canalhice de comer a nossa bunda sem camisinha. Ou comer a camisinha dentro da nossa bunda. Mas o legal da vida é que sempre haverá em qualquer circunstância a reação à ação da nossa regra conhecida popularmente como exceção. Saulo era o único que poderia contar vantagem dizendo que ele poderia muito bem ter sido aidético. Ele tem uma pica indômita no lugar do defasado cérebro. Ele mais transou do que leu. Ou melhor, ele mais transou do que entendeu o que leu. Ou melhor, ele transou absurdamente mais do que leu e entendeu muito menos do pouco que leu. Alguns acreditam que para ler Catatau, de Paulo Leminski, é preciso de coragem acima da média. Outros defendem que para ler The Making of Americans, da norte-americana Gertrude Stein, livro disponível só em inglês e que contêm novecentas e vinte cinco páginas de puro experimentalismo literário, é necessário perseverança descomunal. Eu e meus amigos acreditamos piamente que para comer a Ratinha sem camisinha é necessário ser um aloprado sem amor próprio. E acreditamos também que para comer a Claudinha sem camisinha e super menstruada é preciso ter o desprendimento à vida similar ao de um homem-bomba virgem. A primeira vez que vi uma buceta eu não vi buceta alguma porque tinha muito pentelho sobre a buceta da Márcia. Mas depois, bem depois, muito depois, anos depois, duas guerras depois, seis Copas do Mundo depois, a primeira buceta que vi realmente de perto, com todas as nuances, odores e sabores, me causou um misto de excitação e urgência gostosamente dolorida para expressar essa excitação por meio de movimentos que até então tinha pleno desconhecimento - na hora de penetrar no mundo incrível da penetração eu precisei de uns bons minutos para estacionar o meu carrinho de golfe. Saulo, ao ver a primeira buceta da sua vida, chorou copiosamente. Não chorou por medo. Não chorou por decepção. Chorou de emoção. No puteiro! Em uma inesquecível sessão de strip-tease. Vestido com um colete xadrez com a estampa do Cebolinha. Antes da buceta, Saulo estava preso por muitos anos na imensidão opressiva do deserto infinito morrendo de sede. Depois da buceta, no mesmo deserto, ele se deparou com a trupe orgiástica do Burning Man fazendo sexo total imersa num lago potável (AB/DB). Saulo chorou porque estava apaixonado. Apaixonado por todas as bucetas do mundo. Se Deus fosse uma buceta, ele seria fiel. Antes de sair de casa, ele beijaria a buceta que era Deus para guiá-lo rumo a um mundo melhor. Para Saulo, além de comida, saúde e educação, as crianças precisavam de buceta. Buceta para os velhos. Buceta aos garis. Buceta ao proletariado. Buceta gratuita. Troco um vale refeição por uma buceta: um mundo definitivamente mais feliz. Na história da humanidade, nas mais distintas épocas, existiram pessoas, e ainda existem, que vieram ao mundo para serem voluntárias. Dar comida na boca dos famintos. Ninar crianças mutiladas. Dar banho em leprosos. Saulo é um voluntário da buceta. Ele as aceita como são: limpas, sujas, sanguinolentas, secas, abismais, transbordantes, ermas, assíduas, impolutas, infectadas, carnudas, vermelhinhas, rosadas, escuras, exangues, frígidas, famélicas, estranhas, engraçadas e, inclusive, aquelas que vêm acompanhadas por um pintinho minúsculo.

No entanto, mesmo na companhia desse pilar da promiscuidade que trata a buceta como uma deidade, ninguém conseguiu vislumbrar um corpo, um par de seios, um par de coxas, um par de nádegas e um par de “lábios” que causasse suspiros de puro desejo animalesco. Na Prainha Branca, todas as bucetas nos pareciam repulsivas. As meninas, quando sorriam, estavam desfalcadas de peças cruciais da arcada dentária. As meninas, quando soltavam os cabelos, os cabelos ficavam parados no ar. As meninas, quando falavam, arrotavam um dialeto azedo cuja falta de significado significava só uma coisa: O QUE ESTAMOS FAZENDO NESTA PORRA?! As meninas, quando rebolavam, pareciam que estavam assadas. As meninas, quando resolviam se vestir, usavam uma camiseta preta do Raul Seixas, mega-estampada, tamanho ZXWY. As meninas, quando decidiam usar um acessório, elas usavam um gorro listrado que chegava quase até os calcanhares. As meninas, quando fazia frio, se aqueciam com um casacão gangsta falseta da Fubu. As meninas, quando cantavam, elas cantavam Diário de um Detento, do Racionais Mc’s. As meninas, quando queriam dar um trato nos seus delicados pezinhos, eles vinham cheios de lama cinzenta ressecada. As meninas, quando dançavam, pareciam zumbis breacos. As meninas, quando passavam ao nosso lado, pareciam que vinham dormindo, enroladas, dentro de um carpete encharcado que tivera a secagem equivocadamente interrompida. As meninas, quando eram saradas, tinham acabado de sarar de uma sarna incomum. As meninas, quando saiam do mar, precisavam segurar partes do corpo para que elas não caíssem no caminho. Não havia Letícias. Não havia Isabelas. Não havia Loiras da Phoenix. Não havia Japonesas da Saky. Não havia Andréas. Não havia Pretas. Não havia Michelles. Não havia Loiras da Psicologia. Não havia Camiles. Não havia Melissinhas. Não havia garotinhas de classe-média alta paulistanas estrelando monólogos fúteis no Nextel com todo o corpo recendendo a fragrância de melancia. Não havia quarentonas divorciadas e platinadas de óclão praticando jogging na orla da praia. Não havia drinks insinuantes sorvidos por garotas insinuantes fazendo barulhinhos insinuantes com um canudo colorido em espiral na boca. Não havia minazinhas surfistinhas selvagens com as roupas soltas tremulando ao andarem de bike contra o vento. Não havia tatuagens de joaninhas. Não havia borboletinhas voando sem sair do lugar atrás das orelhas. Não havia estrelinhas verdes ou vermelhas na nuca. Não havia cerejinhas acima dos seios. Não havia asas angelicais nas omoplatas. Não havia pedrinhas de diamante delicadamente encravadas na lateral do nariz arrebitado. Não havia narizes arrebitados. Havia desolação. Havia o apocalipse. Havia enxurradas de chorume por todo lado. Havia um treco bambo chamado de bar. Havia uma fila enorme para usar o orelhão. Havia reggae nacional. Havia forregae. Havia reggae evangélico. Reggae Bola de Neve. Havia rodinhas de violão e Eduardo e Mônica. Havia rodinhas de violão e Alceu Valença. Havia rodinhas de violão e Camisa de Vênus. Havia rodinhas de violão e Rita Lee em parceria com Arnaldo Jabor. Havia rodinhas de violão e Catedral. Havia rodinhas de violão e um triângulo. Havia rodinhas de violão e um pandeiro meia-lua. Havia meninas descalças correndo no escuro com bermudões de veludo da Cyclone. Havia garotas com herpes virando pinga pura direto do gargalo de uma garrafa de Guaraná Dolly com o rótulo rasgado. Havia minas ogras de São Vicente, Diadema, Itanhaém, Pouca Farinha, que jaziam desacordadas sobre a lama travestida de areia de tanto inalarem cola estragada. Havia dragões deformados e asas de morcego mal traçadas e desniveladas sobre as costas onduladas pelo excesso de batata-frita congelada. Havia frases em latim erroneamente formuladas sobre braços castigados por agulhas de uso público. Havia estacas de madeira apodrecida arrombando lóbulos. Havia o cheiro. Aquele cheiro. O cheiro onipresente. Ele desprendia-se das rodas. Ele fazia companhia aos solitários. O cheiro oriundo do poltergeist esfumaçado. O perfume. O perfume teleguiado. No pior lugar a melhor sensação do mundo:
Rocambole: Eu trouxe uma parada aqui que abre o apetite.
Falcãozinho: Não fode, Rocambole, e tu lá precisa de alguma coisa pra abrir o apetite?
Nestor: O que que é, Biotônico Fontoura?
Rocambole: Não, MACONHA!


(Na próxima segunda-feira, a última parte desta história.)



segunda-feira, 4 de julho de 2011

MACONHA - Uma história de amor - Parte 1

















“Jamais provou da ironia aquele que nunca teve prazer em escrever sobre si mesmo.”
Trecho do livro Bonde da Melancolia – Uma Autobiografia com gosto de biscoito de Polvilho, de Arno Palumbo, editora Private Brasil

Eu tentei adiar este tema. Pesei os prós e os contras e os contras sempre fizeram questão de ter o mesmo peso do Rocambole sentado no colo do Telmo: 12 toneladas! Falar sobre maconha nestas paragens pode ser perigoso. Estas paragens são de classe-média acima da média constituída por pessoas com a mentalidade da Idade Média: nossos pais que ainda por cima podem ser nossos vizinhos. Os meus não sabem que houve um dia em que desci do carro em movimento – detalhe: dirigindo – e saí correndo pelado na direção de duas gordinhas vermelhíssimas lambuzadas de Caladryl que estavam tomando um sorvetinho, à noite, na praia das Pitangueiras enquanto o som do carro ribombava Smooth Criminal, do Michael Jackson. Os pais de Cabeça Grávida de Trigêmeos não sabem que, ultimamente, o comportamento do seu filho em festas resume-se a uma palavra: Narcolepsia. Os pais de Nestor nem imaginam que no histórico de ligações do celular do filho os números mais acionados têm como proprietários cidadãos empreendedores chamados Mestre dos Magos, Kina, Gerson Brenner (isso mesmo, você fuma o dele e fica igual ao Gerson após o acidente – reconheço que é uma piada bem desagradável, mas o cara tem que valorizar o próprio produto), Lola e Larica Zen. Os pais de Rocambole nem presumem que o fofo do seu filho é tão pouco exigente que consegue ficar chapado com manjericão ralado. Mas a mãe de Falcãozinho sabe que alguma coisa estava muito errada com o seu querido filhinho ao encontrá-lo dormindo no puf da sala com o pau na mão e a língua translucidamente seca de fora.
Como dizem que o primeiro beijo a gente nunca esquece, e, de fato, eu não esqueço: aos 8 anos de idade, uma mulher chamada Márcia, ela tinha 25 anos de idade, era uma espécie de babá e hoje isso seria considerado pedofilia, ela tinha bigode, eu invadi o banheiro enquanto ela tomava banho e ela me deixou tomar banho com ela, ela me beijava na boca e dizia que era minha namorada, ela também beijava o meu tio na boca e também beijava outro cara na boca ao qual se referia como “meu noivo”, ela era tão linda quanto uma mulher que parece o Richard Brautigan pode ser. Como dizem também que a primeira vez na cama a gente nunca esquece, e a minha foi tão estimulante quanto a sensação de receber uma cagada de pombo direto no olho, eu só posso dizer que ainda não fumei o bastante para esquecer a primeira vez em que fumei um beck.

5 a 7 de setembro de 2004 – Little White Beach (ou Prainha Branca)

Éramos três e um monte de comida em uma barraca para dois. Éramos quatro em uma barraca para três. Éramos sete no total e estávamos tão desorientados que escolhemos a Prainha Branca como um destino para um feriado prolongado. Onde estávamos com a cabeça? Eu pensava muito em tetas. Nestor pensava em tetas e em substâncias cremosas desaguando sobre as tetas. Rocambole pensava em tetas e em almôndegas com molho, bacon, Fandangos, pizzas, sorvetes por quilo, tetas com bacon, comer almôndegas nas tetas e embrulhar tudo para a viagem. Falcão pensava em todas as tetas do mundo inclusive nas próprias, e pensava em todas as bundas e principalmente na própria bunda, e como fazer para remover aquele monte de espinha da bunda no Photoshop, e se ficaria gay descolorir os pelos da bunda trabalhada nas academias com os aparelhos mais enferrujados e os instrutores mais retardados, iletrados e viados do Guarujá, e como conseguiria dinheiro para comprar o extensor de pênis, e quais esforços teria que empreender para manter em sigilo as fotos do ensaio sensual que fez para uma improvável publicação italiana na praia do Éden, e por que ele havia ficado com um mísero segundo lugar no Mister Guarujá sendo que ele é o homem mais bonito e gostoso da história da humanidade. Falcãozinho, irmão caçula de Falcão, era muito novo para pensar em tetas, portanto só pensava em tetas enquanto batia punheta. E como ele não batia punheta, mas sim “punhetas”, muitas punhetas, punhetas pra caralho!, ele pensava mais em tetas que toda população carcerária da penitenciária de Tremembé. As únicas tetas que Telmo pensava eram nas tetas da Tomb Raider e esse pensamento era estritamente técnico: será que aquelas tetas poderiam ajudá-lo a fazer aquela vagabunda finalmente sair daquela maldita fase da caverna? O Saulo, bem, o Saulo pensava em estuprar qualquer coisa.

Eu estava entre os três na barraca para duas pessoas. Graças ao Rick, aquele anão filho da puta! Além de não ter ido com a gente para embarcar em mais um dos seus fantásticos encontros repletos de estudantes de arquitetura de todo o Brasil, cheio de gostosas doidonas de vinho vagabundo, éter e ácido (para depois ter a pachorra de esfregar na nossa cara que, pelo que conseguia lembrar, umas três minas “tipo leste europeu” esfregaram as suas bucetas depiladas na cara dele, o que, por pleno conhecimento de causa, podemos traduzir como três meninas tão experientes quanto qualquer menina que nadava nas piscinas do filme Cocoon), ele fez questão de esquecer de propósito de colocar as varetas na barraca que nos emprestou e contribuir para fuder mais um pouco o nosso já fudido feriado prolongado. Nós: eu, Telmo e Nestor ficamos na barraca para duas pessoas porque perdemos no cruel dedos iguais (barraca que tinha como proprietário um dançarino de axé com o nome sugestivo de Xenhenhem. Valeu, Xenhenhem!). Eles: Falcão, Falcãozinho, Rocambole e Saulo ficaram na barraca para três pessoas porque ganharam no dedos iguais. Nós: Nestor, Telmo e eu, além de ficarmos praticamente empilhados na barraca para dois, fomos obrigados a colocar toda a comida na nossa claustrofóbica barraca porque me fudi no par ou ímpar. Eu, Leonardo, perdi no dois ou um e tive que dormir entre Nestor e Telmo e usar um pacote de macarrão parafuso como travesseiro. Eu, o azarado, para não ter que ficar sentindo o bafo de estrume que saía da boca do Nestor e do Telmo enquanto roncavam como duas descargas de boteco, me vi obrigado a escorregar o meu corpo para baixo, mas não muito para baixo para não dar de cara com o bundão do Telmo e com os gases mortíferos expelidos dali, embora baixo o bastante para provocar a saída dos meus dois pés para fora da barraca. Entretanto, pensando com mais calma, foi até bom. Se porventura eu dormisse na outra barraca, a chance de eu ser violentado sexualmente de madrugada seria muito grande.

A Prainha Branca fica na divisa entre Guarujá-Bertioga via estrada do Perequê. Para chegar até lá, tivemos que atravessar uma trilha de uns 20 minutos para logo em seguida andar mais 20 minutos para encontrar um camping minimamente higiênico frequentado por pessoas que não eram ex-presidiárias e que não aparentavam estar sem tomar banho e sem escovar os dentes e sem cortar os cabelos e sem fazer a barba e sem cortar as unhas e sem ser portadora de uma doença sexualmente transmissível desde o dia da morte do Bob Marley. Por mais preconceituosa que possa parecer a próxima constatação, e, sinceramente, é só uma questão de olhar e julgar, nós éramos, sem dúvida alguma, as pessoas mais bonitas de lá. Na real, eu era mais bonito que qualquer menina daquela porra (por isso o receio de ser estuprado de madrugada). A brilhante idéia da viagem partiu do Falcão (Falcão é o cara das idéias brilhantes), que infectou o Saulo (as brilhantes idéias de Falcão não inspiram como as de Gandhi, mas infectam como os vermes saídos da carcaça de uma gata grávida morta por envenenamento sob a churrasqueira nos fundos da casa), que infectou o Nestor, que infectou o Falcãozinho, que infectou o Rocambole, que me infectou, e que, finalmente, infectou o Telmo.

Falcão quis ir para a Prainha Branca porque não basta o Falcão ser Falcão e ficar se exibindo dançando axé pelado em frente à webcam e ir de sunga para a faculdade de engenharia elétrica, ele tem que se superar. Saulo quis ir para a Prainha Branca porque é mais um lugar que Saulo sabe que há bucetas vadias, e, para ele, bucetas vadias, bundas vadias, pés vadios, solas do pé vadias, orelhas vadias, pálpebras vadias, tutanos vadios, nucas vadias, ceras de ouvido vadias e cérebros vadios são tão essenciais quanto um bom plano de saúde. Nestor quis ir à Prainha Branca porque sabia que a fusão de Saulo e Falcão com a Prainha Branca daria em alguma merda portanto era melhor estar lá para presenciar tudo in loco (e porque era sempre bom tentar pescar alguma sobra da população feminina abordada pela cara de pau e pelo cérebro de jagunço do Saulo, embora minutos depois da chegada Nestor tenha chegado à broxante conclusão que seria mais fácil encontrar o Ulysses Guimarães surfando sobre um boto cor de rosa do que uma mina humildemente gostosinha). O Rocambole aceitou ir à Prainha Branca porque estava com fome. Ele queria ir ao Mc Donald’s, contudo o Saulo, o Falcão e o Nestor só aceitariam acompanhá-lo aonde quer que fosse (churrascaria, padaria, confeitaria, pizzaria, rancho da chuleta, carrinho de churros, feira, Pão de Açúcar, Habibs, Brunella, Pastel do Trevo, Gotissô, Milani, Texaco, carrinho de pipoca), caso ele se comprometesse em embarcar na aventura Prainha Branca. Então ele refletiu tal qual Hamlet, ou melhor, então ele refletiu tal qual Augustus, o gordinho da Fantástica Fábrica de Chocolate: qual é a graça de comer sozinho se não dá para pegar a comida dos outros? E prontamente aceitou. Eu aceitei ir à Prainha Branca pelo inevitável arrependimento que viria à tona quando me contassem as histórias das surubas, dos boquetes no mar revolto, da tentativa de estupro perpetrada pelo Saulo na floresta, do Rocambole chupando uma mina cheia de maionese e gritando ao Nestor para pegar na mochila a tuppeware branca lotada de queijo provolone e a caixa fechada de palitos Regina, do Falcão perseguindo as minas na praia com uma tanga rosa como um ator pornô catatônico graças ao fracasso das últimas investidas etc. Telmo foi porque a vida dele àquela altura o credenciava a dizer “que ele não tinha nada melhor a fazer para esnobar a Prainha Branca”, se bem que a partir do momento em que ele colocou os pés 41 desconfortavelmente vestidos em um par pink de Havainas tamanho 35 da própria mãe nas areias terrosas daquela antítese de paraíso e depositou os preguiçosos olhos castanhos escuros baleados pelas longas horas em que ficava entretido junto com os flanelinhas mirins na máquina de King of Fighters na fileira desoladora de campings e casebres amotinados que, no futuro, poderão ser fielmente adaptados como locação para um filme hollywoodiano que retrate os sangrentos combates na Líbia, Telmo disse: “Caralho, vou ter que voltar, esqueci o ferro de passar roupa ligado no meu quarto”. E não parou mais: “Tão ouvindo? Tão ouvindo? É a voz da minha mãe me chamando, cara, acho que aconteceu alguma coisa, vamos ter que ir embora”. “To com uma dor aqui perto da costela, provavelmente é câncer, vamos embora!” “Leonardinho, tá ouvindo? Hein, tá ouvindo? Acho que é o seu pai que tá assobiando, cara, vamos embora.” “Esqueci a escova de dente, vamos embora!” “O celular não funciona, caralho, se o celular não funciona, a minha não deixa, vamos embora!” Puta merda... antes de ir embora, eu abri a porta para a cachorra passear um pouco e esqueci de abrir a porta para ela entrar, vamos embora!” “Puta merda, agora que me lembrei, hoje é aniversário da minha mãe, vamos embora!” “Eu tenho que jantar em casa, vamos embora!” “Eu esqueci a bíblia, vamos embora!” “Lembrei agora, sou alérgico à praia, vamos embora!”

(Continua na próxima segunda-feira)