segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O ordinário vira história

Ele nem sempre começa quando abre os olhos pela primeira vez.

Pois pode fechá-los no segundo seguinte

e abri-los quarenta segundos depois.

Mas chega uma hora em que eles ficam abertos,

a não ser pelas breves piscadelas,

que podem durar um pouco mais se vierem acompanhadas

por um suspiro de cansaço,

ou por uma dor profunda,

ou pelo costume de ter que suspirar de vez em quando,

mesmo que seja para criar um vínculo com alguém,

ou,

odiosamente,

para se igualar a todas as outras pessoas

e os seus suspiros

e os seus bocejos

e todos os

outros bocejos subseqüentes ao dos predecessores.

Ele acredita que pensar bastante faz bem para quem não pensa.

Várias vezes ele pensa em não escrever nada

para deixar os outros fazerem isso por ele.

“Deixar para os outros que,

com a mais absoluta certeza,

farão por eles o que foi feito para você.

Por que escrever grandes romances se Jeffrey Eugenides

pode fazer isso por mim

e muito melhor do que eu posso fazer para mim mesmo

e para os outros que acham que foi feito para eles?”

Às vezes ele gostaria de ter origem judaica.

De ter um avô polonês que sofreu em Auschwitz.

De carregar uma mancha vermelha inchada no rosto.

Sofrer um acidente

e ficar paraplégico

e depois de anos de longa batalha voltar a andar

e virar o mais puro exemplo de perseverança

e amor à vida.

Converse com o meu filho,

por favor,

ele está querendo se matar

só porque a namorada acabou de se matar

com uma overdose de remédios para cavalo

porque não conseguiu passar no vestibular.

Goze na minha boca

e dê um pouco da sua coragem.

Só que é tudo tão normal.

A

história

de

um

homem

que

nasceu

de

um

acordo

entre

duas

pessoas

de

sexos

diferentes

que

não

tiveram

meios

de

perguntar

se

ele

gostaria

de

nascer

ou

viver

no

escuro

desprovido

da

informação

de

que

um

lugar

onde

luz

e

onde

todos

aparecem

à

espera

do

dia

em

que

irão

sumir.

Como um peido oriundo do anonimato.


(Prometo que, na semana que vem, irei finalizar a história que comecei na semana passada. A minha vida, nessa época do ano, fica uma bagunça. Para se ter uma ideia, só agora percebi que estou usando a cueca do avesso - o dia todo com a cueca do avesso, fio dental de algodão.)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pesadelo em Limeira - O dia em que esperança morreu logo na chegada - Parte 8

A história de um breve romance indie cheio de putaria grudenta - Parte 6

Eu não sou o cara que quebrou o tornozelo no dia 7 de maio de 2006. Eu não sou o cara que partiu o tornozelo ao meio e teve que colocar sete pinos para remediar a destruição. Eu não sou o cara que ficou com o tornozelo pendurado porque também rompeu o ligamento. O médico disse ao cara que não sou eu que é mais comum romper esse tipo de ligamento quando, em um acidente de carro, no desespero, a vítima tenta tirar à força o pé que ficou preso entre as ferragens. O cara que não sou eu foi levado à sala de cirurgia num aventalzinho transparente que não alcançava nem a metade das coxas. Antes da cirurgia, o médico chamou todos os médicos residentes para ver a situação do cara que não sou eu. Os médicos residentes eram jovens super gostosas com a mesma idade do cara que não sou eu. Se o cara que não sou eu já sai em desvantagem quando pode planejar o próprio visual, imagine com um aventalzinho transparente que não chega à metade das coxas e com a touca da Vovó Mafalda na cabeça. O cara que não sou eu ouviu, na cirurgia, enquanto o cirurgião aparafusava os parafusos de platina nas extremidades rompidas do tornozelo com uma furadeira adaptada, a equipe médica discutindo, às risadas, a situação crítica do Palmeiras. O cara que não sou eu (que, aliás, é corintiano), depois de sair da cirurgia, comentou com a enfermeira que não estava sentindo a bunda. A enfermeira disse, com um senso de humor descabido, que isso era perigoso. Já no quarto, o cara que não sou eu percebeu que se ele cortasse o próprio pau com uma faca de açougue ou mordesse o próprio pau com uma dentadura de adamantium ou arrancasse o próprio pau com uma serra elétrica ele não iria sentir dor alguma. Ele ficou tremendamente assustado com a extrema insensibilidade de sua genitália. A mãe do cara que não sou eu disse que, às vezes, após a cirurgia, “o paciente precisa de uma sonda para extrair a urina que fica presa na bexiga por conta dos efeitos colaterais da anestesia. Não é recomendável deixar a bexiga inchar.” O cara que não sou eu recebeu a anestesia raquiana, que inutiliza os movimentos da cintura para baixo do paciente. De madrugada, o cara que não sou eu teve que solicitar o auxílio da enfermeira de plantão para colocar uma sonda no seu pau porque ele estava morrendo de vontade de mijar mas não conseguia. A sonda é um caninho de espessura um pouco superior da de um canudo de milk shake que é colocada no interior da uretra. O cara que não sou eu nunca imaginou que o interior do seu pau pequeno podia ser tão longo e tão dolorido. Ele não sentiu que estava de fato mijando mas ele estava. O cara que não sou eu ficou dois meses engessado. Ele foi informado que teria que evitar, durante os dois meses de convalescência, apoiar o pé fraturado no chão. Portanto, quando ele sentava em algum lugar, ele tinha que apoiar o pé em alguma coisa. Quando ele colocava o pé no chão, ele ficava cor de vinho. Antes de sair do hospital, o cara que não sou eu foi alertado pelo médico que ele tinha que ficar, no máximo, três dias em repouso, sem sair da cama, à exceção da urgência de uma cagada. O cara que não sou eu ficou... quase duas semanas sem levantar-se da cama. Quando voltou ao médico para retirar os pontos, o médico foi alertado pelos pais do cara que não sou eu que há quase duas semanas o cara que não sou eu “não levanta da cama.” O médico disse em tom peremptório que se ele continuasse deitado como um morto filho da puta ele ficaria com escaras. Escaras são feridas que brotam nas extremidades ósseas das pessoas que ficam muito tempo numa mesma posição. E, além das escaras, ele poderia ter sérios problemas intestinais. “Há quanto tempo que você não caga?” “Olha, sinceramente, desde o dia em que quebrei o tornozelo.” “Vixi, tá fudido, tenho quase certeza que a merda já tá empedrada no interior do seu intestino. É bom você começar a se mexer. Literalmente!” O cara que não sou eu teve muitos problemas com as muletas. O principal problema foi que as muletas que ele utilizou durante os dois meses em que ficou engessado eram para pessoas amputadas. Ele só soube disso quando começou a fazer a fisioterapia. As muletas foram emprestadas pelo amigo do pai do cara que não sou eu que teve a perna direita amputada depois de subir na moto bêbado e chocar-se contra um ator que estava vestido de palhaço no ponto de ônibus. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele rolou pelas escadas da faculdade. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele caiu ao tentar atender um telefonema que não era pra ele. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele caiu ao sair do banho. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele caiu ao levantar-se da cama para lavar as mãos depois de uma merecida e solitária punheta. O sexo sempre foi um problema para o cara que não sou eu. Na verdade, o problema não era o sexo, era fazer o sexo, ou encontrar alguma mulher disposta a fazer o sexo. Agora o problema era encontrar uma mulher disposta a fazer o sexo com um cara engessado que andava o dia todo de pijama, que odiava a vida, e que vagava tropegamente pelo mundo sórdido das aparências com um par de muletas para amputados. Mas havia uma mulher. Havia uma mulher que o idolatrava. Havia uma mulher que, um dia, disse pra ele que se ele aceitasse namorar com ela, ela chuparia o seu pau a hora que ele quisesse. E ela era bonita. Tinha peitos grandes. Tinha uma risada irritante. Beijava bem. E fazia sons estranhos quando tinha o pescoço beijado. Não dava para saber se ela estava com tesão ou se estava desfilando descalça sobre pedaços pontiagudos de cacos de vidro colorido. Ela dizia pra ele que ele era muito talentoso. Beijando, provavelmente, porque a única coisa que eles faziam quando se encontravam, além de não conversar, era atacar-se mutuamente com as suas línguas. Ela dizia pra ele que ele era muito engraçado. Ela dizia pra ele que ele era tão bonito quanto o Dinho Ouro Preto. E, apesar de sentir-se contrariado com essa comparação, ele achava que devia haver alguma coisa boa no meio disso tudo. E, para tranqüilizá-lo, uma amiga sua da faculdade disse que ele parecia sim o Dinho Ouro Preto. Isso se o Dinho Ouro Preto fosse um mendigo. E essa declaração equilibrou as coisas. Portanto, quando ele teve que pensar durante dias em uma menina na sua lista mínima de prováveis parceiras sexuais disposta a aliviar o excesso de esperma que saia do seu pau como um jorro de urina tal qual um adolescente alcoólatra com um pau de 95 cm, só havia um nome: o dela. Então ele ligou para ela. E falou que estava doente. Colocou fratura na categoria doenças. Estava sozinho. Como se não fosse normal pra ele ficar sozinho. Estava com saudades dela. Como se saudade fosse não ligar para ela durante três anos. Como se saudade fosse falar um blasé “Não!” para uma menina que se ofereceu a chupar o pau dele por todos os segundos que restavam dos seus dias. Ela ficou surpresa com a ligação. Ela sublinhou surpresa, não feliz. O último dia em que eles se encontraram foi dentro da balsa, na volta da faculdade. Ela, educação física. Ele, jornalismo. Os dois estavam de bicicleta. Ela estava sozinha. Ele estava com os seus amigos retardados. Dois dias atrás eles haviam se pegado. Não ele e os seus amigos retardados, ele e ela. Foi legal até o momento em que ele se descuidou e mordeu a língua dela. Então os dois saíram pedalando juntos da balsa. Ela perguntou pra ele se ele não queria acompanhá-la até a casa dela. E ele falou que “Não!”. E foi embora com seus amigos retardados enquanto ela entrava à direita na rua da Jacaré Motors ouvindo os amigos retardados dele provocando um carrinheiro que trafegava no meio da rua e respondia a eles que ele comia um cu: “Eu como um cu, eu como um cu, eu como um cu”. Então ele perguntou a ela como estava a sua vida. Como se ele se soubesse como estava a vida dela há três anos. Ela havia largado o curso de Educação Física na Unimes. Ela estava cursando secretariado nas faculdades Adélia. Retrocesso. Até um tempo atrás ele andava, agora ele temia a tenebrosa possibilidade de ficar manco. Ele ficou feliz ao presumir que ela estaria abalada pelos atuais retrocessos de ambos e por isso sentiria necessidade de se intoxicar numa atmosfera luxuriante de sexo sujo sem compromisso. Ele queria isso. Ela que o atacou na primeira vez em que eles ficaram juntos. E em todas as outras em que eles ficaram juntos. E ela falava dele pra todo mundo. Como era demais ficar com ele. Portanto, o que podia dar errado? Ele não era mais o mesmo. Ele lembrava menos o Dinho Ouro Preto e lembrava mais o vocalista do Dr. Silvana. Ele estava lendo umas paradas estranhas e depressivas. Sinceramente, ele estava lendo. E isso já era uma mudança e tanto pelo que ela conhecia dele. Ele era o único cara que tirava dez nas provas de diversas matérias sem ao menos saber o que estava escrito nelas. Ela passava cola pra ele e ele passava de ano e ainda passava a mão na bunda dela e o mundo era uma passagem agradável sobre a qual desfilava o seu triunfo egoísta e alienante. Ele estava lendo umas paradas escritas por um mano gringo chamado Raymond Carver. Ele estava lendo uma parada cabeça chamada Sem Logo – A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido. Ele tava achando da hora as histórias de um fita tristão chamado John Fante. Ele tava curtindo pra caralho uma coletânea de textos de ficção científica que foram recusados pelas publicações para as quais foram enviados. O nome da coletânea era Futuro Proibido e havia um texto escrito por um truta chamado Colin Wilson pelo qual ainda hoje ele fica chapado quando o lê. Ele viu um documentário sobre um inglês de 37 anos que mora em Nova Iorque que saiu de casa à noite, pegou um metrô e acordou no dia seguinte dentro do vagão do metrô sem saber quem ele era. Ele começou a acompanhar uma série sobre uma família que administra uma funerária e achou a melhor série do mundo. Ela estranhou essa versão culta do cara que não sou eu, mas mesmo assim prometeu que daria uma passada lá para ver como ele estava. Os pais do cara que não sou eu tinham viajado a negócios e só voltariam no dia seguinte. Portanto o cara que não sou estava sexualmente famélico e sozinho. Então ele foi tomar banho. Tomar banho não é uma coisa que ele costuma fazer com freqüência. O cara que não sou eu sempre foi muito supersticioso. Nada a ver com Deus ou macumba ou cristais ou miçangas. E sim com objetos de vestuário e teorias estéticas. Por exemplo, quando ele pegou pela primeira vez a sua ex-ex-namorada, ele não havia tomado banho o dia inteiro. Portanto ele achou que, para dar sorte com as mulheres, ele não tinha que tomar banho. Ele não pegou mais ninguém adotando esse patético método, tomou um fora da ex-ex-namorada e além do mais ficou cheirando como a pia do apartamento do Rocambole. O cara que não sou eu parou de lavar os cabelos quando pegou pela primeira vez a sua ex-namorada em um costumeiro dia gélido de junho em que ele não lavou o cabelo. Ele acordou de manhã, não tomou banho, colocou um gorro na cabeça e foi à escola. Saiu da escola, foi para casa, tirou o gorro da cabeça e achou o cabelo da hora. Depois ele entrou no quarto, fechou a janela e ficou sentado ereto na cama a tarde toda para não desmanchar o seu penteado. Depois anoiteceu, ele tomou banho, mas não molhou a cabeça. Se deu bem. Depois ele se deu mal e acabou constantemente chifrado e com o cabelo liso mais black da história da classe média guarujaense. O cara que não sou eu achava que havia anjos escondidos alvejando os seus olhos com flechas líquidas compostas com sangue de pessoas aidéticas. O cara que não sou eu passava quase o dia todo, menos enquanto estava dormindo, enfiando o dedo no olho para tirar o sangue que estava escondido no interior das suas pálpebras. O cara que não sou eu tinha um mantra na cabeça para afugentar coisas ruins que vagavam pela sua mente: “Por favor, para com isso, por favor, para com isso”. Ele tinha que falar esta frase duas vezes para se sentir livre das piores doenças e das piores atitudes de outras pessoas. O cara que não sou eu não usava mais camisetas que haviam sido usadas em um dia em que deu tudo errado. Ele começava calçando o tênis com o pé direito. Ele virava para baixo todos os calçados que estavam com a sola para cima. A mãe dele disse para ele que sola para cima a mãe do dono do calçado morre. Mas naquele dia de esperança isso não significava mais nada para ele. Portanto ele fez questão de tomar um banho completo. Ele limpou as unhas, coisa que nunca havia feito na vida. Ensaboou o tríceps, outra coisa que ele nunca havia feito na vida. Ele nem sabia que tinha tríceps. Lavou o umbigo, mais uma nova experiência. Ensaboou a cabeça do pau, um dia de descobertas. Passou shampoo nos cabelos. Quanto tempo ele não fazia isso? Passou condicionador. Ele já havia feito isso? Escovou os dentes. “Alguma vez eu fiz isso duas vezes em um só dia?” Engoliu um Listerine. “Eu não sabia que era para gargarejar.” Usou secador nos cabelos. “Eu que vou comer a mina ou ela que vai me comer?” E ficou parecendo um tipo de Rod Stewart jovem com muletas de amputado. Ou parecia Jennifer Beals, protagonista do filme Flashdance, pronta para uma dança adaptada para fraturados que flanam com dificuldade ao apoiarem-se em muletas para amputados. Escolheu uma cueca pequena. O seu pau fica mais ameaçador em cuecas pequenas. Porém ele tem muitos pentelhos no pau, mais pentelhos do que pau, e uma assustadora quantidade de pentelhos fica pra fora da cueca. Nesses momentos a região púbica dele fica parecendo o Morais Moreira na época dos Novos Baianos. Até hoje ele não se conforma com as peças que a genética pregou nele. Ele gostaria de ter barba. Ele queria ter uma barba enorme. Tipo a do Maomé. Tipo a do Ian Anderson, líder do Jethro Tull. O que é que ele ganhou? Pelos nos dedos dos pés. Ele tem muitos pelos nos dedos dos pés. Pra que tantos pelos nos dedos dos pés. Ele queria ter o peitoral cabeludo. O que é que ele ganhou? Pelos entre as nádegas. Um moicano chumacento do The Exploited entre as nádegas. Quando ele pratica algum exercício físico, e sua na bunda, os pelos ficam grudados entre as nádegas e grudados entre si. Às vezes fica difícil até andar. E assa. E dá-lhe Hipoglós. Hipoglós pra caralho. Aconselhado pelo seu pai, ele até parou de limpar a bunda com o papel higiênico. Ele limpa com a mão mesmo. Abre o chuveiro, abre as nádegas, coloca a bunda sob a ducha, pega o sabonete e lava a parada. Ele e o seu pai. Não juntos. Cada um com a sua bunda. Quando algum idiota levou essa excentricidade à baila em alguma conversa que havia garotas no meio, ele se defendeu dizendo que o Jack Kerouac e o Allen Ginsberg também limpavam a bunda com a mão. Tá certo que ele omitiu que o Jack Kerouac e o Allen Ginsberg faziam outras coisas com as suas bundas e com suas mãos e com as suas outras coisas. Mas não havia problemas, porque em todas as vezes ninguém tinha a mínima ideia sobre quem ele estava falando. Então ele perguntava “sabe o Geoff Dyer?”. E ninguém sabia quem era a porra do Geoff Dyer. “Sabe o Bruce Chatwin?” “Quem?” “Sabe o Paul Theroux?” “Sabe o David Lynch?” “Sabe o J.D.Salinger?” “Sabe o Lee Perry.” “Sabe o Cat Stevens?” “Ou o Yusuf Islam?” “Sabe o Jon Krakauer?” “Sabe o Muamar Kadafi?” “Sabe o Marcos Valle?” “Sabe o Chico Mendes?” “Sabe o Chico César?” “Sabe a Mulher Jaca?” “Ah, essa eu sei, essa eu sei.” “Então, ela também limpa a bunda com a mão.” “Nossa, que interessante.” “O Márcio Garcia também... E a Flávia Alessandra... E, às vezes, o Rodrigo Faro.” Ele queria ter pelos nas coxas. O que é que ele ganhou? Trinta e nove famílias siamesas de pentelhos no escroto. Escroto! Às vezes, na intimidade, no ônibus lotado, numa cerimônia matrimonial da qual ele é padrinho, ele coça o saco e os seus dedos ficam cheios de pentelhos. Quando uma menina que estudava com ele, uma baranga que ia pra escola com um bermudão da Cyclone chamada Andersan (a versão feminina de Anderson), comentou com ele que ele não tinha o “caminho da felicidade” - leia-se “Caminho da felicidade” o rastro de pelos que fica sob o umbigo -, ele disse: “Mas eu tenho pentelho pra caralho!” Ela disse: “Duvido”. Ele colou a mão no saco, tirou um punhado de pentelhos e jogou em cima dela. Quando uma gostosinha chamada Bruna disse que ele depilava os braços e ele respondeu que não depilava os braços, que na verdade não havia nascido pelos nos seus braços, e ela falou que ele era mentiroso, ele colocou a mão no saco e jogou uma porrada de pentelhos em cima dela. Ele encontrou alguma utilidade para os seus pentelhos. Mas naquele momento, à espera de uma provável e deliciosa parceira sexual, na expectativa de enfim copular após um hiato de, sei lá, quarenta e cinco anos, noventa e cinco anos de autopunhetação, ele tinha que aparar a parada. Ele nunca havia aparado a parada antes. E não sabia como proceder. Sempre quando a palavra depilação piscava na sua mente, ele lembrava da história do seu distante amigo Felipe. Felipe se afastou da roda de amigos na rua Rio de Janeiro para encontrar um lugar calmo para poder dar uma mijada na rua. Um amigo dele o acompanhou. Ao encontrarem um lugar propício para mijar, eles abaixaram as suas calças. Enquanto estavam mijando, o amigo de Felipe virou o pescoço em sua direção para comentar alguma coisa. Ao olhar, sem querer, ou por querer, para o pau de Felipe, ele notou que Felipe havia depilado aquela sensível região. Em forma de triângulo! Então o cara que não sou eu deu uma risadinha canalha a si mesmo e depois ficou sério, concentrado no que não sabia fazer. Ele lembrou daquela mítica Playboy da Adriane Galisteu e se deu conta de que ela havia usado gilete para depilar a sua parada cabeluda. Ao passo que ele pegou uma gilete que o seu pai usava para fazer a barba e depilou o seu pau com ela. A seco! Primeiro na região da virilha. Os seus pentelhos entrelaçavam-se no seu pau como a primavera no arame farpado nos muros da sua casa. Depois o saco. Nada de sangue, bom sinal. Depois a região pélvica. Sentiu-se uma espécie de Crocodilo Dundee devastando um pântano. Depois deu uma lavada na gilete, colocou-a no mesmo lugar no qual estava minutos atrás como se nunca houvesse saído de lá, tomou uns dois tombos no percurso até o espelho e caiu a ficha: por isso que os porn stars sempre estão depilados. O seu pau havia ficado maior do que pequeno. Ele tinha que se vestir. “Que tipo de modelito combina com o aspecto Rod Stewart jovem e Jennifer Beals fase laquê?”, ele se perguntou. “Um casaco de couro feto look? Não tenho. Um casaco com pele de tigre verdadeira? Não tenho. Um casaco com pele de tigre falsa? Não tenho. Um colant de lycra pink com uma meia-calça preta e uma bandana amarela? Não tenho. Uma regata tipo Everlast boxeador arrombada nas laterais? Não tenho. Blazer sem camiseta por baixo? Não tenho. Macacão jeans com só uma alça presa? Tenho um macacão jeans mas não tenho pelos nos peitos e só esparsos pelos nos sovacos e já botei desodorante (Italian Pine, R$ 2,40, “O desodorante dos que têm orgulho de serem italianos”) e sem pelos nos peitos e sem pelos nos sovacos e sem sovaqueira não há sentido para usar macacão. Eu posso usar...” Ele escolheu uma camiseta preta de manga comprida com a estampa do Hot Water Music. Ela adorava essa camiseta. Ela dizia que ele ficava lindo de preto. Ele botou uma calça preta. Ele caiu ao vestir a calça preta. Uma delas de cara no chão. Ele notou que, quando caía, por reflexo, ele sempre levantava a perna esquerda para o alto. Dos dois meses engessado, ele ficou o primeiro mês sem beber uma gota de álcool. Quando voltou a beber, ele mijava nos postes com a perna esquerda levantada. Houve momentos bons nesses sessenta dias no estaleiro. Além dos bons livros e dos bons filmes e das boas punhetas, ele descobriu uma característica nos seus amigos retardados da qual ele presumiu que eles fossem desprovidos: solidariedade. Eles o levavam para passear. O deixavam ficar com as pernas esticadas sobre as suas pernas no banco de trás do carro. O chamavam para jogar War na rua. Iam buscar duas cadeiras para ele. Uma para sentar e outra para ele apoiar a perna na cadeira. Quando havia churrascos, afinal, era época de Copa do Mundo, todos agiam como seus empregados. “Quer uma cerveja?” “Deixa que eu pego para você.” “Quer ajuda para ir ao banheiro?” “Apóia aqui.” “Vai querer comer o quê?” “Sai, deixa o ‘Francesco’ sentar aí!” E ele, claro, abusava quanto mais podia, como se quisesse testar os limites do altruísmo. “Pega aquela pra mim direto do sovaco do pingüim.” “Por favor, aquela bolinha de queijo esperta.” “Faz aquele prato de salaminho pra mim.” “Mais uma, por favor.” “Saiu a carne? Saiu? Faz aquele pratinho pra mim.” “Hummm... sem querer abusar, mas tu esqueceu da farofinha.” “Pode cortar a carne em picadinhos pra mim? Valeu.” Eles o levavam a um bar novo no centro que ficava no térreo de um prédio instalado a cinquenta metros da praia das Pitangueiras. Ele tinha uma cadeira para sentar, outra para apoiar a perna e mais uma para guardar as muletas. Era um bar de metaleiros New Metal. Sinuca e cigarro e banheiro sujo e porção de bata-frita com excesso de Ketchup. Os moradores do prédio jogavam ovos na clientela do bar do alto de suas janelas. E foi nesse bar que repentinamente encerrou-se a solidariedade fraterna de seus amigos para com ele. Saulo levantou da mesa, foi até a esquina e gritou: “Caralho, tem duas minas se beijando”. Ele levantou e começou a correr manquitolando como se tivesse em meio a um tiroteio. Até de muleta ele conseguiu ser mais rápido do que o Rocambole. E o pior de tudo é que era mentira. Não havia nenhuma menina se beijando com outra menina. Ele não idolatrava a imagem de Deus, ele não idolatrava a imagem de Cristo, ele não idolatrava a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, ele não idolatrava a imagem de Buda, ele não idolatrava a imagem de James Dean, ele não idolatrava a imagem de Roberto Carlos, ele não idolatrava a imagem de Pelé nem a de Maradona e muito menos a de Ray Conniff, mas ele idolatrava a imagem de duas mulheres se beijando. E como! Ele tiraria a Niagara Falls, o Cristo Redentor, a Torre Eiffel (ou, como diria Saulo, “Torre Waffle”), o pôr do sol visto de uma gôndola em Veneza, para colocar a imagem de duas mulheres se beijando entre as dez maravilhas do mundo. Desde que elas não fossem estivadoras, não tivessem mais pelos do que ele e não tivessem tatuado sobre um dos mamilos um punhal esverdeado. Só vinte e quatro coisas o deixavam em tamanha excitação: fofocas que denunciavam o envolvimento de mulheres conhecidas em gang bang, empregadas gostosas tomando banho em duchas geladas, vizinhas fazendo topless no quintal, sexo de rua, boquete no carro, coroas gostosas com muitas jóias, sardas, gostosas suadas, vídeos de sexo amador veiculados no celular, mulheres que tomam as rédeas do ato e fazem espanhola por conta própria, pompoarismo com bolas chinesas, colegas de escritório transando no escritório sem tirar a roupa, Elizabeth Shue se banhando de uísque em Despedida em Las Vegas, a coroa do Ken Park, marquinhas de biquíni, concurso de camiseta molhada, mães gostosas amamentando em público, cruzada de pernas sem calcinha, mulheres com calça de couro, imaginar freiras gostosas, mulheres com moletom sem nada por baixo, mulheres de cinta-liga, mulheres de regata sem sutiã e b boys japoneses. Ele estava todo de preto. Camiseta preta, calça preta, cueca minúscula preta que deixava o seu pau meio que maiúsculo e um coturno preto. Um só, ele não precisava do outro. Pensando melhor, ele assemelhava-se mais com um Trent Renzor disposto a cometer alguma loucura. Tipo chupar o dedão do pé da mina, se fosse necessário. Ou até mesmo beijar alguma ferida. Ou quem sabe sugerir algemas. Velas derretendo no peito. Ou a inclusão de animais de médio porte. Ela era mais experiente no sexo do que ele. Até mesmo o Padre Marcelo Rossi era mais experiente do que ele. Por baixo, ele conhecia uns vinte e cinco caras que já haviam a comido. Fora os 1.349 que ele suspeitava. Mais os 505 que dizem as más línguas foram agraciados pela sua estupenda felação. No entanto, segundo ela, amor era só com ele. Ele não tinha dinheiro, não tinha carro, não tinha casa própria e não tinha pau. Ele não cortava o cabelo há uns sete meses, não se exercitava há uns sete anos e não transava há uns setenta séculos. Mas mesmo que ela o amasse de verdade, prometesse coisas dignas de pessoas apaixonadas, ele queria sexo seguro. Ele podia vê-la sendo enrabada por uma capivara, mas transar sem camisinha estava fora de cogitação.

(Continua na próxima segunda-feira.)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Os 1001 ensinamentos, lucubrações e idiossincrasias do solitário corredor

Número 2

Correr bêbado não é legal. Traz má reputação. Dar de cara no poste não o deixará mais bonito. Ou, se pensarmos bem, dependendo da qualidade da máscara que Deus lhe concedeu (“ah, os meus amigos me acham parecido com o Puyol”) há uma possibilidade, embora ínfima, de uma melhora no visual. Afinal de contas, a plástica do pobre é o acidente! Todo acidente é uma loteria! Perder um olho e colocar um tapa-olho: excentricidade e mistério. A mina vai olhar, enquanto você corre, e pensar com os dois botões que ela possui: “Que pirata misterioso” (para quem não é gostoso, ser misterioso é o caminho). Talvez... “Que babaca pretensioso!” (para quem não tem nada, a pretensão pode ser sua maior aliada – Ex: “Uma piada típica de Wall Street, hahahahaha”; “Manda o Matthew Barney chupar um caralho!”; “Quem mesmo? Comi. Hã? Comi. Não sei, peraí... uhhhh... ah, claro, comi. Comi. Comi. Comi. Comi a família toda”. Que tal... “Quem não tem um olho mesmo? Há, o David Bowie. Hummm, ele pode ser o meu David Bowie, mesmo barrigudo” (se bem que essa última reflexão pode ser fruto da imaginação de um pederasta).

Eu tenho uma cicatriz no rosto, sob o olho esquerdo, nada muito evidente, que pode ser considerada um charme, já que a falta de charme é a minha principal característica. Quando eu tinha 12 anos, dei de cara na lixeira em uma partida de futebol disputada na rua – a mítica (pra ninguém!) Doutor Carlos Nehring. Digamos que eu estava embriagado, não pelo álcool, mas pelo anseio de vencer a qualquer custo. O meu time perdeu e a minha cara ficou parecendo... “uma buceta!”, melífluas palavras de incentivo proferidas pelo meu pai logo após o acidente. Ironicamente, essa foi a primeira buceta a ficar na minha cara. Se não fosse pela confusão que o álcool e as drogas “não asquerosas” proporcionam na visão das mulheres, teria sido a única. Portanto, o que nos resta além de celebrarmos a existência do álcool e das drogas “não asquerosas” (asquerosas: pedra – chá de fita – cocaína – óxi - sopro do diabo – Lobão – Detonautas – Matanza – Gloria Kalil – Xuxa – 30 Seconds For Mars – José Simão – Katy Perry Ao Vivo – Katy Perry em estúdio – Paulo Vinícius Coelho – Ivete Sangalo... viva – Claudia Leite... opinativa – Esquerda... capitalista – CONAR – ONU – FMI – SFC – SPFC – Orquestra Legião Urbana – Bruno ‘Mashup’ Mazzeo – Independência Studio SP etc?) Quase nada. Videogame? Cerveja? Amendoim? Rir com os amigos? Fumar um com os amigos? Fumar um um dia inteiro com os amigos? Fumar um um dia inteiro sozinho com um engradado de cerveja e um pacote de um quilo de Amendorato? Livrarias? Ouvir música? São Paulo no feriado? Assistir a filmes bons? Assistir a séries legais? Corinthians? Futebol? Falar mal de alguém que ao mesmo tempo está falando mal da gente? Olhar bundas? (parafraseando um rapper mais conhecido pelo palitinho de marfim: “bundas, bundas, muitas bundas, bundas grandes, enormes, bundas pretas, bundas brancas, bundas com sardas, bundas com verrugas, verrugas nas bundas, bundalabundalabunda...” Parafraseando um conhecido que não terá o seu nome publicado para salvaguardar a sua reputação: “Cus, cus arrombados, cus sangrando, cus de vaca, todas as vacas e todos os cus sangrando, cus de cabrito, cus de porca, enfia a porca no cu da porca, jumentos e cus, cus coloridos, cus de pelúcia, cus assados, cus refogados, cus fritos, cus à parmegiana, cus empanados, cus e túneis, túneis de cus, cus com nome de túneis, túneis com o nome de cus, cus que falam, cus que traduzem direto do latim, cus que latem em latim, cus que cantam, coral de cus que com os cus cantam sobre cus asiáticos exilados na Itália que vendem pirataria de cus para todas as pessoas do mundo que gostam de cu etc e cu) Olhar peitos? Pensar no amor? Pensar em sexo? Pensar em sexo mais uma vez? Macarronada? Pensar em sexo mais uma vez? (Contudo já temos três punhetas num curto espaço de tempo.) Correr no final da tarde? viajar... Só nos basta celebrar o álcool. Celebrar as drogas não asquerosas. E torcer para que estejamos no lugar certo, na hora certa e com o espírito certo. Em outras palavras, não beba. Esteja alerta e reze para elas encherem a cara e fumarem tudo e escolherem você como um “bom bizarro inconseqüente engraçado” motivo para uma aposta.

(Semana que vem, o último capítulo de A história de um breve romance indie cheio de putaria grudenta. Será?)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Pesadelo em Limeira - O dia em que a esperança morreu logo na chegada - Parte 7

“E aí, Xexéo, a mamãe chegou!”

Toque do celular da distinta moça que trabalha na minha casa

A história de um breve romance indie cheio de putaria grudenta - Parte 5

Há vários anos que o esquenta deixou de ser um ritual e se tornou uma necessidade. O modo fugaz que alguns humanos encontraram para esquecer quem são. Eu me incluo nessa. Aliás, eu me incluía nessa. Agora, as minhas madrugadas de cachaça viraram noites, se transformaram em cervejas com baixo teor alcoólico e acontecem sobre um sofá de couro com a tevê ligada no Globo Repórter. Em compensação, eu não preciso mais correr atrás de mulher. Embora, no passado, no passado mais recente que o passado distante, eu também não corresse atrás de mulher. Elas que corriam. De mim. Eu nem ao menos corria atrás delas para que elas corressem de mim. Então eu me afundava na cachaça, ou na vodka, ou no rum, ou no gim, ou na maior quantidade de cervejas baratas, ou na atmosfera de um cobertor que recendia a peido estalado de ressaca, para esquecer por algumas horas que eu era o cara que não corria atrás de nenhuma menina mas que mesmo assim as meninas corriam dele.

A primeira vez que eu fiquei bêbado foi no aniversário da pin up gordinha antes citada. Na época ela não era nem pin up, nem gordinha, mas todos já sabiam que ela estava a caminho de ser uma cidadã desagradável... aos olhos. Entenda, não estou dizendo que ela é esquisita. Eu só estou dizendo que ela é esquisita e faz de tudo para ficar ainda mais esquisita. São duas coisas absolutamente diferentes. E esquisita é um eufemismo. A festa foi uma merda. A pin up gordinha estava na fase Billy Joel Armstrong. Isso mesmo, o vocalista do Green Day. Ela andava de calça jeans rasgada, camiseta preta encardida e usava o cabelo curto tingido de loiro tigrado que parecia que fora cortado por um dos ‘talentos’ sem coordenação motora do Centro Comunitário. Ela estava mais para uma Dilma Rousseff maltrapilha do para Billy Joel Armstrong. E ela não andava com punks ou com quem quer que seja que o Billy Joel Armstrong anda. Ela andava com funkeiros. Culpa da geografia. Nascer aqui dá nisso. Você escuta And You Will Know Us By The Trail of Dead e o seu melhor amigo ouve You Can Dance. Você lê as peças do Bertolt Brecht e a sua mina lê... Belo e as paradas escritas nos encartes dos cd’s dele. Você fica arrebatado pelo diário de Anne Frank e a sua colega de trabalho fica arrebatada pelas confissões do Frank Aguiar. A última vez em que trombei a pin up gordinha foi numa roda de beck na praia do Tombo em algum réveillon deste século. Ela me viu fumando um e disse “olha só, quem diria, é você mesmo, Leonardo, quem está fumando um beck?”, “Não, é o Seal!”.

A segunda vez em que fiquei bêbado foi numa festa de quinze anos espírita (é, isso existe). Tirando a parte em que a família da mina que fazia quinze anos ficou invocando, antes da valsa, todos sentados em volta de uma grande mesa branca enquanto os convidados se perguntavam se ia rolar a brincadeira do copo, as almas dos familiares que não puderam em vida presenciar tamanho acontecimento; tirando a parte na qual eu quase botei fogo no meu par (sim, eu já estava bêbado, naquela época tudo acontecia mais rápido, a palavra ética era tão compreensível quanto uma aula de ética na faculdade); tirando o absurdo momento no qual UNESCO despirocou a boiola ao rasgar com raiva caliente a camisa social branca com a qual estava caracterizado como se soubesse que estava sendo filmado para o novo clipe dos Papaquitos por conta do questionável ritmo alucinante que ecoava das caixas de som de autoria do até então macho Rick Martin; a festa foi da hora. Eu peguei num peitinho. Eu já havia pegado num peitinho, da minha primeira namorada, mas esse era diferente, era triangular, e eu o peguei enquanto estava me preparando para dançar valsa, e não foi o peitinho da mina com a qual estava dançando, foi da outra que estava atrás de mim. E não era um peitinho, era um peitão, pois a minha ex-namorada daquela época fazia ginástica olímpica e você tá ligado como o peitoral das ginastas é para dentro. Eu fiquei muito mais bêbado do que a primeira vez. Quando me deixaram em casa, eu tentei sair pelo vidro aberto do carro ao invés de sair pela porta. E saí pelo vidro aberto do carro. E, quando entrei em casa, eu tentei me jogar na piscina, mas acabei tropeçando na própria embriaguez e indo parar no jardim. Ao escutar o barulho, o meu pai levantou da cama para ver o que tinha acontecido. Ao olhar para o quintal, eu fiquei miando como um filhote de gato jogado dentro de um jardim cheio de espinhos e o meu pai acabou aceitando as idiossincrasias da natureza e voltou a dormir. Mas o melhor mesmo da festa é que foi a primeira vez que fui abençoado pela manifestação corporativista mais bela que a nossa sociedade foi capaz de criar: a confluência garçoniana. Garçoniana é relativo a garçons. A confluência garçoniana acontece no momento crítico da festa em que ninguém consegue mais beber, menos você, ou, nesse caso, eu. Eu estava lá disposto. Eu estava de pau duro e disposto. Suado e disposto. Empenado e disposto. Com quatorze anos e disposto. Ainda com quatorze anos e já empenado. E o Brasil não acha nada absurdo que o seu cachorro esclerosado de 17 anos de idade penetre na sua filha de nove anos que pira naquele vídeo da Cristina Aguilera no qual ela luta boxe ao mesmo tempo em que quer chupar um pau de um imigrante ilegal da República Dominicana. Você acha que eles se importariam com a embriaguez de um pré-adolescente? Sim, eles se importariam. Sim, eles se importaram. Pois depois de serem esnobados por quase todos os convidados da festa que, ao verem um garçom equilibrando com classe uma bandeja cheia de garrafas de 600 ml de cerveja, escondiam seus copos empapuçados, enfurnavam-se no banheiro, enfurnavam as suas línguas na boca de outras pessoas que também enfurnavam as suas línguas na boca de outras pessoas e assim sucessivamente, eles viram que pelo menos havia alguém naquele lugar, a tão subestimada exceção, que valorizava a classe. Então eles passaram a me servir. Então eles me instalaram sozinho em uma mesa gigante que ficava próxima à cozinha. Então eles colocaram quatro cervejas dentro de um balde cheio de gelo. E amarraram um babador em volta do meu pescoço. E colocaram na minha frente uma bandeja fumegante de bolinha de queijo. E tiramos várias fotos.

Foto 1: Eu comendo três bolinhas de queijo de uma vez só enquanto virava no gargalo uma garrafa de 600 ml de cerveja.

Foto 2: Eu virando tudo que estava dentro da minha boca em cima da mesa.

Foto 3: Eu sentado em cima da mesa, com a camisa aberta, com o pescoço esticado olhando para o teto enquanto os meus olhos estavam fechados e a minha boca fazia um biquinho, não, eu não estava pagando de modelinho, eu estava arrotando.

Foto 4: Eu tentando beber o conteúdo do copo com o fundo do copo virado para cima.

Foto 5: Eu me dando conta que dá para ver através do fundo do copo que o conteúdo do copo foi parar no meu colo.

Foto 6: Eu fazendo sinal de positivo na fila do banheiro das mulheres.

Foto 7: Eu puxando o coro do “por que parou, parou por que, por que parou, parou por que”, a fila não se movia.

Foto 8: Eu mijando sentado no banheiro das meninas.

Foto 9: Eu pegando emprestado o batom de uma mina que conheci no banheiro.

Foto 10: Ela tomando o batom da minha mão para mostrar como se faz.

Foto 11: Eu e ela dando um beijo no espelho e deixando as nossas marquinhas.

Foto 12: Eu, a minha nova amiga, a Kelly (vulgo Kellínguiça) e a Soraia (vulgo Boca de Veludo) discutindo os motivos que fizeram a Rosana (a aniversariante) beijar o buraco negro que é a boca do Alemão Peão.

Foto 13: Saulo pegando a Boca de Veludo enquanto eu apontava o dedo para o casal em ação e olhava para a lente da câmera como quem diz: “Vai memo, maluco!”.

Foto 14: Rick me perguntando com quem eu havia pegado o batom que coloria a minha boca.

Foto 15: Rick com o batom na mão entrando no banheiro. Dos homens.

Foto 16: Rick saindo do banheiro com o nó da gravata exageradamente desfeito, com a camisa artificialmente escancarada, com braguilha obstinadamente esticada, com marcas de batom em forma de boca no pescoço, nas bochechas (Rick desenha muito bem), até mesmo na boca (quem consegue deixar uma marca de batom na boca de uma pessoa em forma de boca?), vociferando em desespero que havia sido atacado por um monte de mina no banheiro, “Olha só o que essas malucas fizeram comigo! Me atacaram enquanto... (ele sabe mentir muito bem) enquanto... enquanto estava tirando um cravo do queixo”, “Muito sexy, Rick, elas não conseguiram se conter ao vê-lo tirando um cravo preto do queixo”, “Deveriam ter tirado uma foto dessa cena para vendê-la depois como afrodisíaco”, “Que cena? O quase estupro que sofri?”, “Claro que não, estou falando da extração de cravo em frente ao espelho”, “O estranho, Rick, é que elas o atacaram, ou melhor, supostamente o atacaram no banheiro dos homens”, “É, bem, elas... elas... elas... foram mijar lá porque... porque... ah, sei lá, é sério, elas me atacaram, eu vi tudo, eu tava lá, eu...”.

Foto 17: Todo mundo tirando um sarro de Rick embora de modo muito mais ameno do que o sarro que, anos depois, iria mudar a vida de Rick para sempre.

Se por um lado há o excesso, a solidariedade em demasia, há também a repressão, o racionamento total de serviço, que se dá pela temida evasão garçoniana. Foi o que aconteceu na terceira vez em que fiquei bêbado, sem dúvida alguma, a mais nojenta (não tão repulsiva quanto a segunda história que ainda não tive coragem de contar para vocês, eu não esqueço as minhas dívidas), vômitos, sangue e miojo boiando numa tigela cheia de água de torneira. Dessa vez, foi a festa de quinze anos da mina que foi o meu par na festa de quinze anos espírita. Exato, a mina que eu quase botei fogo naquele ritual ridículo de acender a vela. Luana, o nome da vadia, quando tive a oportunidade, eu deveria tê-la queimado viva. Ela simplesmente proibiu todos os garçons de nos servir. “Vocês não vão estragar a minha festa!” Então fomos atrás de quem nos servisse. No bar da rua de trás. De Velho Barreiro. Purinha. Duas garrafas. Eu, UNESCO, Testa, Ford Models do Tombo, Negão, Carmelino Pão e Vinho e Mentira de Angola. (Mentira de Angola... o bisavô de Mentira de Angola lutou na Guerra de Angola. Depois de se perder do resto do regimento, ele foi cercado por cinqüenta soldados inimigos. Sem ter o que fazer, ele apertou o gatilho de sua espingarda de última geração do século XIX e girou o corpo em 360º como uma componente da ala das baianas da Mocidade Amazonense. Evidente que ele matou todo mundo. O irmão mais velho do Mentira de Angola namorou a Luana Piovani. Basta olhar o irmão mais velho do Mentira de Angola para constatar que ele não namorou a Luana Piovani. Mentira de Angola existe!) Sete copos de plástico para sete insurgentes das causas adolescentes que nem imaginavam que em menos de sete minutos e com bem menos da metade de sete doses demonstrariam bem mais de sete atitudes indecorosas para destruir um evento em menos de sete segundos.

Atitude indecorosa número 1: Fomos beber em frente o local da festa. Como forma de protesto. Recepcionando os convidados.

Atitude indecorosa número 2: Cada um tomou pelo menos cinco doses.

Atitude indecorosa número 3: Eu tomei dez. O meu recorde desde então. Pretendo não ter motivos para batê-lo. Na idade adulta, dez doses significa desespero.

Atitude indecorosa número 4: Mentira de Angola foi o primeiro a vomitar.

Atitude indecorosa número 5: Testa, o homem que, na oitava série, na oitava vez que cursou a oitava série, escreveu um dos textos mais revolucionários da história da literatura moderna que não se tem notícia. Aconteceu na aula de redação. Tínhamos que continuar com uma idéia que começava assim: O cinema estava lotado. Quase todas as pessoas estavam dormindo. Quando, de repente... a partir daí teríamos que colocar a cabeça para funcionar. E Testa, do jeito que lhe é peculiar, colocou a dele. Quando o quando, de repente, apareceu diante dos seus olhos, ele... poderia ter se safado com alguns dinossauros. Dinossauros são sempre assustadores. Eu tenho muito medo de dinossauros, menos os feitos pela rede Record, ou melhor, menos os defeitos feitos pela rede Record, a Tevê que mais empobrece o Brasil, e a evocação dos dinossauros não seria nada absurda para a mente de uma pessoa que cursava a oitava série, tudo bem, ele já estava com uns sessenta anos e ainda estava na oitava série, e parecia que ele estava querendo se aproximar do célebre Brian, que, apesar do nome gringo, é até hoje considerado o homem mais burro da história da Ilha de Santo Amaro, com 21 anos, Brian ainda estava na primeira série, tirando 0, quem freqüentava o antigo parquinho do centro sabe a quem estou me referindo, era ele quem ficava em pé no meio do brinquedo Samba, aquela porra redonda que girava sem parar enquanto um monte de luz de puteiro piscava de modo intermitente e um poperô de teclado mequetrefe embalava o enjôo, com o semblante tão vivaz quanto a máscara do Mike Myers, o serial killer do filme Halloween, Brian era um psicopata, até Sarachú temia Brian, o Guarujá temia Brian, o mar temia Brian, Brian era aquele tipo de cão raivoso que até o próprio dono tem medo, a caneta de Brian tinha medo de Brian, por isso que Brian sempre pedia caneta emprestada, e as canetas emprestadas não queriam ser emprestadas para Brian, as cuecas de Brian tinham medo de Brian, as unhas de Brian tinham medo de Brian, o cérebro, ou o que sobrou dele quando Brian veio à luz, também tinha medo de Brian, quando chovia, a chuva não molhava Brian, porque a chuva também tinha medo de Brian, portanto, parecia que Testa queria se aproximar da marca de Brian, e Testa também era assustador, todo mundo tinha medo do Testa, eu não tinha porque ele era meu amigo, e eu o salvei da morte quando ele engasgou na classe com um pedaço caudaloso de catarro de uma mal curada pneumonia, e eu peguei uma mina que eu não curtia umas nove vezes porque a prima dela só ficaria com o Testa se eu ficasse com a prima dela, e eu tinha uma dívida com o Testa, o Testa me salvou de ser linchado quando certa vez me acusaram injustamente de ter cuspido na cabeça de uma mina no colégio, e Testa é a única pessoa que conheço que foi expulsa do colégio umas onze vezes pelo diretor que parecia o Steven Seagal (à exceção o modo destemperado de agir que não era de um lutador de filmes de ação, mas de um design de interiores com o ego de um cenógrafo do Ballet Bolshoi) mas que mesmo assim continuou indo, fingindo que assistia às aulas, fingindo que não batia por maldade na ala dos punheteiros que entrava em ação com as suas Playboys com cola Print natural na hora do recreio, fingindo que não roubava para uso próprio os engradados de refrigerante do caminhão da Coca-Cola, e se fingindo colericamente surpreso quando diziam a ele que ele havia repetido de ano mais uma vez, mas não foram só essas manifestações antissociais que tornaram Testa um pretenso Brian, o trunfo de Testa para tentar superar a infâmia que era Brian é que ele falava umas paradas nada vê, e Brian não falava umas paradas nada vê porque a voz de Brian também tinha medo dele: uma vez, quando estávamos andando pela rua a caminho da escola, nós passamos por uma menina muito magra, o bastante para Testa fazer o seguinte comentário nada vê: “Nossa, essa mina é mó Raquítima”. Raquítima! Jamais a voz de Brian teria coragem de se pronunciar dessa forma. Quando, a pedido do Barbinha Canalha na Cara Inchada de Chicano, Testa escalou a formação dos Beatles, saiu isso: “na guitarra e vocal, John Bennon”, Bennon!, “no baixo e vocal, Paul Macartsley”, Macartsley!, “na bateria, Bingo Star”, Bingo! Contudo, eu considero essa história falaciosa. Em primeiro lugar, eu não estava lá para testemunhar. Eu não minto, eu só aumento um pouquinho, eu gostaria de usar esse poder para aumentar um pouquinho o meu pau, mas não dá certo. Em segundo lugar, Barbinha Canalha na Cara Inchada de Chicano achava que os Beatles eram um trio, porque ele ignorou completamente a existência de George Harrison, o meu beatle preferido, e Barbinha Canalha na Cara Inchada de Chicano tem até hoje como banda predileta o Pavilhão 9, e como ídolo supremo, Marinho, ex-baixista do Yo-Ho Delic e do Pavilhão 9. Quando Testa trabalhou algumas semanas em uma sorveteria no Tombo, e foi questionado por uma cliente se lá na sorveteria havia toalete, ele respondeu essa parada nada vê: “Toalete? Não, ainda não temos esse sabor”. Quando, na viagem de formatura do terceiro colegial (Testa conseguiu se formar, o nosso colégio era tão altruísta que, além de garantir a formação do Testa, ele nos dava a possibilidade de ficarmos em recuperação final em todas as matérias, e, já que estamos falando do Testa, hoje ele é casado e tem duas filhas, agora, onde Brian está, eu não sei, a única coisa que tenho certeza é que ele não está morto, pois até a morte tem medo de Brian), nós conversávamos com duas meninas de uma estranha cidade batizada falicamente de Rolândia, e elas nos perguntaram como era morar no litoral, ele lançou essa parada nada vê: “Nós, que moramos em uma cidade litorística...”. Litorística! Enfim, quando o quando, de repente, surgiu como uma missão de vida ou morte diante dos olhos confusos do Testa, ele teve que lançar a parada nada vê mais parada nada vê de toda a galáxia: Quando, de repente, apareceu Guiler (o nome desse soldado detentor de uma magia apelativa do Street Fighter ainda gera muita discórdia no mundo com cheiro de comida delivery dos aficionados por videogame, gente boiola da estirpe do Rocambole, Telmo e Carmelino Pão e Vinho, mas Guiler eu sei que não é), Chong-Li (porra, Testa, até eu sei que é Chun-Li), Braddock (ahhhh, Testa, Braddock é o Chuck Norris, não o boxeador negão lerdo pra caralho), Sangief (só faltou trocar o S pelo Z, por pouco), Branca (havia uma mina que andava com a gente cujo nome era Branca, eu acho que todo mundo queria pegar aquela mina, ela era gatinha, branquinha e sardenta, não verde e mostrenga, embora ele possa ter confundido com outra mina que andava com a gente cujo nome fora carinhosamente rebatizado de Cabelo do Cu do Urso, e depois, na ocasião em que ela raspou o cabelo do cu do urso, Daúde Pós-Apocalíptica) então, foi assim que sucedeu-se o quando, de repente, do Testa, ele resolveu acordar a galera dorminhoca do cinema com os personagens do Street Fighter, e o mais impressionante, o que torna essa história um dos maiores monumentos da literatura moderna de todos os tempos que não se tem notícia, ou melhor, um dos maiores monumentos da literatura infantil retardada babona de todos os tempos que não se tem notícia, é que ele errou tudo, do começo ao fim, inclusive o próprio nome, ele esqueceu o penúltimo sobrenome, de modo involuntário, e o mostrou pra mim com orgulho, como se fosse da hora mostrar uma das suas filhas que por uma rara armadilha agourenta do destino tivesse emergido ao mundo com um bigode de chinês e com uma tromba de elefante entre as pernas. E por que diabos eu comecei a falar do Testa? Ah, sim, o Mentira de Angola foi o primeiro a vomitar, e o Testa, que não pode ver ninguém vomitando (outro indício de que Testa jamais seria um Brian, o próprio vômito de Brian tem medo de Brian), também vomitou.

Atitude Indecorosa Número 5: Mentira de Angola vomitou, Testa viu Mentira de Angola vomitando e também vomitou, Ford Models do Tombo não agüentou testemunhar os dois vomitando e também vomitou.

Atitude Indecorosa Número 6: Mentira de Angola vomitou, Testa viu Mentira de Angola vomitando e também vomitou, Ford Models do Tombo não agüentou testemunhar os dois vomitando e também vomitou, Negão não suportou o quadro que descortinava-se à sua frente pincelado com uma fusão de maisena estragada e vísceras e se sentiu obrigado a jorrar tudo na calçada.

Atitude Indecorosa Número 7: Mentira de Angola vomitou, Testa viu Mentira de Angola vomitando e também vomitou, Ford Models do Tombo não agüentou testemunhar os dois vomitando e também vomitou, Negão não suportou o quadro que descortinava-se à sua frente pincelado com uma fusão de maisena estragada e vísceras e se sentiu obrigado a jorrar tudo na calçada, UNESCO sucumbiu ao vomicídio coletivo.

Atitude Indecorosa Número 8: Mentira de Angola vomitou, Testa viu Mentira de Angola vomitando e também vomitou, Ford Models do Tombo não agüentou testemunhar os dois vomitando e também vomitou, Negão não suportou o quadro que descortinava-se à sua frente pincelado com uma fusão de maisena estragada e vísceras e se sentiu obrigado a jorrar tudo na calçada, UNESCO sucumbiu ao vomicídio coletivo, Carmelino Pão e Vinho não aceitou que eu seria o único a não vomitar, portanto ele apelou vomitando e andando na minha direção, tal qual um zumbi com quase dois metros de altura acometido por uma crise de congestão crônica, enquanto tentava urrar Orgasmatrow.

Atitude Indecorosa Número 9: Mentira de Angola vomitou, Testa viu Mentira de Angola vomitando e também vomitou, Ford Models do Tombo não agüentou testemunhar os dois vomitando e também vomitou, Negão não suportou o quadro que descortinava-se à sua frente pincelado com uma fusão de maisena estragada e vísceras e se sentiu obrigado a jorrar tudo na calçada, UNESCO sucumbiu ao vomicídio coletivo, Carmelino Pão e Vinho não aceitou que eu seria o único a não vomitar portanto ele apelou vomitando e andando na minha direção, tal qual um zumbi com quase dois metros de altura acometido por uma crise de congestão crônica, enquanto tentava urrar Orgasmatrow, mas foi em vão, eu não vomitei, eu não sinto nada ao ver outras pessoas vomitando, eu fui, há alguns anos, a um mini-festival em Santos no qual uma banda punk do ABC tocou cujo vocalista vomitou sobre a fatia da platéia que estava mais próxima do palco se acotovelando e a platéia atingida manifestou-se em resposta pegando com a mão alguns restos de vômito que encharcavam as suas cabeças e os jogando para o alto como se fossem confetes de carnaval atiradas por crianças fantasiadas de pirata, mesmo de longe, dava para discernir uma porção de arroz deformada, sopa de feijão preto, bacon murcho, farofa com creme de leite... além do mais, eu tenho o costume de olhar para a agulha entrando na minha veia quando faço exame de sangue, e eu sou o primeiro a me prontificar na ocorrência de matar uma barata e faço questão de pegá-la com a mão antes de jogá-la no lixo. Eu só tenho medo de rato. Qualquer rato. Até do Ratatouille. Até do Fievel. Até do Mickey. Até do Stuart Little. Até do Charopinho (“Me chamando...”). Do Mestre Splinter eu não tenho. Ele só quer o nosso bem.

Atitude Indecorosa Número 10: os convidados foram obrigados a se desviar do lago de vômito deixado pelas vítimas da evasão garçoniana.

Atitude Indecorosa Número 11: UNESCO, ao atravessar, de modo triunfante, a porta de entrada do salão da festa, que era de ferro, conseguiu dar uma canelada na quina da porta, justamente a canela que tinha uma grande e feia verruga, que na época chamávamos equivocadamente de berruga, o bastante para a verruga estourar e UNESCO ficar com a canela jorrando sangue até o fim da festa. Beautiful.

Atitude Indecorosa Número 12: Testa interrompeu o xaveco que dava em Bruna (gostosíssima, canalha e com uma flor roxa tatuada um pouco acima do cóccix) para vomitar no ventre esculpido da mesma. Testa querendo superar Brian.

Atitude Indecorosa Número 13: Eu tomando dez foras consecutivos da Bruna.

Atitude Indecorosa Número 14: Eu tomando o décimo primeiro fora.

Atitude Indecorosa Número 15: Eu tomando mais 13 foras seguidos. Da Bruna.

Atitude Indecorosa Número 16: Finalmente Bruna topou ficar comigo.

Atitude Indecorosa Número 17: Entretanto, bem no momento em que eu iria beijá-la, começou a rolar na pista Hole In My Soul, do Aerosmith, portanto eu tive que correr em direção a pista, eu simplesmente amo essa música, eu simplesmente acho a pior fase artística do Aerosmith a melhor fase.

Atitude Indecorosa Número 18: Quando voltei, Testa estava engolindo a Bruna para depois vomitá-la na minha cara.

Atitude Indecorosa Número 19: Eu, Carmelino Pão e Vinho e Ford Models do Tombo fomos dormir na casa do UNESCO.

Atitude Indecorosa Número 20: Ford Models do Tombo perguntou: “Quem está com fome?”.

Atitude Indecorosa Número 21: Eu respondi: “Eu!”.

Atitude Indecorosa Número 22: Ford Models do Tombo disse que ia preparar um delicioso miojo.

Atitude Indecorosa Número 23: Ele encheu uma panela gigante com água de torneira turva e jogou uns 10 miojos. Não dez sacos de miojo, mas dez miojos avulsos. Ninguém teve a inteligência de perguntar de que lugar ele exumou aqueles miojos.

Atitude Indecorosa Número 24: Ford Models do Tombo gritou, “Tá pronto!”, e o que vi na minha frente foi um prato grande de alumínio usado para depositar ração de cachorro transbordando de água cheia de cabelo e com uns três miojos boiando.

Atitude Indecorosa Número 25: Eu finalmente vomitei sobre os três miojos de todo mundo. Quatro, no caso de Ford Models do Tombo, regalia do chefe. Eu só não fodi o nosso jantar porque, além de a fome ser tamanha e de estarmos esgotadamente embriagados, nós comemos mesmo assim.

Quem ficaria bêbado em uma festa de criança? Eu. Tem coisa melhor do que brigadeiro, chopp mexicano com gosto de urina de fralda geriátrica e videokê? Certo, qualquer merda de cerveja, inclusive Kronenbier, é melhor do que aquele chopp mexicano com gosto de urina de fralda geriátrica. Certo, buceta é melhor do que brigadeiro. Contudo, não há nada que supere um bom videokê. Confesso, eu amo videokê. Quando tem videokê, só eu quero cantar. E se eu tiver que dividir o microfone com você em alguma canção, eu não irei deixá-lo cantar. O meu ego de cantor frustrado irá atropelá-lo em cada estrofe. E quando não for a minha vez, eu irei gargalhar na sua cara. Eu direi que a sua escolha de música foi péssima. Que a sua apresentação foi um lixo. E se nada disso o intimidar, eu direi que a sua mãe é uma vaca! Eu sempre canto Guns. Eu sempre canto Paradise City. Eu sempre canto Whitney Houston. Eu sempre canto aquela música da trilha sonora do filme O Guarda-Costas. Eu sempre canto Alejandro Sanz. Eu sempre canto No More Tears, do Ozzy. Quando tem Mr.Big no aparelho, eu sempre canto. Eu nunca consegui cantar Ugly Kid Joe porque até hoje não consegui encontrar nenhum aparelho de videokê que tenha Ugly Kid Joe. Eu canto todas as baladas do Aerosmith. Eu canto o tema da Bela e A Fera. Eu canto Negritude Jr. “Não dança a nossa dança, o amor é meu segreeeeduuuuuu, nos olhos de esperança, mas tenho meeeeeedo.” Ultimamente ando cantando Tihuana e sua melíflua canção Pula pu-pula filha da pula. Não há letra no mundo da música que faça menos sentido do que essa. Eu não conheço ninguém que, quando está chapado, quer ficar pulando, xingando e batendo nos outros. Mas cantar essa música no videokê é muito divertido. É como encher uma bexiga com água e jogá-la na cabeça azulada de uma velha beata do alto de um prédio. Tudo o que odeio ouvir eu amo no videokê. Tudo que é bom faz mal. Portanto, se houver videokê, eu me embriago sem problema algum de chopp com gosto de urina de fralda geriátrica, me entupo de brigadeiro e mino qualquer remota possibilidade de comer uma buceta. A festa foi da irmã do Saulo, a Augusta, ela estava fazendo dez ou onze anos. Essa foi a quarta vez em que fiquei bêbado e a fama de bebum já começava a me preceder. Eu estou em todas as fotos da festa. Ora cantando sozinho no videokê. Ora cantando sozinho junto com outras pessoas que tentavam mas desistiam de cantar ao meu lado. Ora vaiando as crianças que estavam cantando no meu lugar. Ora sendo vaiado pelas crianças enquanto estava no meu lugar. Ora sendo esculachado pelas mães das crianças. Ora convidando as mães das crianças para tomarem um banho comigo na banheira do quarto dos pais do Saulo. As fotos dessa festa constroem com exatidão o poder vexatório da cronologia etílica. No começo da festa, eu estou penteado, ereto, arrumado e cheiroso. No meio, estou descabelado, suado, esgarçado, fedido e com o rosto tão grande e vermelho quanto o testículo esquerdo do Kid Bengala. No fim, eu estou jogado no sofá sem camiseta e com o cabelo ensebado de vômito. Aconteceu o seguinte, eu cheguei a um ponto no qual eu não conseguia mais andar de olhos abertos. Se eu abrisse os olhos, eu tinha a sensação de que estava andando de ponta cabeça. Se eu deitasse, eu tinha a sensação de que estava deitado no teto e o teto estava no chão e o chão estava no teto. Ou seja, só vomitando para aplacar toda essa atmosfera kafkiana. Então eu fui até o banheiro do Saulo, tranquei a porta, tudo isso com os olhos fechados, como um cego alcoólatra, e, quando abri os olhos, não sei que me deu que acabei olhando para o teto e prontamente ignorando a existência da gravidade e vomitando para o alto. O vômito, como não podia deixar de ser, caiu no meu cabelo, colou as minhas pálpebras e banhou a minha camiseta branca da Sims. (Não, essa não é a segunda história nojenta.) Depois eu tive que esconder a camiseta vomitada no fundo guarda-roupa do Saulo. Ela só foi encontrada cinco anos depois pela avó do Saulo. Ela lavou a camiseta e a entregou a mim. Até hoje a camiseta existe e agora ela é usada como pijama.

Por que eu fiz você perder minutos preciosos da sua existência ao contar essas histórias repletas de orgias alcoólicas, a única modalidade de orgia da qual participei? Só para informá-lo que eu tenho total conhecimento das fases pelas quais o cidadão comum tem que passar para ficar indubitavelmente bêbado. E Rick, quando pegou a Cristina, não passou por nenhuma delas. Mesmo que até hoje insista com teimosia que foi vítima das vicissitudes por vezes escabrosas da inconseqüência etílica.

(Continua na próxima segunda-feira. Assim espero.)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Tudo É Albino Menos Rebeca recomenda:

Purgatório Americano

Fazia tempo que eu não lia um livro que me deixasse, de certa forma, apreensivo e feliz. E o melhor de tudo é que se trata de uma obra de um autor que até então me era desconhecido (escrevo este texto no dia 23 de novembro de 2009). John Haskell tem 51 anos e é americano da Califórnia. Vive no Brooklin e também é ator, dramaturgo e artista performático. O seu primeiro livro, Eu Não sou Jackson Pollock, foi lançado no Brasil, via editora Rocco, em 2006. No entanto, ainda não tive a oportunidade de lê-lo. Já Purgatório Americano, lançado aqui em 2009 pela mesma editora, me deixou em êxtase. Êxtase mudo. Nada de gritinhos agudos, palminhas rápidas e estridentes, e pulinhos que quase não saem do chão. Puro respeito e admiração contida.

O casal para o carro no posto de gasolina. O marido sai do carro e vai até a loja de conveniência comprar algumas coisas para comer durante o trajeto. Olha as embalagens, escolhe os produtos com cuidado, pega um pacotinho de amendoim, uma barra de cereal e uma bebida supostamente energética. Vai ao caixa, paga, sai da loja e nem o carro e nem a sua mulher estão mais lá. Nem em volta. Sumiram! Ele espera. Liga para o celular dela. Desligado! Espera. Pode ter havido algum problema com o carro e talvez ela tenha ido solucioná-lo. Espera. De novo liga para o celular dela. Desligado. Liga para a casa, quem sabe ela esqueceu alguma coisa importante em casa e foi buscar. Ninguém atende. Espera. Ela pode ter sido seqüestrada e levada para algum lugar longínquo onde vão colocá-la sobre uma toalha de piquenique e sabe-se lá o que vão fazer com ela. Espera. Ele volta a pé para a casa. É início de primavera em Nova Iorque mas ainda faz frio. Ele percebe que o dia está se esvaindo e se sente cada vez mais temeroso com a sensação de invisibilidade que o apossa aos poucos. Chega em casa, senta na sua poltrona favorita e espera. A mãe dela liga, afinal, eles estavam indo encontrá-la, mas ele não faz questão de atender. Já é noite, ele tenta dormir, mas não consegue. A mãe dela liga novamente e ele não faz questão de atender novamente. Um novo dia surge, ele levanta da vigília, vai até o quarto da mulher e acha um mapa. No mapa, há um círculo feito com uma caneta hidrocor sobre a cidade de Nova Iorque. Do círculo, sai uma linha traçada até Lexington, Kentucky, cidade que também estava marcada com um círculo. E na cidade de Boulder, que fica em Colorado, também. Na Costa Oeste, em San Diego, Califórnia, também. Ele não lembra de ela conhecer alguém em Lexington. Ele não lembra de ela conhecer alguém em Boulder. Entretanto, em San Diego, na Califórnia, foi onde ela nasceu. Ele decide ir atrás dela. Ele decide seguir o mapa traçado por ela. Compra um carro usado e leva consigo objetos que o fazem lembrar dela. Uma caixa com livros de bolso. Um envelope com fotos. Fitas cassete. Roupas. Saco de dormir. Um vaso com um cacto. Binóculos. Um laptop e o bandolim do pai dele. Objetos, só objetos, que o fazem lembrar dela - que o fazem lembrar de Anne.

Purgatório Americano é um livro feito para ser lido de uma só vez. Como um filme que não o deixa nem sequer ir ao banheiro. Mas não foi isso o que eu fiz. Eu gosto de retardar o processo quando o livro é maravilhoso. Eu gosto de repensar o livro enquanto faço outras coisas que devem ser feitas todos os dias. Eu não quero que ele acabe rapidamente. A realidade-fictícia paralela deve ficar em suspenso para compensar o tédio que é trabalhar durante um mês para ganhar num específico dia de cada mês. Às vezes não consigo lembrar do rosto de algumas mulheres que amei. Foi tudo tão intenso, fugaz e impulsivo que os detalhes se perdem, as pintas em lugares únicos, as lascas na dentição, o tremelicar dos lábios, o formato dos dedos dos pés, os perfis recorrentes, o tom de voz ao telefone, as manias surgidas da mente que são transmitidas ao corpo, os múltiplos hálitos correspondentes à determinada hora do dia, o comprimento do cabelo, o pêndulo do caminhar, a postura, o som da risada, o indivíduo único vira um borrão comum – a pressa é inimiga da perfeição das boas lembranças que não queremos esquecer sobretudo nos momentos em que nos vemos no vazio dos outros. Purgatório Americano é um livro para ser lido para sempre - e um ótimo exemplo da inutilidade da crítica literária nacional que, simplesmente, ignorou o lançamento de uma das mais instigantes e belas obras lançadas por um autor no século XXI!

(Semana que vem continuo com a confusão que é aquela porra de Pesadelo em Limeira - O dia em que a esperança morreu logo na chegada. Faltou-me tempo para escrever na semana passada.)