segunda-feira, 4 de julho de 2011

MACONHA - Uma história de amor - Parte 1

















“Jamais provou da ironia aquele que nunca teve prazer em escrever sobre si mesmo.”
Trecho do livro Bonde da Melancolia – Uma Autobiografia com gosto de biscoito de Polvilho, de Arno Palumbo, editora Private Brasil

Eu tentei adiar este tema. Pesei os prós e os contras e os contras sempre fizeram questão de ter o mesmo peso do Rocambole sentado no colo do Telmo: 12 toneladas! Falar sobre maconha nestas paragens pode ser perigoso. Estas paragens são de classe-média acima da média constituída por pessoas com a mentalidade da Idade Média: nossos pais que ainda por cima podem ser nossos vizinhos. Os meus não sabem que houve um dia em que desci do carro em movimento – detalhe: dirigindo – e saí correndo pelado na direção de duas gordinhas vermelhíssimas lambuzadas de Caladryl que estavam tomando um sorvetinho, à noite, na praia das Pitangueiras enquanto o som do carro ribombava Smooth Criminal, do Michael Jackson. Os pais de Cabeça Grávida de Trigêmeos não sabem que, ultimamente, o comportamento do seu filho em festas resume-se a uma palavra: Narcolepsia. Os pais de Nestor nem imaginam que no histórico de ligações do celular do filho os números mais acionados têm como proprietários cidadãos empreendedores chamados Mestre dos Magos, Kina, Gerson Brenner (isso mesmo, você fuma o dele e fica igual ao Gerson após o acidente – reconheço que é uma piada bem desagradável, mas o cara tem que valorizar o próprio produto), Lola e Larica Zen. Os pais de Rocambole nem presumem que o fofo do seu filho é tão pouco exigente que consegue ficar chapado com manjericão ralado. Mas a mãe de Falcãozinho sabe que alguma coisa estava muito errada com o seu querido filhinho ao encontrá-lo dormindo no puf da sala com o pau na mão e a língua translucidamente seca de fora.
Como dizem que o primeiro beijo a gente nunca esquece, e, de fato, eu não esqueço: aos 8 anos de idade, uma mulher chamada Márcia, ela tinha 25 anos de idade, era uma espécie de babá e hoje isso seria considerado pedofilia, ela tinha bigode, eu invadi o banheiro enquanto ela tomava banho e ela me deixou tomar banho com ela, ela me beijava na boca e dizia que era minha namorada, ela também beijava o meu tio na boca e também beijava outro cara na boca ao qual se referia como “meu noivo”, ela era tão linda quanto uma mulher que parece o Richard Brautigan pode ser. Como dizem também que a primeira vez na cama a gente nunca esquece, e a minha foi tão estimulante quanto a sensação de receber uma cagada de pombo direto no olho, eu só posso dizer que ainda não fumei o bastante para esquecer a primeira vez em que fumei um beck.

5 a 7 de setembro de 2004 – Little White Beach (ou Prainha Branca)

Éramos três e um monte de comida em uma barraca para dois. Éramos quatro em uma barraca para três. Éramos sete no total e estávamos tão desorientados que escolhemos a Prainha Branca como um destino para um feriado prolongado. Onde estávamos com a cabeça? Eu pensava muito em tetas. Nestor pensava em tetas e em substâncias cremosas desaguando sobre as tetas. Rocambole pensava em tetas e em almôndegas com molho, bacon, Fandangos, pizzas, sorvetes por quilo, tetas com bacon, comer almôndegas nas tetas e embrulhar tudo para a viagem. Falcão pensava em todas as tetas do mundo inclusive nas próprias, e pensava em todas as bundas e principalmente na própria bunda, e como fazer para remover aquele monte de espinha da bunda no Photoshop, e se ficaria gay descolorir os pelos da bunda trabalhada nas academias com os aparelhos mais enferrujados e os instrutores mais retardados, iletrados e viados do Guarujá, e como conseguiria dinheiro para comprar o extensor de pênis, e quais esforços teria que empreender para manter em sigilo as fotos do ensaio sensual que fez para uma improvável publicação italiana na praia do Éden, e por que ele havia ficado com um mísero segundo lugar no Mister Guarujá sendo que ele é o homem mais bonito e gostoso da história da humanidade. Falcãozinho, irmão caçula de Falcão, era muito novo para pensar em tetas, portanto só pensava em tetas enquanto batia punheta. E como ele não batia punheta, mas sim “punhetas”, muitas punhetas, punhetas pra caralho!, ele pensava mais em tetas que toda população carcerária da penitenciária de Tremembé. As únicas tetas que Telmo pensava eram nas tetas da Tomb Raider e esse pensamento era estritamente técnico: será que aquelas tetas poderiam ajudá-lo a fazer aquela vagabunda finalmente sair daquela maldita fase da caverna? O Saulo, bem, o Saulo pensava em estuprar qualquer coisa.

Eu estava entre os três na barraca para duas pessoas. Graças ao Rick, aquele anão filho da puta! Além de não ter ido com a gente para embarcar em mais um dos seus fantásticos encontros repletos de estudantes de arquitetura de todo o Brasil, cheio de gostosas doidonas de vinho vagabundo, éter e ácido (para depois ter a pachorra de esfregar na nossa cara que, pelo que conseguia lembrar, umas três minas “tipo leste europeu” esfregaram as suas bucetas depiladas na cara dele, o que, por pleno conhecimento de causa, podemos traduzir como três meninas tão experientes quanto qualquer menina que nadava nas piscinas do filme Cocoon), ele fez questão de esquecer de propósito de colocar as varetas na barraca que nos emprestou e contribuir para fuder mais um pouco o nosso já fudido feriado prolongado. Nós: eu, Telmo e Nestor ficamos na barraca para duas pessoas porque perdemos no cruel dedos iguais (barraca que tinha como proprietário um dançarino de axé com o nome sugestivo de Xenhenhem. Valeu, Xenhenhem!). Eles: Falcão, Falcãozinho, Rocambole e Saulo ficaram na barraca para três pessoas porque ganharam no dedos iguais. Nós: Nestor, Telmo e eu, além de ficarmos praticamente empilhados na barraca para dois, fomos obrigados a colocar toda a comida na nossa claustrofóbica barraca porque me fudi no par ou ímpar. Eu, Leonardo, perdi no dois ou um e tive que dormir entre Nestor e Telmo e usar um pacote de macarrão parafuso como travesseiro. Eu, o azarado, para não ter que ficar sentindo o bafo de estrume que saía da boca do Nestor e do Telmo enquanto roncavam como duas descargas de boteco, me vi obrigado a escorregar o meu corpo para baixo, mas não muito para baixo para não dar de cara com o bundão do Telmo e com os gases mortíferos expelidos dali, embora baixo o bastante para provocar a saída dos meus dois pés para fora da barraca. Entretanto, pensando com mais calma, foi até bom. Se porventura eu dormisse na outra barraca, a chance de eu ser violentado sexualmente de madrugada seria muito grande.

A Prainha Branca fica na divisa entre Guarujá-Bertioga via estrada do Perequê. Para chegar até lá, tivemos que atravessar uma trilha de uns 20 minutos para logo em seguida andar mais 20 minutos para encontrar um camping minimamente higiênico frequentado por pessoas que não eram ex-presidiárias e que não aparentavam estar sem tomar banho e sem escovar os dentes e sem cortar os cabelos e sem fazer a barba e sem cortar as unhas e sem ser portadora de uma doença sexualmente transmissível desde o dia da morte do Bob Marley. Por mais preconceituosa que possa parecer a próxima constatação, e, sinceramente, é só uma questão de olhar e julgar, nós éramos, sem dúvida alguma, as pessoas mais bonitas de lá. Na real, eu era mais bonito que qualquer menina daquela porra (por isso o receio de ser estuprado de madrugada). A brilhante idéia da viagem partiu do Falcão (Falcão é o cara das idéias brilhantes), que infectou o Saulo (as brilhantes idéias de Falcão não inspiram como as de Gandhi, mas infectam como os vermes saídos da carcaça de uma gata grávida morta por envenenamento sob a churrasqueira nos fundos da casa), que infectou o Nestor, que infectou o Falcãozinho, que infectou o Rocambole, que me infectou, e que, finalmente, infectou o Telmo.

Falcão quis ir para a Prainha Branca porque não basta o Falcão ser Falcão e ficar se exibindo dançando axé pelado em frente à webcam e ir de sunga para a faculdade de engenharia elétrica, ele tem que se superar. Saulo quis ir para a Prainha Branca porque é mais um lugar que Saulo sabe que há bucetas vadias, e, para ele, bucetas vadias, bundas vadias, pés vadios, solas do pé vadias, orelhas vadias, pálpebras vadias, tutanos vadios, nucas vadias, ceras de ouvido vadias e cérebros vadios são tão essenciais quanto um bom plano de saúde. Nestor quis ir à Prainha Branca porque sabia que a fusão de Saulo e Falcão com a Prainha Branca daria em alguma merda portanto era melhor estar lá para presenciar tudo in loco (e porque era sempre bom tentar pescar alguma sobra da população feminina abordada pela cara de pau e pelo cérebro de jagunço do Saulo, embora minutos depois da chegada Nestor tenha chegado à broxante conclusão que seria mais fácil encontrar o Ulysses Guimarães surfando sobre um boto cor de rosa do que uma mina humildemente gostosinha). O Rocambole aceitou ir à Prainha Branca porque estava com fome. Ele queria ir ao Mc Donald’s, contudo o Saulo, o Falcão e o Nestor só aceitariam acompanhá-lo aonde quer que fosse (churrascaria, padaria, confeitaria, pizzaria, rancho da chuleta, carrinho de churros, feira, Pão de Açúcar, Habibs, Brunella, Pastel do Trevo, Gotissô, Milani, Texaco, carrinho de pipoca), caso ele se comprometesse em embarcar na aventura Prainha Branca. Então ele refletiu tal qual Hamlet, ou melhor, então ele refletiu tal qual Augustus, o gordinho da Fantástica Fábrica de Chocolate: qual é a graça de comer sozinho se não dá para pegar a comida dos outros? E prontamente aceitou. Eu aceitei ir à Prainha Branca pelo inevitável arrependimento que viria à tona quando me contassem as histórias das surubas, dos boquetes no mar revolto, da tentativa de estupro perpetrada pelo Saulo na floresta, do Rocambole chupando uma mina cheia de maionese e gritando ao Nestor para pegar na mochila a tuppeware branca lotada de queijo provolone e a caixa fechada de palitos Regina, do Falcão perseguindo as minas na praia com uma tanga rosa como um ator pornô catatônico graças ao fracasso das últimas investidas etc. Telmo foi porque a vida dele àquela altura o credenciava a dizer “que ele não tinha nada melhor a fazer para esnobar a Prainha Branca”, se bem que a partir do momento em que ele colocou os pés 41 desconfortavelmente vestidos em um par pink de Havainas tamanho 35 da própria mãe nas areias terrosas daquela antítese de paraíso e depositou os preguiçosos olhos castanhos escuros baleados pelas longas horas em que ficava entretido junto com os flanelinhas mirins na máquina de King of Fighters na fileira desoladora de campings e casebres amotinados que, no futuro, poderão ser fielmente adaptados como locação para um filme hollywoodiano que retrate os sangrentos combates na Líbia, Telmo disse: “Caralho, vou ter que voltar, esqueci o ferro de passar roupa ligado no meu quarto”. E não parou mais: “Tão ouvindo? Tão ouvindo? É a voz da minha mãe me chamando, cara, acho que aconteceu alguma coisa, vamos ter que ir embora”. “To com uma dor aqui perto da costela, provavelmente é câncer, vamos embora!” “Leonardinho, tá ouvindo? Hein, tá ouvindo? Acho que é o seu pai que tá assobiando, cara, vamos embora.” “Esqueci a escova de dente, vamos embora!” “O celular não funciona, caralho, se o celular não funciona, a minha não deixa, vamos embora!” Puta merda... antes de ir embora, eu abri a porta para a cachorra passear um pouco e esqueci de abrir a porta para ela entrar, vamos embora!” “Puta merda, agora que me lembrei, hoje é aniversário da minha mãe, vamos embora!” “Eu tenho que jantar em casa, vamos embora!” “Eu esqueci a bíblia, vamos embora!” “Lembrei agora, sou alérgico à praia, vamos embora!”

(Continua na próxima segunda-feira)

Um comentário:

Ana Paula disse...

Que legal!!!kkkkk...agora vou ler a parte 2.