Blue Valentine
Se você é homem, gosta de uma breja, é romântico, talentoso porém desprovido de ambição, e sofre, de modo intermitente, com a mente ambígua das mulheres, este filme é sobre você. E detalhe: você está fodido, talvez para sempre, muito cuidado com quem você irá escolher como par romântico, a sua vida não é um filme de 100 minutos, é um martírio crescente que pode durar cem anos, isso se você for um filho da puta azarado.
Blue Valentine é o tipo de filme que gosto: triste. Adoro filmes tristes cujos finais acabam da pior maneira possível. Excesso de sangue, overdose, suicídio passional, doenças terminais e acidentes brutais: amo muito tudo isso. Entendo que posso passar a impressão de ser uma pessoa mórbida, mas não me gusta, por exemplo, Jogos Mortais, nem Faces da Morte. Sangue gratuito só vale a pena em filmes de zumbis. Só para constar, eu dei um vestido colorido, uma bolsa de couro marrom e uma cesta de café de manhã à minha namorada pelo seu aniversário. E namoro uma menina que é fã de Lily Allen – para você ver que das mentes supostamente mais diabólicas vêm as atitudes mais tolerantes. E para reforçar ainda mais o senso democrático com o qual são revestidos os meus relacionamentos mundanos, publicarei agora o pequeno lembrete que minha namorada fez questão de deixar sobre a minha escrivaninha quando soube que eu ia indicar este filme a você: “Meu, eu dormi nesta porra, não perca tempo com esta merda”, o que faz parecer, pelos impropérios deste lembrete, que não namoro uma menina, mas um membro dos Hells Angels. O que também faz parecer, se analisarmos sob o ponto de vista do meu notório egocentrismo, que ela não está se referindo ao filme, mas a mim. (Ela dorme pra caralho!) O interessante é que não foi só ela que odiou o filme, todas as pessoas para as quais indiquei o filme fizeram questão de vê-lo nem até a metade, provocando uma sensível queda no meu ibope de diletante refinado. Entretanto, vamos ser razoáveis com este que no momento escreve estas palavras trajado com uma calcinha box da Sexy Machine e uma bota preta de cano alto da Timberland, a minha mina curtiu Crepúsculo, e não só Crepúsculo, mas também Vampire Diaries, e não só Vampire Diaries, ela leu todos os livros do Crepúsculo. Ou seja, ela não manja porra nenhuma. Dê uma chance a mim, assista ao filme, pouco me importa se sozinho ou acompanhado, mas não transe enquanto o filme tá rolando, muito menos com homens, é gay e trata-se de um desrespeito para com os atores e realizadores do filme, uma vez eu transei com a minha ex-namorada enquanto o filme tava rolando, foi catastrófico, ela interrompeu o coito para fazer algo melhor: ver o filme. Blue Valentine será lançado na próxima sexta-feira, dia 10 de junho, nos cinemas daqui, intitulado borra cuecamente de Namorados para Sempre. No entanto, caso a sua situação financeira não seja compatível ao preço pouco generoso das salas de projeção, surrupie-o da internet, eu fiz mais ou menos isso, comprei o filme no camelô e, por enquanto, foi o melhor filme que vi este ano.
Três Vidas
Em um dia desses que se destaca por algum lapso de imprevisibilidade que vem de dentro, percebi que nunca me interessei por nada oriundo de Portugal. Eu nunca vi um filme português. Eu desconheço qualquer artista plástico de Portugal. Eu nunca fui perseverante o bastante para assistir integralmente a um jogo do campeonato português de futebol. Eu nunca li nenhuma literatura de Portugal. Nem sequer li Saramago. Eu nunca peguei uma mina da terrinha. Eu pensava nos peitos de alguma menina com peitos dignos de reflexão quando o professor de português do cursinho declamava ardorosamente os versos de Os Lusíadas, de Luís de Camões. Eu tinha que reparar esse equívoco. Afinal, sou também fruto de uma linhagem lusitana. Portanto, quando deparei com o livro Três Vidas, do escritor português João Tordo, não hesitei: apertei o passo e comprei uma coisa norte-americana. No entanto, quando uma pilha do mesmo livro caiu desastrosamente no meu pé, não tive dúvidas: este filho da puta quer me mostrar que existe mais que bacalhau em Portugal. Então eu gastei quase cinqüenta paus no calhamaçinho de 606 páginas. E, bem longe das minhas expectativas, eu não só gostei do livro como foi o melhor romance que li este ano. A história é contada por um narrador anônimo muitos anos depois dos fatos relatados terem ocorrido. Ela começa no final da década de 70 e termina nos primeiros anos do século XXI. Passa por Alentejo, Lisboa e vai à degradada Nova Iorque nos anos 80. O livro tem de tudo: amor, intrigas, perseguição e morte. E você precisa ser totalmente filho da puta para não ler este clássico contemporâneo. Não é exagero, corra atrás.
Treme
O que diabos aconteceria se um furacão resolvesse dar uma passada pelo Guarujá? Na minha opinião, só sobraria água. Todas as pessoas que permanecessem iriam morrer. Os mais espertos fugiriam antes. Para ser sincero, os mais espertos já fugiram há muito tempo. Só resta quem é fraco o bastante para viver em São Paulo. Eu sou um deles, não me eximo. Mas será que não ia sobrar alguém? Provavelmente, Nego Alan. Como sempre, ele estaria em todos os lugares. Salvando pessoas presas nos escombros, preso nos escombros, solto no alto-mar, voando alto dentro de um helicóptero, morto em cada esquina, vivo em cada esquina, orando no próprio enterro etc. Mais alguém? Morrisey Caiçara. Bêbado em todos os bares, inconveniente em todos os bares, insuportável em todos os bares, cantando o que ninguém pediu para cantar em todos os bares, um personagem desfavorecido cujo castigo é transformar-se em mais uma das infames lendas de uma ilha com uma gravíssima fratura exposta. E a cultura, será que ela sobreviveria? Qual cultura? Há algum tipo de cultura nesta merda? O surfe de marolas? Latrocínio no happy hour? Vai, me dê outra cultura? A pesca no cantão dos Astúrias? A bocha no cantão dos Astúrias? As bicicletas por todos os cantos inclusive nos cantos em que não é permitido o tráfego de bicicletas? Já sei, as pessoas andando no meio da rua. Famílias inteiras andando bem no meio da rua. Crianças peladas andando no meio da rua. A crentaiada se arrastando no meio da rua. Mulheres grávidas com carrinho de bebê no meio da rua. Pessoas boiando no meio da rua como sacos de lixo.
Mas, para saber o que aconteceu após o Furacão Katrina devastar Nova Orleans, basta assistir à melhor série da atualidade: Treme. Criada por David Simons, que tem no currículo nada mais nada menos que The Wire, a série policial mais foda da história, e por Eric Overmyer, Treme mostra o dia-a-dia de intensos personagens e os seus hercúleos sacrifícios para manter a cultura de Nova Orleans viva. Um professor universitário e escritor que começa a postar vídeos no YouTube esculhambando a postura blasé do governo Bush para com a situação da cidade; uma talentosa chef de cozinha que não consegue arcar com as despesas do próprio restaurante; um DJ irreverente e músico insignificante que faz de tudo para ser levado a sério; um trombonista que é constantemente sobrepujado pelos seus vícios; um casal de músicos de rua, ele, violonista e pianista, ela, violinista, que vivem em conflito por conta da inveja do namorado cujos talentos musicais são inferiores aos da namorada; uma dona de bar que sofre com o paradeiro do irmão mais novo após a tragédia; um tradicionalista de jazz e chefe de uma gangue de índios carnavalescos que, contra todos os prognósticos, principalmente os dos próprios filhos, insiste em manter a tradição da gangue e lutar pelos direitos de seus pares; e uma advogada incansável que denuncia os podres da obsoleta, lerda e injusta justiça de Nova Orleans. Quase todos os personagens se conhecem, os que nunca se viram, mais cedo ou mais tarde se darão conta da presença do outro, das tristezas e anseios do outro, em uma colcha de retalhos cujo dinamismo é similar às belas histórias da escritora sulista Carson Mccullers. A grosso modo, Nova Orleans é muito parecida com o Brasil. Repleta de autoridades corruptas, de tráfico de drogas, de deterioração nos serviços públicos, de bares, lixo e música. O que destoa, essencialmente, é a paixão insaciável com que o povo trata a sua cultura: por meio do swing do jazz tocado nas ruas e nos bares enfumaçados, por meio de festas nos quintais das casas onde todo mundo é bem-vindo, por meio dos funerais tristes e ao mesmo tempo festivos e, acima de tudo, por meio do Mardi Grass, o mais afamado carnaval norte-americano que, até agora, não foi descaracterizado pela perseverante sede amarga do capitalismo. Assista agora!
segunda-feira, 6 de junho de 2011
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3 comentários:
Vou assistir "Namorados para Sempre",
Vou comprar o livro e parcelar...kkkk
vou assistir "treme"...e realmente aqui não tem cultura e o carnaval brasileiro é capitalista!
Valeu ter gostado do blog, gostei do jeito que vc escreve, e vou ver esse filme indicado também.
Falow
Voltei assisti Blue Valentine é muito bom, não é fantasioso adorei, realidade cruel, não é fácil assistir à crise de um casamento ... "Como você pode confiar num sentimento se ele simplesmente pode sumir?!"...Blue Valentine
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