segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A fúria da solidão pela arte


Transformar a dor em alívio. Nem sempre o negrume se dissipa a ponto de avistarmos a nuança mais recôndita e viçosa dos nossos olhos. Ele se avoluma. Às vezes não há classificação. O que resta é a tentativa de atinar os números no escuro. Não é pra qualquer um. Não se trata de sorte. Mas de talento. Único.

Daniel Johnston é um caso sério de talento inexplicável. Na infância, desenhava Gasparzinhos musculosos, Super-Homens desfigurados e faunos decapitados. A câmera super-8 da família documentava o ódio familiar visto pelo olhar do artista. A puberdade trouxe os Beatles e anunciou o início do fim da sanidade. O piano massacrado pelo desuso no porão suburbano tornou-se a principal arma para a alma atormentada de um jovem que irá enlouquecer muito mais nas próximas linhas. Na escola, ficou conhecido como louco. Na faculdade, longe da família, experimentou a primeira droga: o amor não correspondido.
As constantes dores no braço esquerdo denunciavam os primeiros sintomas de um maníaco-depressivo. Abandonou a faculdade. Foi “quase” expulso de casa. Os pais ultra-religiosos não entendiam o porquê de ele não querer ser uma pessoa normal, arranjar um trabalho e morrer com condescendência. A paixão avassaladora foi extravasada por meio de composições. Piano, vocal peculiarmente desafinado, percussão digna de um ritual tribal promovido por uma tribo infantil com tendências canibais e letras tórridas nonsense.
No início dos anos 80, agora morando na casa do irmão mais velho, na companhia de um teclado rudimentar e um gravador portátil, começou a gravar as primeiras músicas. Ao ouvir a fita, o irmão o julgou sem talento e pediu educadamente que fizesse as malas. A irmã o acolheu. Ficou fascinado pelas luzes e pela alegria que o parque de diversões nas cercanias do novo lar propiciava ao seu tão desacreditado coração. Conseguiu emprego, comprou uma mobilete e fugiu acompanhando a vida nômade dos funcionários do parque. Em Austin, Texas, foi deixado pra trás e resolveu adotar a cidade como reduto para a criação artística. Continuava a compor, a gravar e a desenhar diabos extraterrestres com luvas de boxe. Rapidamente se embrenhou na promissora cultura alternativa da cidade. Assalariado do Mc Donald’s, alugou um minúsculo apartamento e se afundou nas entranhas da mente para arrancar o máximo de si.
Hi, How Are You é o mais célebre registro de sua carreira. Na época, quando perguntado sobre o processo de gravação, Daniel respondeu, “estava tendo um colapso nervoso ao gravar essas músicas”. Lançado em formato K7, em 1983, a obra teve uma repercussão estrondosa tanto no cenário underground como no mainstream texano, culminando em constantes apresentações em ginásios e clubes, aparições na MTV, em revistas especializadas, contrato com um empresário, alguns fãs e uma meteórica namorada que, meses depois, o deixou ao concluir que se relacionava com um ser de outra dimensão.
Nesse período, experimentou a segunda droga: o ácido. E a loucura veio à tona. Irreprimível. Conjeturou que estava possuído pelo diabo. Que devia se matar para acabar com a besta que tomava conta do seu corpo. Quase matou o empresário - ao golpeá-lo na cabeça com um porrete de ferro. Ficou preso por 24 horas. Depois solto. Regressou à casa dos pais. Começou a tomar remédios para aplacar a loucura. Não conseguia mais compor. Só comia e dormia. Engordou demais. Um ano depois, retornou aos palcos. Os shows eram um misto de música e discurso fanático religioso.
No início dos anos 90, depois de se apresentar para mais de dez mil pessoas num festival em Austin, arrancou a chave da ignição do avião de pequeno porte que o levava de volta para casa, obrigando o piloto, que era simplesmente o seu pai, a fazer um pouso forçado sobre algumas árvores. O motivo para o desatino: ele queria voar como Gasparzinho, O Fantasminha Camarada. O incidente não fez vítimas. Só destruiu o avião.
A inevitabilidade o levou ao hospício. Os medicamentos – lítio, ácido valpróico, olanzapina -, a um estreitamento na relação de tolerância e descontrole absoluto com o capeta que dormitava dentro de si. Em 1993, Kurt Cobain, até então líder do Nirvana, a grande banda do momento, apareceu em uma premiação musical transmitida pela televisão vestindo uma camiseta adornada com os seguintes dizeres: “Hi, How Are You, Daniel Johnston”.
Rapidamente a imprensa perguntava: quem é Daniel Johnston? Os fãs do Nirvana se questionavam: como não sabemos quem é Daniel Johnston? Kurt Cobain respondia: “o maior gênio vivo da música americana!”.
Um frenesi tomou conta dos yuppies da indústria musical. A Elektra Records fez uma proposta milionária para assinar contrato com o visionário trancafiado no hospício. A gigante Atlantic Records dobrou o valor oferecido pela rival. Daniel ficou com a segunda opção. Para ele, a Elektra tinha vindo a mando do demônio. Então, em 1994, Fun, primeiro registro por uma grande gravadora, veio à luz. E o resto é história.
Atualmente, próximo de completar 48 anos de idade (aniversaria na próxima quinta-feira, dia 22 de janeiro), com vinte discos lançados, recorrentes turnês ao redor do mundo e ainda vivendo sob o mesmo teto dos pais, Daniel Johnston é considerado um dos maiores compositores da história da música americana moderna. No hall de admiradores da sua obra, estão nomes como Beck, R.E.M, Matt Groening, criador dos Simpsons, Yo La Tengo, Sonic Youth, Tom Waits, Pearl Jam, Paul McCartney etc. Seus desenhos tresloucados e estranhamente infantis são disputadíssimos em exposições na Europa e nos Estados Unidos. Em 2006, The Devil and Daniel Johnston, documentário que conta a trajetória do controverso artista, foi premiado no Festival de Sundance, convertendo o solitário incompreendido em mito.



Um comentário:

rodrigofranca disse...

puta merda... vi o documentario sobre ele... o cara é louco demais mesmo...