segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pesadelo em Limeira - O dia em que esperança morreu logo na chegada - Parte 8

A história de um breve romance indie cheio de putaria grudenta - Parte 6

Eu não sou o cara que quebrou o tornozelo no dia 7 de maio de 2006. Eu não sou o cara que partiu o tornozelo ao meio e teve que colocar sete pinos para remediar a destruição. Eu não sou o cara que ficou com o tornozelo pendurado porque também rompeu o ligamento. O médico disse ao cara que não sou eu que é mais comum romper esse tipo de ligamento quando, em um acidente de carro, no desespero, a vítima tenta tirar à força o pé que ficou preso entre as ferragens. O cara que não sou eu foi levado à sala de cirurgia num aventalzinho transparente que não alcançava nem a metade das coxas. Antes da cirurgia, o médico chamou todos os médicos residentes para ver a situação do cara que não sou eu. Os médicos residentes eram jovens super gostosas com a mesma idade do cara que não sou eu. Se o cara que não sou eu já sai em desvantagem quando pode planejar o próprio visual, imagine com um aventalzinho transparente que não chega à metade das coxas e com a touca da Vovó Mafalda na cabeça. O cara que não sou eu ouviu, na cirurgia, enquanto o cirurgião aparafusava os parafusos de platina nas extremidades rompidas do tornozelo com uma furadeira adaptada, a equipe médica discutindo, às risadas, a situação crítica do Palmeiras. O cara que não sou eu (que, aliás, é corintiano), depois de sair da cirurgia, comentou com a enfermeira que não estava sentindo a bunda. A enfermeira disse, com um senso de humor descabido, que isso era perigoso. Já no quarto, o cara que não sou eu percebeu que se ele cortasse o próprio pau com uma faca de açougue ou mordesse o próprio pau com uma dentadura de adamantium ou arrancasse o próprio pau com uma serra elétrica ele não iria sentir dor alguma. Ele ficou tremendamente assustado com a extrema insensibilidade de sua genitália. A mãe do cara que não sou eu disse que, às vezes, após a cirurgia, “o paciente precisa de uma sonda para extrair a urina que fica presa na bexiga por conta dos efeitos colaterais da anestesia. Não é recomendável deixar a bexiga inchar.” O cara que não sou eu recebeu a anestesia raquiana, que inutiliza os movimentos da cintura para baixo do paciente. De madrugada, o cara que não sou eu teve que solicitar o auxílio da enfermeira de plantão para colocar uma sonda no seu pau porque ele estava morrendo de vontade de mijar mas não conseguia. A sonda é um caninho de espessura um pouco superior da de um canudo de milk shake que é colocada no interior da uretra. O cara que não sou eu nunca imaginou que o interior do seu pau pequeno podia ser tão longo e tão dolorido. Ele não sentiu que estava de fato mijando mas ele estava. O cara que não sou eu ficou dois meses engessado. Ele foi informado que teria que evitar, durante os dois meses de convalescência, apoiar o pé fraturado no chão. Portanto, quando ele sentava em algum lugar, ele tinha que apoiar o pé em alguma coisa. Quando ele colocava o pé no chão, ele ficava cor de vinho. Antes de sair do hospital, o cara que não sou eu foi alertado pelo médico que ele tinha que ficar, no máximo, três dias em repouso, sem sair da cama, à exceção da urgência de uma cagada. O cara que não sou eu ficou... quase duas semanas sem levantar-se da cama. Quando voltou ao médico para retirar os pontos, o médico foi alertado pelos pais do cara que não sou eu que há quase duas semanas o cara que não sou eu “não levanta da cama.” O médico disse em tom peremptório que se ele continuasse deitado como um morto filho da puta ele ficaria com escaras. Escaras são feridas que brotam nas extremidades ósseas das pessoas que ficam muito tempo numa mesma posição. E, além das escaras, ele poderia ter sérios problemas intestinais. “Há quanto tempo que você não caga?” “Olha, sinceramente, desde o dia em que quebrei o tornozelo.” “Vixi, tá fudido, tenho quase certeza que a merda já tá empedrada no interior do seu intestino. É bom você começar a se mexer. Literalmente!” O cara que não sou eu teve muitos problemas com as muletas. O principal problema foi que as muletas que ele utilizou durante os dois meses em que ficou engessado eram para pessoas amputadas. Ele só soube disso quando começou a fazer a fisioterapia. As muletas foram emprestadas pelo amigo do pai do cara que não sou eu que teve a perna direita amputada depois de subir na moto bêbado e chocar-se contra um ator que estava vestido de palhaço no ponto de ônibus. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele rolou pelas escadas da faculdade. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele caiu ao tentar atender um telefonema que não era pra ele. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele caiu ao sair do banho. O cara que não sou eu perdeu a conta de quantas vezes ele caiu ao levantar-se da cama para lavar as mãos depois de uma merecida e solitária punheta. O sexo sempre foi um problema para o cara que não sou eu. Na verdade, o problema não era o sexo, era fazer o sexo, ou encontrar alguma mulher disposta a fazer o sexo. Agora o problema era encontrar uma mulher disposta a fazer o sexo com um cara engessado que andava o dia todo de pijama, que odiava a vida, e que vagava tropegamente pelo mundo sórdido das aparências com um par de muletas para amputados. Mas havia uma mulher. Havia uma mulher que o idolatrava. Havia uma mulher que, um dia, disse pra ele que se ele aceitasse namorar com ela, ela chuparia o seu pau a hora que ele quisesse. E ela era bonita. Tinha peitos grandes. Tinha uma risada irritante. Beijava bem. E fazia sons estranhos quando tinha o pescoço beijado. Não dava para saber se ela estava com tesão ou se estava desfilando descalça sobre pedaços pontiagudos de cacos de vidro colorido. Ela dizia pra ele que ele era muito talentoso. Beijando, provavelmente, porque a única coisa que eles faziam quando se encontravam, além de não conversar, era atacar-se mutuamente com as suas línguas. Ela dizia pra ele que ele era muito engraçado. Ela dizia pra ele que ele era tão bonito quanto o Dinho Ouro Preto. E, apesar de sentir-se contrariado com essa comparação, ele achava que devia haver alguma coisa boa no meio disso tudo. E, para tranqüilizá-lo, uma amiga sua da faculdade disse que ele parecia sim o Dinho Ouro Preto. Isso se o Dinho Ouro Preto fosse um mendigo. E essa declaração equilibrou as coisas. Portanto, quando ele teve que pensar durante dias em uma menina na sua lista mínima de prováveis parceiras sexuais disposta a aliviar o excesso de esperma que saia do seu pau como um jorro de urina tal qual um adolescente alcoólatra com um pau de 95 cm, só havia um nome: o dela. Então ele ligou para ela. E falou que estava doente. Colocou fratura na categoria doenças. Estava sozinho. Como se não fosse normal pra ele ficar sozinho. Estava com saudades dela. Como se saudade fosse não ligar para ela durante três anos. Como se saudade fosse falar um blasé “Não!” para uma menina que se ofereceu a chupar o pau dele por todos os segundos que restavam dos seus dias. Ela ficou surpresa com a ligação. Ela sublinhou surpresa, não feliz. O último dia em que eles se encontraram foi dentro da balsa, na volta da faculdade. Ela, educação física. Ele, jornalismo. Os dois estavam de bicicleta. Ela estava sozinha. Ele estava com os seus amigos retardados. Dois dias atrás eles haviam se pegado. Não ele e os seus amigos retardados, ele e ela. Foi legal até o momento em que ele se descuidou e mordeu a língua dela. Então os dois saíram pedalando juntos da balsa. Ela perguntou pra ele se ele não queria acompanhá-la até a casa dela. E ele falou que “Não!”. E foi embora com seus amigos retardados enquanto ela entrava à direita na rua da Jacaré Motors ouvindo os amigos retardados dele provocando um carrinheiro que trafegava no meio da rua e respondia a eles que ele comia um cu: “Eu como um cu, eu como um cu, eu como um cu”. Então ele perguntou a ela como estava a sua vida. Como se ele se soubesse como estava a vida dela há três anos. Ela havia largado o curso de Educação Física na Unimes. Ela estava cursando secretariado nas faculdades Adélia. Retrocesso. Até um tempo atrás ele andava, agora ele temia a tenebrosa possibilidade de ficar manco. Ele ficou feliz ao presumir que ela estaria abalada pelos atuais retrocessos de ambos e por isso sentiria necessidade de se intoxicar numa atmosfera luxuriante de sexo sujo sem compromisso. Ele queria isso. Ela que o atacou na primeira vez em que eles ficaram juntos. E em todas as outras em que eles ficaram juntos. E ela falava dele pra todo mundo. Como era demais ficar com ele. Portanto, o que podia dar errado? Ele não era mais o mesmo. Ele lembrava menos o Dinho Ouro Preto e lembrava mais o vocalista do Dr. Silvana. Ele estava lendo umas paradas estranhas e depressivas. Sinceramente, ele estava lendo. E isso já era uma mudança e tanto pelo que ela conhecia dele. Ele era o único cara que tirava dez nas provas de diversas matérias sem ao menos saber o que estava escrito nelas. Ela passava cola pra ele e ele passava de ano e ainda passava a mão na bunda dela e o mundo era uma passagem agradável sobre a qual desfilava o seu triunfo egoísta e alienante. Ele estava lendo umas paradas escritas por um mano gringo chamado Raymond Carver. Ele estava lendo uma parada cabeça chamada Sem Logo – A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido. Ele tava achando da hora as histórias de um fita tristão chamado John Fante. Ele tava curtindo pra caralho uma coletânea de textos de ficção científica que foram recusados pelas publicações para as quais foram enviados. O nome da coletânea era Futuro Proibido e havia um texto escrito por um truta chamado Colin Wilson pelo qual ainda hoje ele fica chapado quando o lê. Ele viu um documentário sobre um inglês de 37 anos que mora em Nova Iorque que saiu de casa à noite, pegou um metrô e acordou no dia seguinte dentro do vagão do metrô sem saber quem ele era. Ele começou a acompanhar uma série sobre uma família que administra uma funerária e achou a melhor série do mundo. Ela estranhou essa versão culta do cara que não sou eu, mas mesmo assim prometeu que daria uma passada lá para ver como ele estava. Os pais do cara que não sou eu tinham viajado a negócios e só voltariam no dia seguinte. Portanto o cara que não sou estava sexualmente famélico e sozinho. Então ele foi tomar banho. Tomar banho não é uma coisa que ele costuma fazer com freqüência. O cara que não sou eu sempre foi muito supersticioso. Nada a ver com Deus ou macumba ou cristais ou miçangas. E sim com objetos de vestuário e teorias estéticas. Por exemplo, quando ele pegou pela primeira vez a sua ex-ex-namorada, ele não havia tomado banho o dia inteiro. Portanto ele achou que, para dar sorte com as mulheres, ele não tinha que tomar banho. Ele não pegou mais ninguém adotando esse patético método, tomou um fora da ex-ex-namorada e além do mais ficou cheirando como a pia do apartamento do Rocambole. O cara que não sou eu parou de lavar os cabelos quando pegou pela primeira vez a sua ex-namorada em um costumeiro dia gélido de junho em que ele não lavou o cabelo. Ele acordou de manhã, não tomou banho, colocou um gorro na cabeça e foi à escola. Saiu da escola, foi para casa, tirou o gorro da cabeça e achou o cabelo da hora. Depois ele entrou no quarto, fechou a janela e ficou sentado ereto na cama a tarde toda para não desmanchar o seu penteado. Depois anoiteceu, ele tomou banho, mas não molhou a cabeça. Se deu bem. Depois ele se deu mal e acabou constantemente chifrado e com o cabelo liso mais black da história da classe média guarujaense. O cara que não sou eu achava que havia anjos escondidos alvejando os seus olhos com flechas líquidas compostas com sangue de pessoas aidéticas. O cara que não sou eu passava quase o dia todo, menos enquanto estava dormindo, enfiando o dedo no olho para tirar o sangue que estava escondido no interior das suas pálpebras. O cara que não sou eu tinha um mantra na cabeça para afugentar coisas ruins que vagavam pela sua mente: “Por favor, para com isso, por favor, para com isso”. Ele tinha que falar esta frase duas vezes para se sentir livre das piores doenças e das piores atitudes de outras pessoas. O cara que não sou eu não usava mais camisetas que haviam sido usadas em um dia em que deu tudo errado. Ele começava calçando o tênis com o pé direito. Ele virava para baixo todos os calçados que estavam com a sola para cima. A mãe dele disse para ele que sola para cima a mãe do dono do calçado morre. Mas naquele dia de esperança isso não significava mais nada para ele. Portanto ele fez questão de tomar um banho completo. Ele limpou as unhas, coisa que nunca havia feito na vida. Ensaboou o tríceps, outra coisa que ele nunca havia feito na vida. Ele nem sabia que tinha tríceps. Lavou o umbigo, mais uma nova experiência. Ensaboou a cabeça do pau, um dia de descobertas. Passou shampoo nos cabelos. Quanto tempo ele não fazia isso? Passou condicionador. Ele já havia feito isso? Escovou os dentes. “Alguma vez eu fiz isso duas vezes em um só dia?” Engoliu um Listerine. “Eu não sabia que era para gargarejar.” Usou secador nos cabelos. “Eu que vou comer a mina ou ela que vai me comer?” E ficou parecendo um tipo de Rod Stewart jovem com muletas de amputado. Ou parecia Jennifer Beals, protagonista do filme Flashdance, pronta para uma dança adaptada para fraturados que flanam com dificuldade ao apoiarem-se em muletas para amputados. Escolheu uma cueca pequena. O seu pau fica mais ameaçador em cuecas pequenas. Porém ele tem muitos pentelhos no pau, mais pentelhos do que pau, e uma assustadora quantidade de pentelhos fica pra fora da cueca. Nesses momentos a região púbica dele fica parecendo o Morais Moreira na época dos Novos Baianos. Até hoje ele não se conforma com as peças que a genética pregou nele. Ele gostaria de ter barba. Ele queria ter uma barba enorme. Tipo a do Maomé. Tipo a do Ian Anderson, líder do Jethro Tull. O que é que ele ganhou? Pelos nos dedos dos pés. Ele tem muitos pelos nos dedos dos pés. Pra que tantos pelos nos dedos dos pés. Ele queria ter o peitoral cabeludo. O que é que ele ganhou? Pelos entre as nádegas. Um moicano chumacento do The Exploited entre as nádegas. Quando ele pratica algum exercício físico, e sua na bunda, os pelos ficam grudados entre as nádegas e grudados entre si. Às vezes fica difícil até andar. E assa. E dá-lhe Hipoglós. Hipoglós pra caralho. Aconselhado pelo seu pai, ele até parou de limpar a bunda com o papel higiênico. Ele limpa com a mão mesmo. Abre o chuveiro, abre as nádegas, coloca a bunda sob a ducha, pega o sabonete e lava a parada. Ele e o seu pai. Não juntos. Cada um com a sua bunda. Quando algum idiota levou essa excentricidade à baila em alguma conversa que havia garotas no meio, ele se defendeu dizendo que o Jack Kerouac e o Allen Ginsberg também limpavam a bunda com a mão. Tá certo que ele omitiu que o Jack Kerouac e o Allen Ginsberg faziam outras coisas com as suas bundas e com suas mãos e com as suas outras coisas. Mas não havia problemas, porque em todas as vezes ninguém tinha a mínima ideia sobre quem ele estava falando. Então ele perguntava “sabe o Geoff Dyer?”. E ninguém sabia quem era a porra do Geoff Dyer. “Sabe o Bruce Chatwin?” “Quem?” “Sabe o Paul Theroux?” “Sabe o David Lynch?” “Sabe o J.D.Salinger?” “Sabe o Lee Perry.” “Sabe o Cat Stevens?” “Ou o Yusuf Islam?” “Sabe o Jon Krakauer?” “Sabe o Muamar Kadafi?” “Sabe o Marcos Valle?” “Sabe o Chico Mendes?” “Sabe o Chico César?” “Sabe a Mulher Jaca?” “Ah, essa eu sei, essa eu sei.” “Então, ela também limpa a bunda com a mão.” “Nossa, que interessante.” “O Márcio Garcia também... E a Flávia Alessandra... E, às vezes, o Rodrigo Faro.” Ele queria ter pelos nas coxas. O que é que ele ganhou? Trinta e nove famílias siamesas de pentelhos no escroto. Escroto! Às vezes, na intimidade, no ônibus lotado, numa cerimônia matrimonial da qual ele é padrinho, ele coça o saco e os seus dedos ficam cheios de pentelhos. Quando uma menina que estudava com ele, uma baranga que ia pra escola com um bermudão da Cyclone chamada Andersan (a versão feminina de Anderson), comentou com ele que ele não tinha o “caminho da felicidade” - leia-se “Caminho da felicidade” o rastro de pelos que fica sob o umbigo -, ele disse: “Mas eu tenho pentelho pra caralho!” Ela disse: “Duvido”. Ele colou a mão no saco, tirou um punhado de pentelhos e jogou em cima dela. Quando uma gostosinha chamada Bruna disse que ele depilava os braços e ele respondeu que não depilava os braços, que na verdade não havia nascido pelos nos seus braços, e ela falou que ele era mentiroso, ele colocou a mão no saco e jogou uma porrada de pentelhos em cima dela. Ele encontrou alguma utilidade para os seus pentelhos. Mas naquele momento, à espera de uma provável e deliciosa parceira sexual, na expectativa de enfim copular após um hiato de, sei lá, quarenta e cinco anos, noventa e cinco anos de autopunhetação, ele tinha que aparar a parada. Ele nunca havia aparado a parada antes. E não sabia como proceder. Sempre quando a palavra depilação piscava na sua mente, ele lembrava da história do seu distante amigo Felipe. Felipe se afastou da roda de amigos na rua Rio de Janeiro para encontrar um lugar calmo para poder dar uma mijada na rua. Um amigo dele o acompanhou. Ao encontrarem um lugar propício para mijar, eles abaixaram as suas calças. Enquanto estavam mijando, o amigo de Felipe virou o pescoço em sua direção para comentar alguma coisa. Ao olhar, sem querer, ou por querer, para o pau de Felipe, ele notou que Felipe havia depilado aquela sensível região. Em forma de triângulo! Então o cara que não sou eu deu uma risadinha canalha a si mesmo e depois ficou sério, concentrado no que não sabia fazer. Ele lembrou daquela mítica Playboy da Adriane Galisteu e se deu conta de que ela havia usado gilete para depilar a sua parada cabeluda. Ao passo que ele pegou uma gilete que o seu pai usava para fazer a barba e depilou o seu pau com ela. A seco! Primeiro na região da virilha. Os seus pentelhos entrelaçavam-se no seu pau como a primavera no arame farpado nos muros da sua casa. Depois o saco. Nada de sangue, bom sinal. Depois a região pélvica. Sentiu-se uma espécie de Crocodilo Dundee devastando um pântano. Depois deu uma lavada na gilete, colocou-a no mesmo lugar no qual estava minutos atrás como se nunca houvesse saído de lá, tomou uns dois tombos no percurso até o espelho e caiu a ficha: por isso que os porn stars sempre estão depilados. O seu pau havia ficado maior do que pequeno. Ele tinha que se vestir. “Que tipo de modelito combina com o aspecto Rod Stewart jovem e Jennifer Beals fase laquê?”, ele se perguntou. “Um casaco de couro feto look? Não tenho. Um casaco com pele de tigre verdadeira? Não tenho. Um casaco com pele de tigre falsa? Não tenho. Um colant de lycra pink com uma meia-calça preta e uma bandana amarela? Não tenho. Uma regata tipo Everlast boxeador arrombada nas laterais? Não tenho. Blazer sem camiseta por baixo? Não tenho. Macacão jeans com só uma alça presa? Tenho um macacão jeans mas não tenho pelos nos peitos e só esparsos pelos nos sovacos e já botei desodorante (Italian Pine, R$ 2,40, “O desodorante dos que têm orgulho de serem italianos”) e sem pelos nos peitos e sem pelos nos sovacos e sem sovaqueira não há sentido para usar macacão. Eu posso usar...” Ele escolheu uma camiseta preta de manga comprida com a estampa do Hot Water Music. Ela adorava essa camiseta. Ela dizia que ele ficava lindo de preto. Ele botou uma calça preta. Ele caiu ao vestir a calça preta. Uma delas de cara no chão. Ele notou que, quando caía, por reflexo, ele sempre levantava a perna esquerda para o alto. Dos dois meses engessado, ele ficou o primeiro mês sem beber uma gota de álcool. Quando voltou a beber, ele mijava nos postes com a perna esquerda levantada. Houve momentos bons nesses sessenta dias no estaleiro. Além dos bons livros e dos bons filmes e das boas punhetas, ele descobriu uma característica nos seus amigos retardados da qual ele presumiu que eles fossem desprovidos: solidariedade. Eles o levavam para passear. O deixavam ficar com as pernas esticadas sobre as suas pernas no banco de trás do carro. O chamavam para jogar War na rua. Iam buscar duas cadeiras para ele. Uma para sentar e outra para ele apoiar a perna na cadeira. Quando havia churrascos, afinal, era época de Copa do Mundo, todos agiam como seus empregados. “Quer uma cerveja?” “Deixa que eu pego para você.” “Quer ajuda para ir ao banheiro?” “Apóia aqui.” “Vai querer comer o quê?” “Sai, deixa o ‘Francesco’ sentar aí!” E ele, claro, abusava quanto mais podia, como se quisesse testar os limites do altruísmo. “Pega aquela pra mim direto do sovaco do pingüim.” “Por favor, aquela bolinha de queijo esperta.” “Faz aquele prato de salaminho pra mim.” “Mais uma, por favor.” “Saiu a carne? Saiu? Faz aquele pratinho pra mim.” “Hummm... sem querer abusar, mas tu esqueceu da farofinha.” “Pode cortar a carne em picadinhos pra mim? Valeu.” Eles o levavam a um bar novo no centro que ficava no térreo de um prédio instalado a cinquenta metros da praia das Pitangueiras. Ele tinha uma cadeira para sentar, outra para apoiar a perna e mais uma para guardar as muletas. Era um bar de metaleiros New Metal. Sinuca e cigarro e banheiro sujo e porção de bata-frita com excesso de Ketchup. Os moradores do prédio jogavam ovos na clientela do bar do alto de suas janelas. E foi nesse bar que repentinamente encerrou-se a solidariedade fraterna de seus amigos para com ele. Saulo levantou da mesa, foi até a esquina e gritou: “Caralho, tem duas minas se beijando”. Ele levantou e começou a correr manquitolando como se tivesse em meio a um tiroteio. Até de muleta ele conseguiu ser mais rápido do que o Rocambole. E o pior de tudo é que era mentira. Não havia nenhuma menina se beijando com outra menina. Ele não idolatrava a imagem de Deus, ele não idolatrava a imagem de Cristo, ele não idolatrava a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, ele não idolatrava a imagem de Buda, ele não idolatrava a imagem de James Dean, ele não idolatrava a imagem de Roberto Carlos, ele não idolatrava a imagem de Pelé nem a de Maradona e muito menos a de Ray Conniff, mas ele idolatrava a imagem de duas mulheres se beijando. E como! Ele tiraria a Niagara Falls, o Cristo Redentor, a Torre Eiffel (ou, como diria Saulo, “Torre Waffle”), o pôr do sol visto de uma gôndola em Veneza, para colocar a imagem de duas mulheres se beijando entre as dez maravilhas do mundo. Desde que elas não fossem estivadoras, não tivessem mais pelos do que ele e não tivessem tatuado sobre um dos mamilos um punhal esverdeado. Só vinte e quatro coisas o deixavam em tamanha excitação: fofocas que denunciavam o envolvimento de mulheres conhecidas em gang bang, empregadas gostosas tomando banho em duchas geladas, vizinhas fazendo topless no quintal, sexo de rua, boquete no carro, coroas gostosas com muitas jóias, sardas, gostosas suadas, vídeos de sexo amador veiculados no celular, mulheres que tomam as rédeas do ato e fazem espanhola por conta própria, pompoarismo com bolas chinesas, colegas de escritório transando no escritório sem tirar a roupa, Elizabeth Shue se banhando de uísque em Despedida em Las Vegas, a coroa do Ken Park, marquinhas de biquíni, concurso de camiseta molhada, mães gostosas amamentando em público, cruzada de pernas sem calcinha, mulheres com calça de couro, imaginar freiras gostosas, mulheres com moletom sem nada por baixo, mulheres de cinta-liga, mulheres de regata sem sutiã e b boys japoneses. Ele estava todo de preto. Camiseta preta, calça preta, cueca minúscula preta que deixava o seu pau meio que maiúsculo e um coturno preto. Um só, ele não precisava do outro. Pensando melhor, ele assemelhava-se mais com um Trent Renzor disposto a cometer alguma loucura. Tipo chupar o dedão do pé da mina, se fosse necessário. Ou até mesmo beijar alguma ferida. Ou quem sabe sugerir algemas. Velas derretendo no peito. Ou a inclusão de animais de médio porte. Ela era mais experiente no sexo do que ele. Até mesmo o Padre Marcelo Rossi era mais experiente do que ele. Por baixo, ele conhecia uns vinte e cinco caras que já haviam a comido. Fora os 1.349 que ele suspeitava. Mais os 505 que dizem as más línguas foram agraciados pela sua estupenda felação. No entanto, segundo ela, amor era só com ele. Ele não tinha dinheiro, não tinha carro, não tinha casa própria e não tinha pau. Ele não cortava o cabelo há uns sete meses, não se exercitava há uns sete anos e não transava há uns setenta séculos. Mas mesmo que ela o amasse de verdade, prometesse coisas dignas de pessoas apaixonadas, ele queria sexo seguro. Ele podia vê-la sendo enrabada por uma capivara, mas transar sem camisinha estava fora de cogitação.

(Continua na próxima segunda-feira.)

Um comentário:

Heverton Oliveira disse...

Cara! Que massa! To achando que eu ri mais vezes do que o cara que nao sou eu fez sexo na vida!
Pow, tomara que tenha continuação mesmo!!!
Vou ler os outros contos!