segunda-feira, 20 de junho de 2011

A moda do Hard Seicho-No-Ie (um texto sério)

















"Não faça nada! Minta!”
Primeiro e único mandamento da cartilha do Hard Seicho-No-Ie.

“Sou isso que sou. Goste ou não, sou isso que sou.”
Trecho do livro Como fugi do estrabismo, de Arno Palumbo, editora Sem

Eu nunca tive Twitter. Eu nunca tive Facebook. Eu fui o último do meu círculo de amizades a ter celular. Esclareço desde já que não tenho nada contra quem usufrui dessas mídias sociais. Essa relutância à tecnologia não se deve a um suposto purismo renitente, mas sim ao fato de possuir muitas dificuldades e preguiça para aprender a utilizar essas ferramentas antes modernas, atualmente comuns, futuramente jogadas no sótão empoeirado do esquecimento. Admito que me sinto incapacitado, e de certo modo receoso, em acompanhar as evoluções vertiginosas pelas quais passam os aparelhos tecnológicos. Eu só aciono os comandos básicos do meu celular: tipo, ligar para minha mãe. Eu desativei há bastante tempo o meu Messenger. Eu só olho o meu e-mail de vez em quando. Eu só tive coragem de participar do Orkut, hoje datado, porque estava à procura de uma garota: eu não tenho mais Orkut e não consegui pegar a garota. Até uns tempos atrás eu ainda comprava Cd. Até uns tempos atrás eu ainda não havia baixado filmes pela internet. Até uns tempos atrás eu ainda não havia assistido nada pelo computador sem que me causasse uma comichão desconfortável de impaciência. Até hoje me nego a baixar livros.

A solitária interação que tenho com pessoas que não conheço é por meio deste blog. Há menos de um mês que retornei à escrita. Eu fiquei praticamente dois anos sem escrever absolutamente nada em lugar algum. Eu parei porque estava ficando... sem vontade. Eu parei porque estava ficando... de saco cheio de tudo e, especialmente, de mim. Eu parei porque tomei conhecimento da extrema irrelevância à qual as minhas idéias estão destinadas. Eu aceito numa boa, não tenho pique e nem falta de vergonha na cara para autopromoção. Portanto, fiquei quase dois anos lendo livros, assistindo séries, correndo (é, bem rápido), parando paulatinamente de dirigir carros (hoje quase totalmente, eu faço até compras suado, que nojo, né, nem tudo na vida cheira a vinho envelhecido e Angelina Jolie) e trabalhando. Lendo livros... eu não consigo ler mais nada além de livros. As revistas que lia não significam mais nada. O jornal que meu pai assina é... o jornal que o meu pai assina. As leituras cibernéticas são escritas, em sua maioria, por iludidos hipócritas e comentadas, em sua extrema maioria, por universitários com analfabetismo funcional. Contra todos os prognósticos tento bravamente sentir-me minimamente ao máximo desinformado. Entretanto, nos últimos meses, me senti tentado a voltar. Dar um rumo mais criativo à minha vida além da existência condensada ao ato de inspirar pelo nariz e espirrar pela bunda. Quando criei este blog, eu tinha pretensões. Nada grandioso e purpurinado, mas achava, de algum jeito obscuro, que podia fazer a diferença. O obstáculo que impediu voos mais altos foi a cisma que tenho de não me levar a sério, embora saiba que o que impede essa cisma de ser maior é o meu ainda maior anonimato. Ninguém me conhece e eu não conheço ninguém que tenha o “real” poder de transformar ninguém em alguém. Além de todos esses percalços, há outro definitivamente intransponível: eu não gosto de fazer o que eu não gosto de fazer, e, detalhe, eu não faço. E a coisa que mais gosto de fazer é não fazer coisa alguma que julgo desnecessária: eu já nasci aposentado da vontade do voyeur do cotidiano – a de gozar com o pau dos outros. Não me importa a grana que oferecerem e nem o rabo que abrirem: morrerei pobre e eunuco. Essa constatação pode me deixar louco, mas me sentiria morto se não agisse de acordo com as coisas que acredito. Chame de princípios, eu chamo de assinatura. Portanto, quando voltei a escrever regularmente e passei a refletir seriamente se devia ou não voltar a postar as minhas “discutíveis” diatribes, o esperado e temido momento das questões quiçá insolúveis se abateu sobre mim, e se essas questões o espancarem com violência, então, caro idiota, a carapuça serviu diretinho, e, antes que me pergunte, caso a carapuça não tenha evoluído para uma metástase, a cura é possível: Vale a pena escrever a analfabetos funcionais que se acham filósofos? Vale a pena escrever a analfabetos funcionais que recém descobriram Freud e que usam a pretensa verdade freudiana como a própria verdade? Vale a pena escrever a analfabetos funcionais que citam Susan Sontag em uma churrascada em meio a uma discussão inebriada, apaixonada e apaixonante sobre futebol? Vale a pena escrever a analfabetos funcionais que só leram um livro na vida: O Manual de Redação do Estadão? Vale a pena escrever para o analfabeto funcional afiliado à UNE que aspirou todo o dinheiro do diretório acadêmico do qual era presidente para investir em pó? Vale a pena escrever a analfabetos funcionais entusiastas do regime cubano que assinam Marie Claire? Vale a pena escrever a analfabetos funcionais entusiastas do artista que é entusiasta do regime cubano que usa esse sincero entusiasmo para morar em um triplex no Leblon? Enfim, vale a pena escrever a alguém que julga reacionário tudo aquilo que é contrário ao seu ponto de vista?

A intelectualidade brasileira diz: “Nós somos contra tudo que não defendemos!”.
Porém, o que eles defendem? O que a imprensa brasileira defende? O que os analistas políticos, econômicos, culturais, comportamentais defendem? O que a Folha de S. Paulo defende colocando um anúncio de meia página na capa do caderno Ilustrada da nova loja da Daslu? O que a MTV Brasil defende empregando uma besta chamada Bento Ribeiro? O que defende Xico Sá ao ser parte integrante do programa Saia Justa, o qual sempre fez questão de tripudiar? O que defende Mano Brown como VIP de shows de rap que custam uma fortuna? O que defende o lesadíssimo senador Eduardo Suplicy ao ser amigo de um terrorista estrangeiro filho duma puta? O que o João Gordo defende trabalhando para a instituição evangélica que sempre repudiou? Dinheiro? Então vale mentir em troca de dinheiro? Então os políticos não fazem nada de mais? Então não pega nada cuspir no prato que ainda irá comer? Quanto você custa? Posso barganhar? O que você defende? Posso querer a sua bunda? Posso defumar os seus mamilos? No que você acredita? O que Marcelo Rubens Paiva defende no texto A moda do reaça?

Eu li Feliz Ano Velho, Blecaute, Bala na Agulha e Malu de Bicicleta. Li em uma época na qual ainda estava descobrindo as minhas predileções literárias. Considerei, durante certo período, Marcelo Rubens Paiva como um dos únicos expoentes da literatura pop no Brasil. Depois eu fui crescendo, as minhas teias cognitivas foram se expandindo, e o que antes era interessante tornou-se boa recordação. Fazia tempo que não lia nada escrito por ele. Até que me instigaram a seguir determinado caminho que me obriguei a não percorrer durante algum tempo e deparei com o texto – estilo hard seicho-cho-ie - A moda do reaça. Ao terminar de ler, me senti triste por reconhecer a chegada da senilidade em um autor que admirava quando jovem (procure na internet, não vale a pena!). Eu sempre fui e serei um defensor contumaz da liberdade de expressão, mesmo que a expressão seja repulsiva. Mesmo que a expressão engendre-se das reflexões de “palhação da classe” de Rafinha Bastos e Danilo Gentili. Mesmo que a expressão seja publicada por meio dos dedos e do cérebro de rato cancerígeno de Lobão. Mesmo que a expressão nasça da sofreguidão adiposa envolta em uma atmosfera “ambiance” de Ed Motta. Mesmo que a expressão seja adocicada pela falta de conteúdo e pela saturação visual de Mari Moon. Mesmo que a expressão advenha das falácias redigidas pelos terceiros de Ricardo Teixeira. Mesmo que a expressão saia do inimigo n. 1 da esquerda playboy brasileira: Diogo Mainardi. Diogo Mainardi é tão culpado quanto Renato Russo é gênio. Diogo Mainardi é tão culpado quanto Dinho Ouro Preto é punk. Diogo Mainardi é tão culpado quanto Zé Love é bonito. Lógico que Marcelo Rubens Paiva não deixou de refestelar-se no lugar comum e eleger Diogo Mainardi o culpado por toda a ignorância brasileira – para delírio dos habitués freqüentadores da coluna da Mônica Bergamo e das festas “altruístas” da revista Trip. O mais avassalador problema da velhice é alimentar o inimigo com o seu alimento predileto sem se dar conta disso. A única coisa que sei sobre Diogo Mainardi é que ele adora quando quem não o adora faz questão de atestar o desagrado no veículo para o qual trabalha. A propósito, eu nunca li Diogo Mainardi, o que sei sobre ele é o que as pessoas escrevem sobre ele. Com A moda do reaça. Marcelo Rubens Paiva rebaixou-se a Ophra Winfrey no célebre caso James Frey. No íntimo, ele e os outros Hard Seicho-No-Ie são outros no íntimo: eles nunca acharam uma mulher feia, nunca acharam um homem feio, nunca torceram o nariz para o gosto de alguém, nunca atravessaram um sinal vermelho, nunca xingaram um pedestre, nunca dirigiram bêbados, nunca contaram uma piada de português, nunca atravessaram a calçada por medo, nunca deram duas voltas no trinco da porta de entrada do apartamento, nunca instalaram na porta de entrada do apartamento um trinco para chave-tetra, nunca julgaram quem não conheciam, nunca escolheram como amigos péssimos amigos, nunca espantaram um cão, nunca fecharam o vidro do carro a um pedinte, nunca se surpreenderam negativamente com algo que disseram em público, nunca vibraram em silêncio por terem peidado silenciosamente em público, nunca tiveram medo da morte, nunca tiveram vontade de matar, nunca quebraram uma vidraça, nunca reconheceram-se como reles medíocres, nunca tomaram uma decisão olhando somente para o próprio umbigo lustroso. (O que de fato eles nunca fizeram e, pelo andar da capenga carruagem, nunca farão, é descer do “aprazível” muro!)


Acredito que discutir política culmina em atmosferas tão catastróficas quanto assistir a uma performance de Le Parkour feminino. Discutir política nada mais é do que isso: a pessoa A defende uma coisa, ou acha que defende uma coisa, a pessoa B defende outra coisa, ou acha que defende outra coisa, a pessoa A tentará provar à pessoa B que a coisa que ela defende é a correta, a pessoa B tentará provar à pessoa A que o seu ponto de vista é o correto, por fim, a pessoa A não conseguirá provar à pessoa B o seu ponto de vista, a pessoa B não conseguirá provar à pessoa A a sua coisa. Moral da história: ou a pessoa A ficará de cara amarrada à pessoa B, ou a pessoa B ficará de cara amarrada à pessoa A, ou a pessoa A e a pessoa B darão um basta à política e começarão a falar sobre a vagabunda da Suelen que ficou com o casinho da tia descolada da Pri.

Quem lê este blog, saiba que defendo, como disse antes, a liberdade de expressão irrestrita. Eu defendo o casamento gay, com véu, grinalda, buquê, musica disco, música da Broadway, daminhas de honra de três anos de idade equilibrando as alianças na ponta do nariz. Eu defendo a legalização da maconha, embora acredite que, mesmo com a legalização, o tráfico não irá acabar. Eu só não defendo a legalização de todas as drogas porque entendo que o Brasil não está culturalmente pronto para administrar tal revolução. Eu defendo o direito ao aborto. Eu defendo o direito à eutanásia. Eu considero o anarquismo o melhor “sistema” para reger a sociedade, embora o reconheça como utópico portanto impossível de ser implantado onde haja humanos envolvidos. Eu defendo as pesquisas e os transplantes de células-tronco – e tenho tudo contra quem é contra essa dádiva científica. Eu defendo a pirataria em detrimento dos impostos abusivos. Eu defendo o livre acesso às criações artísticas por meio de downloads. Eu defendo A Lei Rouanet somente a artistas desconhecidos ou pouco conhecidos. Eu defendo as cotas sociais ao invés das cotas raciais. Eu defendo quem não defende a Copa do Mundo no Brasil. Eu defendo quem não defende as Olimpíadas no Brasil. Eu defendo quem prefere as bicicletas aos carros. Eu defendo quem prefere as próprias pernas aos veículos motorizados. Eu defendo quem utiliza regularmente os transportes públicos embora saiba que os nossos transportes públicos estão mais para as regiões púbicas de um náufrago de 98 anos de idade. Agora, a polêmica: eu defendo a pena de morte a estupradores, latrocidas, terroristas, ditadores genocidas, assassinos passionais, psicopatas, assassinos de aluguel e a locatários do assassino de aluguel. “Nossa, bicho, que fascista!” Se você acha essa atitude fascista, hard seicho-no-ie, você não sabe o que é fascismo. Para entender o porquê, eu parti da seguinte premissa: minha mãe está caminhando por uma rua erma em direção à sua casa após fazer as compras. Ela é abordada por um homem que logo anuncia “perdeu, vagabunda, isso é um assalto!”. Mesmo depois de a minha mãe entregar tudo a ele – dinheiro, jóias, celular, relógio, botas etc -, o homem espanca a minha mãe, estupra a minha mãe e a mata estrangulada com o sutiã que foi arrancado selvagemmente do corpo dela. O que você faria se tivesse a chance de encontrar esse filho da puta a sós? Eu o mataria. Não capitularia nem por um segundo, eu o mataria todos os dias, todas as horas, todos os segundos. Eu gostaria de ver morto o homem que estuprou a minha filha até a morte. Eu gostaria de ver morto quem mandou matar meu pai por denunciar um esquema de fraude governamental. Eu gostaria de ver morto quem mandou explodir o prédio onde mora parte da minha família. Eu gostaria de ver morta a babá que envenenou deliberadamente o meu neto de cinco meses de vida. Eu gostaria de ver morto o ex-namorado da minha filha que a assassinou porque ela não queria mais vê-lo. Tenho certeza que esse sentimento brota, mesmo contra a vontade, nas pessoas que tiveram partes cruciais das suas vidas extirpadas dessa forma.
Não, eu não tenho que entender por que uma pessoa que supostamente sofre de “problemas” teve que roubar, estuprar e matar uma mulher de 60 anos. Não, eu não tenho que compreender por que uma pessoa “carente” teve que matar a ex-namorada porque ela não queria mais ficar com ele. Não, eu não tenho que me conformar com a atitude da mulher que envenenou uma criança de cinco meses de vida. Não, eu não tenho que aceitar que a voz divina levou uma pessoa a explodir um hospital infantil.

Pelo menos eu não sou tão retardadamente contraditório quanto o jornalista inglês Christopher Hichens, que se diz contra a pena de morte em qualquer circunstância, mas depõe a favor à Guerra do Iraque. Ambas são penas de morte. A única diferença é que a guerra mata, sobretudo, inocentes.

Aliás, esqueci de outro tipo de pena de morte, a pena de morte do hard seicho-no-ie, a qual censura quem tem coragem de falar o que pensa!

VAMOS NOS ENGANAR QUE OS HUMANOS SÃO NATURALMENTE IMPARCIAIS, E ACEITAR QUE A PARCIALIDADE É UM CRIME PERMITIDO SOMENTE A POUCOS AFORTUNADOS!

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