segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Esquetes que têm a bosta como mote

“Meu, eu não sei dirigir, mas aquele cara que tá tentando manobrar o carro naquela vaga é mó braço!”, a síntese sem retoques do que é a crítica de artes e esportes no Brasil

Virar correu moda. Desculpe. Correr virou moda. Gordos afluem às pistas urbanas e afrouxam os pulsos. Enxutos apertam os cintos. Escusos malandros correm com a cabeça nas nuvens do pinto. Surdos e mudos xingam quem não consegue falar com as mãos suadas. Amigas gordas que perdem tudo que perderam ao ganhar um sorvete de brinde pelo esforço exemplar de continuar a ganhar mais do que ganham perdendo. Amigas lindas e voluptuosas que não são suas amigas de verdade, não te conhecem, nem percebem a sua presença quando você ainda insiste que em um algum dia não tão remoto o seu olhar vidrado-tarado irá cruzar com os dois fleumáticos azuis característicos das garotas que perguntam “Quem?” na ocasião em que o seu nome é levantado numa roda situada numa esquina de uma cidade que tem apenas cinco mil habitantes sem contar o fato que ela fez parte da sua classe durante três anos e que contava com sete alunos sendo quatro mulheres e uma birolha chamada carinhosamente de Bônus de Pinball. Amigas médias sozinhas ou acompanhadas de mais amigas médias ou em recuperação final sem chance de êxito ou de caras suados despidos da cintura pra cima que vão à manicure pelo menos uma vez a cada duas semanas inclusive em feriados católicos. Senhoras castigadas pelo inevitável relaxo pós-45 e despertas pela desconfiança criada por elas mesmas ou absolutamente premonitórias quanto ao brinco de cruz à la Romário Copa de 94 style do seu marido a passinhos rápidos toldadas pelos seus chapeuzinhos lívidos de noviças reacionárias pós-modernas. Donos e cachorros donos dos donos que cagam em intervalos irregulares, em cenários distintos, em volta de postes, em jardins mal cuidados, sobre a areia fina da praia que empana o croquete de cheiro estragado, em frente às portas de ferro, alumínio ou madeira das casas que recebem a primeira remessa de brisa marítima por isso descascam, sulcam, racham, queimam o lado externo que vale o dinheiro para quem não olha para dentro (clientes regulares de puteiro, gigolôs convictos e sindicalizados, caça-talentos, assinantes da Marie-Claire, pais de família divorciados da polpa e lambuzados pela casca que não consegue mas sonha em ser polpa, quem acredita que a Giovanna Antonelli e a Carolina Dieckmann usam roupa da Marisa portanto as compram no crediário). Homens de negócios no ócio da corrida com ambos ouvidos com negócios onde saem vozes que gritam “negóóóóóóóciooooossssss” a passos curtíssimos que dão a sensação que nunca sairão do lugar, que nunca passarão do quiosque, que nunca passarão daquela bike presa no coqueiro, que nunca passarão por aquele mendigo bêbado que jaz morto já há uns dez dias, que nunca voltarão para casa, que nunca voltarão para casa de praia, que nunca voltarão para os negócios, que nunca voltarão a usar os negócios comprados graças aos negócios, que nunca voltarão à outra casa da outra família cheia de outros negócios graças ao mesmo negócio, que nunca voltarão ao quinto exame do toque retal, que nunca voltarão à faculdade para buscar a namorada de 18 com corpo de 28 que é amiga de sua terceira filha do segundo casamento que mora na outra casa que não é a primeira na qual mora a primeira mulher mãe dos seus dois filhos homens amante de um dos amigos do filho que faz nela o toque retal porém não só com o dedo mas também com o pênis e não para prevenir alguma enfermidade que provavelmente pode fazer uma pessoa gritar de dor mas para dar-lhe prazer que ocasionalmente vira dor e a faz gritar de prazer dolorido, que nunca voltarão ao trilhogésimo copo de uísque, à nonavanogésima carreira de cocaína comprada graças à renomada carreira no mundo dos negócios, ao quadrpriquilhanosézimo peitinho cabeludo de viadinho que ele gosta de chupar com o auxílio do gelo egresso do seu trilhogésimo copo de uísque que ele, ao que sempre parece, nunca voltará a beber.
Sou um traidor cafajeste da tradição milenar dos corredores estetas entusiastas da virulência sem colesterol de Henry David Thoreau e da intrépida inocência perecível de Chris McCandless. Depois de me gabar para próximos e principalmente para mim mesmo por obter o simbólico, porém não menos importante, título de único brasileiro que não coloca molho shoyo no segmento cru da culinária japonesa (o shoyo em demasia viola o paladar natural da comida nipônica), caí de cara e com (sem) vergonha na bosta que tem o esquete como mote (ou é o contrário?) ao correr ouvindo MÚSICA! OHHHHHHHHHHHH! JOGUEM TOMATES! CEBOLAS GRAÚDAS! EXEMPLARES DO MONGE E O EXECUTIVO! EXEMPLARES DO ROMANCE DO JERÔNIMO TEIXEIRA! EXEMPLARES DO LIVRO DA CARLA DUALIB! EXEMPLARES DA HISTÓRIA DO ROCK DE BRASÍLIA NOS ANOS 80! CÓPIAS DO CD SOLO DO RENATO RUSSO. CÓPIAS DO NOVO DO VELHO DO NEM TÃO NOVO NEM TÃO VELHO CD DA LILY ALLEN! CÓPIAS DO NOVO DO VELHO DO NEM TÃO NEM TÃO VELHO CD DA PITTY! CÓPIAS DE FILMES IRANIANOS QUE TÊM UM SACO PLÁSTICO SUJO DE CHORUME OU UMA LONA DE SUPERFÍCIE ÁSPERA DEVIDO AO INCLEMENTE PODER DO SOL OU UM GRÃO DE AREIA OU UM CAROÇO DE FEIJÃO BRANCO OU UMA ENCHARPE ESCURA COM DETALHES EM VERMELHO OU UM CAMELO MANCO QUE INSPIRA COMPAIXÃO OU A ESTRATOSFÉRICA BOSTA DO CAMELO MANCO QUE INSPIRA COMPAIXÃO COMO MOTE! TAQUE LUCUBRAÇÕES DE MAITÊ PROENÇA. (TAQUE MAITÊ PROENÇA SEM LUCUBRAÇÕES E SEM ROUPA.) LANCE AS FILOSOFIAS DE MARCIA TIBURI. (LANCE A MARCIA TIBURI DE UM PENHASCO ATINANDO PARA QUE ELA EXPLODA SOBRE A BOSTA DO CAMELO CAOLHO QUE TEM O MOTE COMO ESQUETE.) TRANSMITA A SAPICIÊNCIA PRETENSIOSA DE EXCELÊNCIA GRAMATICAL À LA PASQUALE DA ACABADA/ PICHADA PENÉLOPE REQUENGUELA FILHA DO VELHO NOVA. ENTUPA OS CORREDORES SOLITÁRIOS DA MINHA CASA COM AS GARGALHADAS NICOTINADAS DO TIO BARBARA GANCIA E DA TIA JOSÉ SIMÃO. FAÇA-ME ACREDITAR QUE A IMPRENSA “INDEPENDENTE” EXISTE E QUE “NADA” NEM “NINGUÉM” PAGA PARA ELA EXISTIR.
A aparição da música dos outros na minha corrida foi um experimento causado por uma ocasional preguiça de não querer correr em um determinado dia que acabou por se tornar um vício. Uns experimentam cigarros e viram fumantes. Outros experimentam Miolo e sabe-se lá por que diabos viram esnobes – e eu conheço gente assim. Outros experimentam ouvir Cansei de Ser Sexy ou Garotas Suecas ou Fernanda Takai ou MixHell ou Moptop ou Vivendo do Ócio e viram fãs. De todos os males, o meu é o menor.
No momento não consigo correr sem um sonzinho. Tênis gastos e boa música fazem a diferença na performance. A música funciona como um aditivo que estimula as partes do corpo que teimam em congestionar a fruição das engrenagens. Não necessariamente a música precisa ser agitada. Exemplo: Eu corro ouvindo Nick Drake. Eu corro ouvindo Owen. Eu corro ouvindo Toe. No entanto, correr ouvindo Bom Iver, não dá. Nem Sade. Nem pense em colocar Sigur Rós. Muito menos Enya. Ou o mestre Yanni. (Erasure é muito selvagem.) É preciso de certos estados de espírito para obter resultados que realmente valham a pena. Não dá para misturar esportes e garotas. Não dá para colocar o Álvaro Pereira Júnior e o Marcelo Tas em uma mesma sala sem que um deixe de chupar o pau do outro. Do mesmo modo que é incompreensível Deus ter deixado Ray Charles e Stevie Wonder cegos (“ah, cara, mas justamente por eles serem cegos é que a música deles alcança um nível tão sublime de beleza”; “beleza, cara, então vou furar os seus três olhos para ver se a mesma coisa acontece, posso?”; “ah, não, cara, tenho medo”) e não ter deixado José Luiz Datena e Lobão mudos. Pequenas regras da existência que valorizam as partes iguais, mas ignoram a ambição que não pensa duas vezes na hora de tentar tomar o que não lhe pertence.



Errar é humano.
O erro é humano.
O humano é um erro.

Eu começo com Purple Blaze, de Ris Paul Ric, ex-guitarrista, vocalista e tocador de maracas do finado e eternamente fantástico Q and Not U. Letra perfeita, melodia que deixa uma sensação de saudade a cada segundo que a música se esvai – como a despedida de um amor impermanente. Em seguida vem Palindramatics, dos nova-iorquinos do Able Baker Fox, rock na medida certa, sem abusar no colarinho. Quando menos se espera vem o equívoco, experimentos passíveis de erro. Péssimos primeiros encontros, sorrisos insinuantes poluídos pela couve, sonos conturbados calcados por lapsos de visões de parentes já falecidos cercados por palhaços malévolos, bailarinas assassinas, ambos com os rostos maquiados com sangue; dores agudas no tornozelo direito, estalos assustadores nos joelhos, mau jeito nas costas e o baço grita “Pare!”. Li sobre uma banda chamada The Gaslight Anthem. O jornalista dizia ou dizia o que outro jornalista (inglês ou americano) já havia dito que o som era uma mistura de punk rock com Bruce Springsteen. O hardcore melódico foi sempre ignorado e considerado a pior vertente do hardcore pela crítica que vê até na estática de uma televisão uma visão reveladora engendrada pela mente calva de um artista que já preparou – 290 páginas – a longa ‘moral da história’ chamada eufemisticamente de “Contexto” ou visceralmente de “Qualé desta merda?”. O visual e a biografia, verossímil ou fictícia, fazem o ladrão ficar bonito, cultuado e até mesmo, veja só, talentoso. Os críticos de tendência “Antes Tudo Do Que Música” podem dizer da forma mais blasé e esganiçada possível: Ninguém mandou o Fat Mike nascer Fat e realmente desgrenhado! (e não meticulosamatematicaminuciosaoobsessivamente desgrenhado.) A embalagem do começo de carreira do Kings of Leon vendeu o som que não era do Kings of Leon em uma embalagem biográfica que não era o Kings of Leon, enfim, o Kings of Leon era uma banda que não era, era uma banda que não era o Kings of Leon. Atualmente, o Kings of Leon é o que não era. O quê, por exemplo? Sei lá, alguma coisa, alguma coisa é. Já sei, o Kings of Leon é tudo que um ex-gay é!
Voltando ao assunto, The Gaslight Anthem é correto. O que é apenas correto, pelo menos para mim, não é especial. Não faz diferença. É o Morais no Corinthans. Sou corintiano e espero que o Morais, no fundo meu coração combalido, me faça calar a boca. Sou um entusiasta da boa música e desejo que o próximo disco do The Gaslight Anthem seja o melhor disco da história do rock. Por enquanto nada passa de uma expectativa que não condiz com a realidade. É o famoso “eles fazem Rock’n Roll honesto” que os pseudos críticos dos anos noventa usavam para classificar as novidades de bandas decadentes do calibre de Inocentes, Ultrage A Rigor, Plebe Rude e afins. “Como é o seu novo vizinho?” “Ele só serve para dar oi, tchau e, quem sabe, carregar por cinco metros, mais por educação do que por qualquer outra coisa, a parte pesada das compras no final de tarde.” A crítica de arte é compreendida pelos críticos como faculdade essencial. Para quem? Para os chatos. Crítica de arte é, não devia ser, mas é, puro gosto. Não sou didático, mas... travestido de discurso cujo responsável se considera um “especialista”. E é aí que a merda cremosa voa para todo lado acertando em cheio a goela do coitado que pensa que é bem informado mas não passa de uma vítima da ditadura do espaço que preenche o vácuo dos corretos. Eu gosto de NOFX, mas não gosto de The Gaslight Anthem, o ponto é esse? Para eles, sim, embora não acreditem. Para mim, mais ou menos ou não. “Mais ou menos ou não, que porra é essa, gato?” Ser mais velho que um fã adolescente do Arctic Monkeys ajuda. Ser mais velho que um fã adolescente do Arctic Monkeys mas agir como tal é como usar a baby look roxa de qualquer peido cibernético que é a nova fofoca da web e ficar com a barriga inchada de fora de tanta cerveja à base de trigo. Mais sucintamente: é ridículo. Confesso que me desdobrei para criar alguma simpatia pela Nação Zumbi. Mas não consigo. Não consigo gostar de jeito nenhum. Já ouvi todos os discos, já fui a diversos shows e o meu semblante permanece igual ao do escritor sul-africano J.M.Coetzee na contra-capa de seus livros.

(Cara J.M.Coetzee)

Entretanto, devo reconhecer que os caras são ótimos artistas. Eu só não consigo gostar, e, afinal, quem sou eu? Sou apenas um rapaz latino-americano com um pau de 29 cm. Em contrapartida, o NOFX é melhor musicalmente que o The Gaslight Anthem. “Eu ainda compro vinil, eu ainda compro fita-cassete, eu ainda compro CD, eu ainda freqüento a London Calling, eu ainda digo para todo mundo que sou órfão do Lado B sob a tutela do Kid Vinil, eu ainda tenho o pôster do Jarvis Cocker fazendo pose de dândi e não concordo com você!” Foda-se e seja feliz! “Foda-se e seja feliz? Nossa, que dicotômico... isola, não acredito, olha quem tá ali, é a Erika Palomino!” Foda-se e seja feliz! “O que é isso, o Smiths vai voltar?” Foda-se e seja feliz! “Li pela metade, não entendi, mas gostei o bastante para dizer a todo mundo que mudou a minha vida e recomendei até mesmo para o ‘bode’ do meu psicanalista.”

Foda-se e morra de desgosto pelo mundo que criei pra mim.
Pelo menos ele é meu.

2 comentários:

Ana Paula disse...

Não conhecia Nick Darke tem os mesmos cabelos do Jim Morrison!Desculpe não resisti, escuto The Doors deste os 15 anos.Gostei disso"able baker fox - brand new moses"...
Acho que você talvez goste desse som
http://www.youtube.com/watch?v=Rbr80q4Rq1o ... eu curti na primeira vez que escutei, amo musica, posso não entender muito, simplesmente amo... gostei do texto!!!

Ana Paula disse...

Esse link que postei é do William Fitzsimmons !rsrsrs...