“Fazer neném é muito legal!”
Trecho da fábula infantil Abecedário Maluco: A de amor, B de baixinho, C de Ceborréia, de autoria de Arno Palumbo, editora Pompoarismo e Bolinhas de Gude
Se eu visse a Maria Bethânia agora, a primeira e única atitude que tomaria, de supetão e com a maior tranqüilidade possível, era dar um tapa na cara dela. Um só tapa. O certeiro. Aquele que não deixa margem para dúvidas e questionamentos. Bem de frente, olhando olho no olho. No lado esquerdo do rosto e com a minha mão direita. O braço curvado em forma de L e a mão bem aberta. Os dedos separados e esticados. O som de uma salva de palmas de uma única palma: uma sonoridade estridente, breve e seca. “Maria Bethânia?” “Oi, meu querido, no que eu posso te ajudar?” “Pá!”
O modelo que me inspirou a conjeturar as nuances desse tapa foi o que o meu amigo, vamos chamá-lo de S, deu em uma mina na extinta balada Avelinos. Ele estava lá, de boa, sacando as mulheres, enquanto no meio da pista as pessoas dançavam forró (Forró? Nos lugares em que rola música boa as mulheres não usam decote quase até o umbigo, não têm silicone, não andam praticamente com a bunda de fora, não têm silicone na bunda, não são analfabetas, não ligam para o tamanho da pança e não têm atributos físicos para ingressar na carreira de garota de programa de luxo). S é um cara bonitão, sempre se deu bem com as mulheres, tanto com as bonitas quanto com as feias (mesmo que hoje pareça que ele tenha comido o Mc Donald’s com todo mundo dentro), o seu xaveco era um absurdo de tão absurdo, estranhamente era o que elas queriam ouvir. Ele viu duas meninas dançando forró juntas. Não eram lésbicas. Eram esnobes. Na verdade, uma só era esnobe: a feia. A outra era bonita mas sabia que a amiga era possessiva. A feia, segundo o meu amigo Victor, “parece a Claudete Troiano”. S queria dançar com a bonita, mesmo que nem na imaginação mais fantástica ele consiga dançar sequer Macarena. Ele precisava de um companheiro que, no mínimo, pudesse entreter a feia. Um companheiro não, um guerreiro. (Segue o trigésimo nono mandamento dos 1.900 mandamentos do jovem caiçara de classe média: quem pegou uma mulher que parecia o Márcio Santos, o zagueiro do tetra, não serve de parâmetro e deve caminhar sozinho, com as próprias pernas, daqui para frente - coisa que ele fez muitíssimo bem, sem a nossa presença para desencorajá-lo.) Entretanto, nessa ocasião, ele não conseguiu ninguém que tinha mais de sete dentes na boca. Conseguiu, sim, um cara que tinha menos de sete dentes na boca e que se tornou alcoólatra aos sete anos de idade e que, naquele dia, já vinha bebendo desde as sete horas da manhã. Vos apresento Zezinho. Zezinho tinha um aspecto tão bom que, certa vez, ele foi confundido pelo guardador de carros de uma outra balada como um guardador de carros rival: o detalhe é que ele estava saindo do nosso carro quando o fato ocorreu. Zezinho era um legítimo baiano e, como quase todo baiano (sempre há uma exceção, embora eu não conheça nenhuma), mijava em todo lugar: no meio da rua, perto de crianças, no próprio guarda-roupa, sobre cachorros, nas próprias calças, nas próprias crianças. Naquele dia, a caminho da balada, ele quis mijar dentro do busão, mas nós conseguimos dissuadi-lo. (Sim, uns quarenta e cinco minutos de busão na ida, uma meia hora na volta, e foi a época mais feliz de nossas vidas.) O bom de andar com o Zezinho na balada era que, para os olhos daqueles que não sabiam que ele era um sujeito super de boa, parecia que ele escondia uma faca no cós da calça. O fator negativo de andar com o Zezinho na balada era que talvez ele fosse confundido com um mendigo, e se já é raro ouvir da boca de alguém que conheceu o amor de sua vida na balada, é muito mais raro ouvir “encontrei o amor da minha vida na balada na companhia de um mendigo super simpático”. Então sobrou Zezinho para S e S sabia que as suas chances de êxito estavam quase zeradas. Zezinho deve ter iniciado-se sexualmente com animais, portanto “Claudete Troiano” poderia muito bem ser a mulher da sua vida. S aproximou-se das duas com Zezinho seguindo o seu rastro. S pediu a Claudete Troiano se, porventura, “eu poderia dançar com a sua amiga?”. Claudete disse simplesmente que “não” e deve ter pensado “se ele pedisse para dançar comigo, até toparia”. S sugeriu a Claudete Troiano dançar com Zezinho. Claudete Troiano olhou para Zezinho de cima abaixo, surpreendeu-se pelo fato de ele estar usando sapatos, e se fosse capaz de vociferar mil vezes a palavra “não” num mísero segundo, ela vociferaria. Contudo, ao invés disso, ela dirigiu-se a S e mandou um “não, sai fora, vai se fuder”. S olhou para trás, na nossa direção, e deu uma risadinha de desconforto. Nós, comentando a situação na nossa mesa-redonda, elegemos Claudete Troiano como “um zagueirão filho da puta!”. Zagueirão é a mina que atrasa a vida das amigas mais atraentes. S caminhou na nossa direção, talvez em busca de consolo ou de uma luz. Foi quando Victor lançou a frase cataclísmica: “ela parece a Claudete Troiano”. Zezinho estava dançando forró sozinho enquanto um vácuo se formava em torno dele. S voltou até as duas e tentou mais uma vez. Claudete Troiano, que, no momento, não sabia que a chamávamos de Claudete Troiano, disse “não” novamente, “sai fora” novamente, “vai se fuder” novamente, acrescentou um “vai tomar no cu”, “um filho da puta”, se arrependeu um pouco do que disse ao presumir que Zezinho podia tirar a faca do cós da sua calça encardida e questionou-se por que S não percebia que ela era a mais gostosa das duas. A Bonita chegou à conclusão que, se Deus existisse, ele provocaria um infarto fulminante naquela sua amiga estraga-prazeres “que parece a Claudete Troiano, sim”. Zezinho continuou a dançar forró enquanto um sorriso incriminador rasgava a sua cara e um cheiro de urina se espalhava por toda a pista: exato, ele tava curtindo uma mijada. S arriscou uma última tentativa, colocou a boca próxima do ouvido da Claudete Troiano que estava prestes a saber que era a Claudete Troiano. Claudete Troiano pensou, excitada, “será que agora ele se tocou?”. S disse: “pô, deixa eu dançar com a tua amiga, não percebe que ela quer?”. A amiga disse só para si mesma, “é, isso, eu quero, para de dançar comigo, tenta encarar o mendigo, ele até usa sapatos”. Claudete Troiano sugeriu “por que você não vai chupar o pau do teu amigo e para de encher o meu saco?” Zezinho ouviu aquilo e pensou consigo que “encarava numa maior”. Então S perdeu a paciência e disse com toda a calma e não com todas as letras – ele sempre teve problemas com a língua portuguesa: “então beleza, Claudete Toiano”. Claudete Troiano, agora sabendo que era Claudete Troiano (automaticamente ela colocou o R à frente do T), empurrou com força desmedida a cabeça de S. Instantaneamente, S desferiu um belo tapa na cara de Claudete Troiano. O tapa foi tão perfeito que o cabelo de Claudete Troiano foi todo para o outro lado da cabeça. (Para que esse efeito ocorresse na missão Maria Bethânia, eu teria que estapeá-la em meio a um furacão.) Parecia um policial irascível batendo na cara de um surfista só pelo fato do surfista estar fumando um beckzinho, à noite, na praia. Parecia um policial irascível, em cima de sua portentosa bike e trajando uma máscula bermudinha curta, batendo na cara de um engenheiro alimentar só pelo fato do engenheiro estar fumando um beckzinho, à tarde, na praia do Guaiuba. A primeira coisa que fiz foi olhar para o semblante do segurança que vinha testemunhando toda a treta. Quando a mulher apanha de um homem na balada, a culpa é do homem. Quando uma motocicleta se choca com um carro, a culpa é do motorista do carro. Quando, anos atrás, uma mina que fazia jiu-jitsu cegou uma cara na Phoenix, o cara foi o culpado. Então logo concluí que S estava fodido, portanto o peguei pelo braço, o puxei para longe da confusão e o mandei imiscuir-se no meio da multidão. Claudete Troiano ficou gritando, toda descabelada (como se Palmirinha tivesse acabado de carbonizar mais uma receita e foder com todo o andamento do programa), olhando para todos os lados e perguntando-se “onde está o homenzinho rústico, será que ele já tirou a faca do cós da calça?”. Se as pessoas soubessem um terço da história de Zezinho, elas se surpreenderiam. Não, não vou dizer que ele se formou em Harvard e é amigo pessoal de Noam Chonsky. (Suponho que ele deve ter sido barrado na porta do maternal com uma garrafa de Montilla.) Eu sei que ele tem menos de sete dentes na boca, talvez menos de quatro, sei que ele é alcoólatra desde os sete anos de idade, talvez antes dos sete meses, sei que ele mija nas calças e não liga pra isso, talvez ele beba o próprio mijo e não esteja nem aí, sei que ele se veste como o Velho do livro O Velho e o Mar, talvez sua vestimenta seja mais parecida com a de Nô, personagem interpretado por Carlos Riccelli, na mini-série Riacho Doce, sei que, quando olha-se pra ele, parece que ele esconde uma faca no cós da calça, talvez ele guarde, no mínimo, um cortador de unhas no cós da calça (não, ele não é do tipo que guarda um cortador de unhas no cós da calça, nem na nécessaire, ele não é do tipo que tem nécessaire nem que usa cortador de unhas, a unha dele é grande, amarela e suja), mas o que sei, e vocês não sabem, afinal, vi com os meus próprios olhos, em mais de uma ocasião para ser específico, é que ele tem uma carteira no bolso do “farrapo” que ele chama de calça e para sua surpresa, não para a minha, a carteira está cheia de notas de cem reis. “Oh, o que ele faz da vida?”. Eu digo para você: ele é babá. Um bem-sucedido babá homem, por sinal. De um menininho loiro. A família não tem o que reclamar dos serviços prestados por ele... Mas aí o segurança não tomou nenhuma atitude. Ficou parado. Foi como se ele concordasse com tudo que tinha acontecido. Lógico que não fui perguntar nada para ele. S ainda não havia voltado. Nós estávamos parados, testemunhando o enxame patético que Claudete Troiano estava fazendo. A bonita estava envergonhada, encolhida num canto, torcendo para aquela gralha calar a boca. Zezinho estava dançando... com um homem. Estava dançando com o Wellington. O Wellington foi com a gente. O Wellington é da estirpe que trocaria uma orgia com modelos suecas para ficar dando comida na boca de leprosos na Cracolândia. Ele não causaria nenhum espanto às pessoas com as quais convive se dissesse que casaria com uma anã filipina. Nem se dissesse que casaria com um jogador de basquete da seleção de Uganda. Nem se dissesse que casaria com um papagaio poliglota. Nem se dissesse, naquele momento, a plenos pulmões, ao som do infame Molejão, que casaria com Zezinho. Em suma, ele é completamente louco. Mas um louco bacana. Um louco impoluto. Sem preocupações fúteis, sem amargura e sem sarcasmos gratuitos. Weliington é como um labrador porcalhão, e estava dançando, às gargalhadas, com Zezinho. Ambos abraçados e felizes por dividir aquele momento bem brasileiro... Alguém de bom coração, ao observar a cena, diria se tratar de uma “ação entre amigos”. Alguém com um pouco de aspereza no coração diria se tratar de uma “aberração entre amigos”. Ambos abraçados e felizes por dividir aquele momento radiante... enquanto o bicho pegava na pista. Três caras, que nunca viram aquela vaca louca na vida, apareceram querendo defender Claudete Troiano. Caras desse tipo são identificados por gente do nosso tipo como “Justiceiros Oportunistas”. Eles aparecem em brigas de trânsito, em filas de supermercado, em filas de banco, em filas nas lojas Hering na época de Natal, em qualquer entrevero que haja mulheres “aceitáveis” (Claudete Troiano era inaceitável em todos os sentidos) envolvidas para defendê-las e ver se depois, se tudo correr bem, conseguem comê-las. Eles estavam em maior número do que a quantidade de dentes na boca do Zezinho. Porém, para infelicidade deles, nós estávamos em... Quinze. Isso sem contar com o S. Gordos, magros, altos, mais baixos do que baixos, imberbes, pirados, pacifistas, barbudos e um homem babá que, detalhe, lutava capoeira. Antes da confusão, encontramos dois companheiros que não víamos há algum tempo porque estavam... presos. Eles estavam acompanhados por mais sete caras e juntos formavam uma turminha formidável conhecida como a “Galera da Madeira”. Galera da Madeira porque eles espancavam a porretadas quem ousasse encher o saco deles. Antes de nos despedirmos, eles disseram: “Qualquer problema, é nós!”. Portanto, os Justiceiros Oportunistas estavam estratosfericamente arrombados! De Justiceiros Oportunistas, transformaram-se em Justiceiros Oportunistas. Quando eles perceberam a cagada que tinham cometido ao se envolverem em uma briga que não dizia respeito a eles, já era tarde demais. Nós os espancamos até a morte. Enquanto a caixa de som ribombava Alceu Valença, deixamos Zezinho mijar álcool puro sobre eles, depois tacar fogo, depois ver a fogueira alcançar o teto da balada enquanto a multidão vinha correndo para ver o que acontecia, chamar a Galera da Madeira, pedir com carinho para que a Galera da Madeira matasse a porretadas o DJ (que por sinal chamava-se Cabral) que só rolava merda, roubar um violão da banda de pop rock que tocava no outro ambiente, mandar o pessoal todo sentar no chão, dar o violão para o S tocar (depois de o Daniel dar uma afinada), para no final cantarmos todos juntos Mr. Jones, do Counting Crows, ao mesmo tempo em que Zezinho e Wellington faziam a dança de encerramento de Dirty Dancing. Fim. Agora, sem afetações, delírios e digressões, o que realmente aconteceu foi que eles deram sorte. Muita sorte. Sorte por sermos pacíficos. Sorte por ser apenas o começo da balada e todos estarmos “quase” sóbrios: quase = Zezinho. Sorte por nosso amigo Verinha não ter comparecido. (Nome: Alexandre; Apelido: Verinha; Segunda Personalidade: Michael Douglas em Um Dia de Fúria.) Sorte por sermos de boa família, cultivarmos sonhos, ótimos empregos, belas mulheres, várias viagens, encontrar o amor, oficializar o amor, gerar vidas e ter a chance de dizer: “Ai, que coisa boa”. Sorte por sermos de boa família, cultivarmos sonhos, ótimos empregos, belas mulheres, várias viagens, encontrar o amor, oficializar o amor, gerar vidas e ainda não nos darmos conta que os sonhos podem nunca se realizar, que os empregos são uma merda, que as mulheres, em sua maioria, são todas umas vadias, que as bostas dos empregos só propiciam viagens decepcionantes, que a espera do amor eleva o stress, dá barriga, encareca o que era cabeludo, e quando o amor chega, à beira do abismo do desespero irreversível, aceita qualquer coisa, uma Claudete Troiano em torno dos seus braços que, com o passar do tempo, dificilmente conseguirão fechar em torno daquele trambolho estridente, as vidas geradas serão mal-agradecidas ao longo dos anos, a filhinha linda, que sentava no seu colo com o sorriso mais belo e cativante que Deus foi capaz de criar, chegará ao ponto de sentar no colo de qualquer caminhoneiro cocainômano entupido de Viagra falsificado; o mesmo Deus que um dia lhe encheu de alegria, será o mesmo que o impelirá a gritar, longe de casa, numa puta chuva, de cuecão borrado na parte de trás, depois da primeira crise de Mal de Alzheimer: “DEUUUSSSS, QUE PORRA É ESSA?”. Mas naquele dia não tínhamos consciência da parte amarga desse teatro do bem e do mal. Então deixamos quieto. Claudete Troiano seguiu o seu caminho infeliz. Os Justiceiros Oportunistas, ou melhor, os Justiceiros Oportunistas, foram atrás de novas oportunidades menos problemáticas. Zezinho foi atrás de uma pilastra para dar uma mijada. Wellington foi atrás de uma chihuahua para pedi-la em casamento. S foi atrás de uma nova xoxota que desse menos trabalho. A bonita foi atrás de uma piroca que desse menos trabalho. Nós seguimos nossos caminhos cheios de oportunidades torcendo para que não cruzássemos o caminho cheio de infelicidade de Claudete Troiano.
Outra mina que merece tomar umas bolachas é a irmã de Maria Bethânia (familinha filha da puta): Caetano Veloso.
Mas esse combate ficará para o próximo round de: Por quê, em casos excepcionais, bater em mulher pode ser benéfico à sociedade!
(Fotografia: Mr. Arno Palumbo.)
2 comentários:
Se você derrubar a Maria Bethania no chão eu hidrato, corto e aplico colorante no cabelo dela. Também vai ser benéfico à sociedade.
leornardinho meu filho, ta precisando dar um tapa nesse blog hein?
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