segunda-feira, 11 de julho de 2011

MACONHA - Uma história de amor - Parte 2

















“O meu sonho era entrar um dia no Boticário e comprar uma colônia de maconha. Eu passaria a colônia por todo o meu corpo e iria para a balada arrochar as gatas. Arrochar? Acho que nunca usei esse verbo na minha vida. Interessante.”
Nestor e o seu sonho.

Passávamos o dia passando a limpo mentalmente e silenciosamente os supostos ótimos momentos pelos quais passaríamos caso não tivéssemos ido passar o feriado prolongado naquela prisão de ventre da natureza. Nós estaríamos onde? Provavelmente sob a árvore em frente à casa do Nestor. Fazendo o quê? Muito provavelmente dizendo que quem tinha AIDS tinha sorte porque pelo menos estava fazendo sexo. A AIDS se propaga porque quem tem AIDS transa. A AIDS se propagou porque quem tem AIDS transou. Nós não tínhamos AIDS e nós não considerávamos autossexo como um ato de ataque efetivo para se conquistar novas colegas de trabalho no Happy Hour. Nós só teríamos AIDS se Deus fizesse a canalhice de comer a nossa bunda sem camisinha. Ou comer a camisinha dentro da nossa bunda. Mas o legal da vida é que sempre haverá em qualquer circunstância a reação à ação da nossa regra conhecida popularmente como exceção. Saulo era o único que poderia contar vantagem dizendo que ele poderia muito bem ter sido aidético. Ele tem uma pica indômita no lugar do defasado cérebro. Ele mais transou do que leu. Ou melhor, ele mais transou do que entendeu o que leu. Ou melhor, ele transou absurdamente mais do que leu e entendeu muito menos do pouco que leu. Alguns acreditam que para ler Catatau, de Paulo Leminski, é preciso de coragem acima da média. Outros defendem que para ler The Making of Americans, da norte-americana Gertrude Stein, livro disponível só em inglês e que contêm novecentas e vinte cinco páginas de puro experimentalismo literário, é necessário perseverança descomunal. Eu e meus amigos acreditamos piamente que para comer a Ratinha sem camisinha é necessário ser um aloprado sem amor próprio. E acreditamos também que para comer a Claudinha sem camisinha e super menstruada é preciso ter o desprendimento à vida similar ao de um homem-bomba virgem. A primeira vez que vi uma buceta eu não vi buceta alguma porque tinha muito pentelho sobre a buceta da Márcia. Mas depois, bem depois, muito depois, anos depois, duas guerras depois, seis Copas do Mundo depois, a primeira buceta que vi realmente de perto, com todas as nuances, odores e sabores, me causou um misto de excitação e urgência gostosamente dolorida para expressar essa excitação por meio de movimentos que até então tinha pleno desconhecimento - na hora de penetrar no mundo incrível da penetração eu precisei de uns bons minutos para estacionar o meu carrinho de golfe. Saulo, ao ver a primeira buceta da sua vida, chorou copiosamente. Não chorou por medo. Não chorou por decepção. Chorou de emoção. No puteiro! Em uma inesquecível sessão de strip-tease. Vestido com um colete xadrez com a estampa do Cebolinha. Antes da buceta, Saulo estava preso por muitos anos na imensidão opressiva do deserto infinito morrendo de sede. Depois da buceta, no mesmo deserto, ele se deparou com a trupe orgiástica do Burning Man fazendo sexo total imersa num lago potável (AB/DB). Saulo chorou porque estava apaixonado. Apaixonado por todas as bucetas do mundo. Se Deus fosse uma buceta, ele seria fiel. Antes de sair de casa, ele beijaria a buceta que era Deus para guiá-lo rumo a um mundo melhor. Para Saulo, além de comida, saúde e educação, as crianças precisavam de buceta. Buceta para os velhos. Buceta aos garis. Buceta ao proletariado. Buceta gratuita. Troco um vale refeição por uma buceta: um mundo definitivamente mais feliz. Na história da humanidade, nas mais distintas épocas, existiram pessoas, e ainda existem, que vieram ao mundo para serem voluntárias. Dar comida na boca dos famintos. Ninar crianças mutiladas. Dar banho em leprosos. Saulo é um voluntário da buceta. Ele as aceita como são: limpas, sujas, sanguinolentas, secas, abismais, transbordantes, ermas, assíduas, impolutas, infectadas, carnudas, vermelhinhas, rosadas, escuras, exangues, frígidas, famélicas, estranhas, engraçadas e, inclusive, aquelas que vêm acompanhadas por um pintinho minúsculo.

No entanto, mesmo na companhia desse pilar da promiscuidade que trata a buceta como uma deidade, ninguém conseguiu vislumbrar um corpo, um par de seios, um par de coxas, um par de nádegas e um par de “lábios” que causasse suspiros de puro desejo animalesco. Na Prainha Branca, todas as bucetas nos pareciam repulsivas. As meninas, quando sorriam, estavam desfalcadas de peças cruciais da arcada dentária. As meninas, quando soltavam os cabelos, os cabelos ficavam parados no ar. As meninas, quando falavam, arrotavam um dialeto azedo cuja falta de significado significava só uma coisa: O QUE ESTAMOS FAZENDO NESTA PORRA?! As meninas, quando rebolavam, pareciam que estavam assadas. As meninas, quando resolviam se vestir, usavam uma camiseta preta do Raul Seixas, mega-estampada, tamanho ZXWY. As meninas, quando decidiam usar um acessório, elas usavam um gorro listrado que chegava quase até os calcanhares. As meninas, quando fazia frio, se aqueciam com um casacão gangsta falseta da Fubu. As meninas, quando cantavam, elas cantavam Diário de um Detento, do Racionais Mc’s. As meninas, quando queriam dar um trato nos seus delicados pezinhos, eles vinham cheios de lama cinzenta ressecada. As meninas, quando dançavam, pareciam zumbis breacos. As meninas, quando passavam ao nosso lado, pareciam que vinham dormindo, enroladas, dentro de um carpete encharcado que tivera a secagem equivocadamente interrompida. As meninas, quando eram saradas, tinham acabado de sarar de uma sarna incomum. As meninas, quando saiam do mar, precisavam segurar partes do corpo para que elas não caíssem no caminho. Não havia Letícias. Não havia Isabelas. Não havia Loiras da Phoenix. Não havia Japonesas da Saky. Não havia Andréas. Não havia Pretas. Não havia Michelles. Não havia Loiras da Psicologia. Não havia Camiles. Não havia Melissinhas. Não havia garotinhas de classe-média alta paulistanas estrelando monólogos fúteis no Nextel com todo o corpo recendendo a fragrância de melancia. Não havia quarentonas divorciadas e platinadas de óclão praticando jogging na orla da praia. Não havia drinks insinuantes sorvidos por garotas insinuantes fazendo barulhinhos insinuantes com um canudo colorido em espiral na boca. Não havia minazinhas surfistinhas selvagens com as roupas soltas tremulando ao andarem de bike contra o vento. Não havia tatuagens de joaninhas. Não havia borboletinhas voando sem sair do lugar atrás das orelhas. Não havia estrelinhas verdes ou vermelhas na nuca. Não havia cerejinhas acima dos seios. Não havia asas angelicais nas omoplatas. Não havia pedrinhas de diamante delicadamente encravadas na lateral do nariz arrebitado. Não havia narizes arrebitados. Havia desolação. Havia o apocalipse. Havia enxurradas de chorume por todo lado. Havia um treco bambo chamado de bar. Havia uma fila enorme para usar o orelhão. Havia reggae nacional. Havia forregae. Havia reggae evangélico. Reggae Bola de Neve. Havia rodinhas de violão e Eduardo e Mônica. Havia rodinhas de violão e Alceu Valença. Havia rodinhas de violão e Camisa de Vênus. Havia rodinhas de violão e Rita Lee em parceria com Arnaldo Jabor. Havia rodinhas de violão e Catedral. Havia rodinhas de violão e um triângulo. Havia rodinhas de violão e um pandeiro meia-lua. Havia meninas descalças correndo no escuro com bermudões de veludo da Cyclone. Havia garotas com herpes virando pinga pura direto do gargalo de uma garrafa de Guaraná Dolly com o rótulo rasgado. Havia minas ogras de São Vicente, Diadema, Itanhaém, Pouca Farinha, que jaziam desacordadas sobre a lama travestida de areia de tanto inalarem cola estragada. Havia dragões deformados e asas de morcego mal traçadas e desniveladas sobre as costas onduladas pelo excesso de batata-frita congelada. Havia frases em latim erroneamente formuladas sobre braços castigados por agulhas de uso público. Havia estacas de madeira apodrecida arrombando lóbulos. Havia o cheiro. Aquele cheiro. O cheiro onipresente. Ele desprendia-se das rodas. Ele fazia companhia aos solitários. O cheiro oriundo do poltergeist esfumaçado. O perfume. O perfume teleguiado. No pior lugar a melhor sensação do mundo:
Rocambole: Eu trouxe uma parada aqui que abre o apetite.
Falcãozinho: Não fode, Rocambole, e tu lá precisa de alguma coisa pra abrir o apetite?
Nestor: O que que é, Biotônico Fontoura?
Rocambole: Não, MACONHA!


(Na próxima segunda-feira, a última parte desta história.)



Um comentário:

Ana Paula disse...

Será que vocês se fuderam?...kkkkk...