segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O ordinário vira história

Ele nem sempre começa quando abre os olhos pela primeira vez.

Pois pode fechá-los no segundo seguinte

e abri-los quarenta segundos depois.

Mas chega uma hora em que eles ficam abertos,

a não ser pelas breves piscadelas,

que podem durar um pouco mais se vierem acompanhadas

por um suspiro de cansaço,

ou por uma dor profunda,

ou pelo costume de ter que suspirar de vez em quando,

mesmo que seja para criar um vínculo com alguém,

ou,

odiosamente,

para se igualar a todas as outras pessoas

e os seus suspiros

e os seus bocejos

e todos os

outros bocejos subseqüentes ao dos predecessores.

Ele acredita que pensar bastante faz bem para quem não pensa.

Várias vezes ele pensa em não escrever nada

para deixar os outros fazerem isso por ele.

“Deixar para os outros que,

com a mais absoluta certeza,

farão por eles o que foi feito para você.

Por que escrever grandes romances se Jeffrey Eugenides

pode fazer isso por mim

e muito melhor do que eu posso fazer para mim mesmo

e para os outros que acham que foi feito para eles?”

Às vezes ele gostaria de ter origem judaica.

De ter um avô polonês que sofreu em Auschwitz.

De carregar uma mancha vermelha inchada no rosto.

Sofrer um acidente

e ficar paraplégico

e depois de anos de longa batalha voltar a andar

e virar o mais puro exemplo de perseverança

e amor à vida.

Converse com o meu filho,

por favor,

ele está querendo se matar

só porque a namorada acabou de se matar

com uma overdose de remédios para cavalo

porque não conseguiu passar no vestibular.

Goze na minha boca

e dê um pouco da sua coragem.

Só que é tudo tão normal.

A

história

de

um

homem

que

nasceu

de

um

acordo

entre

duas

pessoas

de

sexos

diferentes

que

não

tiveram

meios

de

perguntar

se

ele

gostaria

de

nascer

ou

viver

no

escuro

desprovido

da

informação

de

que

um

lugar

onde

luz

e

onde

todos

aparecem

à

espera

do

dia

em

que

irão

sumir.

Como um peido oriundo do anonimato.


(Prometo que, na semana que vem, irei finalizar a história que comecei na semana passada. A minha vida, nessa época do ano, fica uma bagunça. Para se ter uma ideia, só agora percebi que estou usando a cueca do avesso - o dia todo com a cueca do avesso, fio dental de algodão.)

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